Não existe reparação sem elas: O papel central das mulheres negras nos espaços participativos
De janeiro a julho deste ano, mais de 37% das participações em espaços coletivos sobre reparação foram de mulheres negras, segundo dados coletados pela Aedas

Não por acaso ou coincidência, as mulheres negras seguem sub-representadas em cargos de liderança e decisão e a elas são reservados os piores postos de trabalho, os menores salários, a maior exposição a violências, a maior taxação de impostos, por exemplo.
Em paralelo a isso, nossa sociedade se movimenta, justamente, a partir das mulheres negras. É visível a importância delas ao longo da história para a construção do Brasil, por seus conhecimentos, competências e potencialidades.
Para o contexto regional, de exploração minerária como principal atividade econômica, e outras relacionadas a isso, a realidade tende a ser a mesma que se repete ao longo da história. São elas, as mulheres negras, as mais vulneráveis aos danos, sobretudo em um cenário de pós-rompimento, como em Brumadinho.
Quando se olha para a história da mineração, no princípio da atividade mineradora no Brasil, negros e indígenas eram escravizados e forçados a trabalhar em minas inseguras e com condições precárias de trabalho. Mesmo depois de tanto tempo, seguem as violações de direitos.
Em sintonia com as demandas urgentes das mulheres negras, o “Julho das Pretas” propõe a transformação do contexto de desigualdades, evidenciando o protagonismo destas mulheres nas mais diversas esferas da sociedade e faz um chamado por justiça e equidade.
O dia 25 de julho é o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha. No nosso país, foi instituído, na Lei 12.987/2014, o dia 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A escolha de Tereza de Benguela para simbolizar a data se deu pela sua história de liderança no Quilombo Quariterê, localizado entre o Rio Guaporé e a atual cidade de Cuiabá, no Mato Grosso, e a resistência à escravização durante anos, lutando pela comunidade negra e indígena aquilombada.
O Brasil é aqui
Na luta por reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, as mulheres negras se mostram fundamentais para que as demandas das comunidades sejam pautadas, refletidas e contempladas nas decisões que dizem respeito a vida delas e dos seus.
De acordo com dados coletados pela Aedas, de janeiro a julho deste ano, mais de 37% das participações em espaços coletivos sobre a reparação foram de mulheres que se declararam negras, o que exemplifica o quão fundamental tem sido suas contribuições nesse processo.
Os dados também apontam para a importância de que os marcadores de gênero e raça sejam considerados, as especificidades contempladas e que a reparação seja de fato justa para todos, consideradas as diferenças.
Ao longo dos últimos anos, a Aedas tem atuado no sentido de visibilizar a caracterização dos sujeitos atingidos e dos danos sofridos, como diz a coordenadora da equipe de Marcadores Sociais da Diferença, Cecília Godoi. “Do ponto de vista da atuação enquanto Assessoria Técnica, demos passos relevantes no tocante a nosso diagnóstico e caracterização da população atingida. Com três capítulos do dossiê sobre o perfil das mulheres atingidas, lançamos luz ao protagonismo das mulheres na participação informada, e constatamos que a maioria dessas mulheres são negras”, explica.
O dossiê produzido pela Aedas, trata do protagonismo na mobilização e participação social, racismo ambiental e a interseccionalidade nos danos sofridos pelas mulheres negras, acesso aos programas e projetos de reparação, danos à saúde, aumento do trabalho doméstico, perda de autonomia financeira, entre outros temas.
Cecília Godoi destaca, ainda, o protagonismo das mulheres negras nas várias frentes da caminhada por justiça e garantia de direitos. “A elas devemos reverência pela força e dignidade expressa em cada uma de suas lutas, permanentes, para o processo de reparação. É evidente a persistência por justiça no processo reparatório, que sem a força política das mulheres negras, não seria a mesma”, afirma.
As publicações e os registros que ajudam a contar a história de participação das mulheres negras atingidas na Bacia do Rio Paraopeba estão disponíveis aqui em nosso site.
Capítulo 3: Dossiê Temático aborda o protagonismo político e social das mulheres atingidas no processo de Reparação Integral na Região 2
Mulheres negras em espaços participativos até julho de 2024

Mulheres negras em marcha
Apesar dos desafios, persiste a resistência das mulheres negras, desde antes, durante e depois da abolição de 1988. Com meta de reunir 1 milhão delas, em Brasília, em novembro de 2025, a 2ª Marcha das Mulheres Negras marca os 10 anos da primeira edição nesta mobilização por “reparação e bem viver da população negra brasileira” ainda submetida à exploração moderna.
Texto: Lucas Jerônimo
Veja essa e outras matérias na 32ª edição do Jornal Vozes do Paraopeba
Vozes do Paraopeba – 32ª edição: Não existe reparação sem as mulheres negras