Desde o dia 25 de janeiro de 2019, quando a barragem da Vale contaminou o Rio Paraopeba, mulheres atingidas de Brumadinho e dos municípios da região lutam por uma reparação justa e para conquistar direitos para si e para as suas comunidades. A Matriz de Medidas Reparatórias Emergenciais da Aedas mostrou que o desastre sociotecnológico causou diversos danos à vida das mulheres atingidas, assim como aprofundou as desigualdades sociais e econômicas de modo a colocá-las em situação de maior e/ou extrema vulnerabilidade.

Na semana do 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) vai iniciar uma série contando a história de vida de mulheres atingidas da R1 e da R2 que sentem no dia a dia as consequências sociais e ambientais provocadas pelo desastre sociotecnológico e também vai contar detalhes do trabalho da equipe “Monitoramento de Gênero”, dedicada a acompanhar a situação específica das mulheres.

Merita de Betim

A pescadora Merita de Jesus Oliveira, 50 anos, mostra fotos de seu neto na beira do Rio Paraopeba e desabafa. “Dá até vontade de chorar ao ver a foto do meu menino na beira do Rio. Essa hora era para a gente estar lá pescando. Essa tragédia da Vale acabou com tudo”. Ela mora com o marido, a filha e quatro netos, de doze, dez, oito e seis anos, no bairro Cruzeiro, em Betim. Merita estava, inclusive, em seu barco quando a barragem Córrego do Feijão se rompeu em Brumadinho.

No primeiro aviso, ela duvidou que fosse possível. “Que barragem? Se não estava chovendo nem nada”. Só se deu conta da gravidade da tragédia quando policiais vieram avisar. “A Polícia chegou e disse: sai da beira do rio que é verdade, sai daí agora, larga tudo, que senão vocês vão morrer”.

De acordo com dados do Registro Familiar realizado pela Aedas, no município de Betim, 74% das referências familiares são mulheres e 26% são homens. Na comunidade Cruzeiro, as mulheres representam 65% das referências familiares e os homens 35%. Em Betim, 84% das referências familiares avaliam que houve extensão dos danos do rompimento com relação à economia, trabalho e renda para o seu núcleo familiar. Aproximadamente 56% avaliam o dano com muito alto e alto.

A abundância de peixes sustentava a família e garantia o alimento na mesa todos os dias: curimatã, tilápia, dourado, piau, cascudo e lambari. “A gente pescava para comer, para vender para os amigos e vizinhos e para ajudar no sustento da casa. Quando eu pescava já mandava foto no WhatsApp. A gente vivia disso”. Hoje, Merita recebe o pagamento emergencial integral, mas seu marido já não recebe desde dezembro de 2019. “Meu marido trabalha de pedreiro, não tem serviço fixo e aqui em Betim não há muito emprego”.

Em relação ao recebimento do auxílio emergencial pelas mulheres de Betim, apenas 12% recebem regularmente, 63% recebe 50% do auxílio emergencial, 20% deixaram de receber ou têm parcelas em atraso. Aproximadamente 3% afirmam se enquadrar no critério, mas nunca receberam e 2% foi negado o enquadramento nos critérios, mas querem receber.

Segundo Nara Pinilla, da equipe de Monitoramento de Gênero da Aedas, além do grande dano ambiental e na economia da família, a diminuição da atividade pesqueira implica também na segurança alimentar e nutricional dessas famílias. “O rio não era apenas um espaço de lazer e trabalho, mas também central nas relações culturais e identitárias das mulheres atingidas pelo rompimento da barragem. O modo de vida e o dia a dia das pescadoras foi profundamente transformado”, destaca.

São as mulheres as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e de cuidados e pela reprodução da vida, por isso a situação da sobrecarga de trabalho delas foi ainda mais agravada. Somados a esses fatores, foi constatada ainda a perda da autonomia financeira desse grupo, em consequência da desestruturação econômica das comunidades após o desastre sociotecnológico.

Os impactos nos direitos sociais e coletivos causados pelo rompimento da barragem representam na prática uma transferência de responsabilidade de cuidados que deveria ser da Vale e do Estado para essas mulheres. Muitas pessoas atingidas, inclusive crianças, relataram adoecimento físico e mental após o desastre sociotecnológico. “Há uma consequência direta na vida das mulheres, uma vez que são elas as maiores responsáveis, às vezes as únicas, pelo trabalho doméstico e de cuidados dentro do núcleo familiar. Somado a diminuição da autonomia financeira, as mulheres atingidas experienciam uma diversidade de violências materiais, físicas e simbólicas”, explica Nara.

Agora a rotina de trabalho da família de Merita à beira do rio deu lugar à angústia da incerteza do futuro sem o pagamento emergencial. “Até hoje o rio não limpou. O pagamento emergencial tem segurado a barra da gente, mas como nós vamos sobreviver a partir de dezembro?”, questiona.