Nota à população atingida: sobre a recente decisão relativa ao julgamento dos acusados pelo rompimento da barragem
“Deslocamento da competência para a Justiça Federal impede o julgamento das 272 pessoas assassinadas em decorrência do rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho pelo Júri popular”
Em 19 de dezembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o julgamento penal dos responsáveis pelo rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho – MG, será feito pela Justiça Federal, na 9ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, para processar e julgar a ação penal n. 0003237- 65.2019.8.13.0090. A decisão também anulou recebimento da denúncia e demais atos decisórios praticados na Justiça estadual de Minas Gerais, de modo que a ação penal em âmbito federal vai começar do zero. O julgamento do conflito de competência ocasionado entre Justiça Estadual e Justiça Federal, ou seja, os dois órgãos judiciários que entendiam ser competentes para julgar a causa, foi resolvido na análise dos Recursos Extraordinários (REs) 1378054 e 1384414, tendo como acusados Fabio Schvartsman e Felipe Figueiredo, respectivamente, ex-presidente e ex-engenheiro da Vale.
Em 16 de dezembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é da Justiça Federal a competência para processar e julgar a ação penal n. 0003237- 65.2019.8.13.0090, referente ao rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho – MG. Assim, entendeu que o processo criminal deve correr na 9ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais e que há, portanto, a nulidade do recebimento da denúncia e dos demais atos decisórios praticados na Justiça estadual de Minas Gerais, de modo que a ação penal em âmbito federal deverá começar do zero. Isto, em virtude do julgamento do conflito de competência ocasionado entre Justiça Estadual e Justiça Federal, na análise dos Recursos Extraordinários (REs) 1378054 e 1384414.
No início do ano, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) ingressou com recurso contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tinha reconhecido a competência da Justiça Federal para julgar o caso, por entender que mudança da competência era contrária ao entendimento do próprio STJ e STF, quando julgaram casos semelhantes.
O Relator dos REs, Ministro Edson Fachin (STF), concordando com o MPMG, tinha entendido que a Justiça Estadual seria competente, mas contra esta decisão foram apresentados novos recursos pela defesa dos acusados, pedindo para o julgamento ser na Justiça Federal. Ao final, prevaleceu o entendimento de que em razão da sonegação de informações sobre a Política Nacional de Segurança das Barragens, houve ofensa direta e específica a interesse da União e prejuízo à Agência Nacional de Mineração.
Como os casos em que envolvem interesse da União são julgados pela Justiça Federal, prevaleceu o voto do Ministro Nunes Marques que acolheu a tese dos acusados, acompanhado pelos Ministros André Mendonça e Gilmar Mendes para estabelecer a
competência do Juízo da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, para processar e julgar a ação penal contra os responsáveis pelo desastre.
A decisão é contrária aos interesses das pessoas atingidas, que pleiteavam o devido julgamento do caso pela Justiça Estadual, por tratar-se de 272 (duzentos e setenta e dois) homicídios qualificados e inúmeros crimes ambientais estaduais. De acordo com a denúncia do MPMG, os acusados agiram assumindo o risco de provocar as mortes, pois antes do desastre-crime efetuaram cálculos econômicos estabelecendo o valor das vidas que seriam assassinadas com a provável ruptura da barragem e, mesmo sabendo do estado crítico da estrutura, se omitiram na adoção de medidas de emergência e segurança que poderiam ter impedido as mortes e danos ambientais, na forma e proporção que aconteceram.
A Aedas se posiciona ao lado das pessoas atingidas e concorda com o entendimento do MPMG e do Ministro Edson Fachin de que a competência é da Justiça estadual de Minas Gerais, uma vez que não se pode concluir que houve ofensa direta a interesse da União, não sendo razoável e adequada a transferência para a Justiça Federal.
Ainda, a remessa do processo para a Justiça Federal distancia o processamento e julgamento dos homicídios qualificados praticados contra as 272 joias do local onde o crime foi cometido e demonstra a influência da Vale S.A sobre o judiciário brasileiro no processo de responsabilização e punição dos seus empregados.
Por fim, é fundamental destacar que a ação penal em comento visa a possível punição criminal das pessoas que são responsabilizadas pelo desastre-crime, mas não se confunde com a Ação Civil Pública que condenou a Vale S.A a reparar as pessoas atingidas, comunidades, estado e o meio ambiente, por todos os danos decorrentes do rompimento da barragem. Esta ação coletiva segue normalmente na Justiça estadual.
Belo Horizonte, 27 de dezembro de 2022
