Atingidas reivindicaram espaço para aprofundamento da discussão na perspectiva das mulheres 

Lideranças dos cinco municípios estabeleceram o primeiro diálogo com Entidade Gestora | Fotos: Diego Cota/Aedas

Comissões e lideranças atingidas da Região 2 participaram do primeiro espaço de diálogo com a Entidade Gestora dos Projetos de Demandas das Comunidades (Anexo I.1), no sábado (16/03), no bairro Jardim das Alterosas, em Betim. O momento inicia a etapa de construção da proposta definitiva que vai definir as regras para execução dos recursos destinados para essa parte do Acordo de Reparação. O próximo encontro está previsto para o primeiro sábado de abril (06/04). 

O Momento 1 foi destinado para a apresentação do consórcio de organizações que compõe a Entidade Gestora e para informar sobre as etapas da construção participativa que será desenvolvida dentro do período de 90 dias. Na ocasião, atingidas e atingidos apresentaram as características e as principais demandas da população de cada município da Região 2.

Samuel da Silva (Cáritas) e Jéssica Barbosa (ANAB) apresentaram a Entidade Gestora para as lideranças

A atingida Michelle Rocha, da comunidade Monte Calvário, de Betim, pontuou que o início das atividades do Anexo I.1 era um momento aguardado pelas lideranças. “Tive a sensação do início de um diálogo que a gente já vem esperando, de esperança do I.1 para a autossustentabilidade das comunidades. Com o todo, a sensação que a gente tem é que, apesar desses cinco anos de luta, é que algo vai começar a ser feito nas comunidades em si”, disse. 

O longo tempo de espera foi uma das questões pontuadas pelas lideranças da Região 2. Afinal, são mais de cinco anos desde o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em 2019, e do convívio diário com os danos que afetam os territórios da Bacia do Rio Paraopeba. Dentro da Reparação Socioeconômica do Acordo, assinado em 2021, o Anexo I.1 foi o último a iniciar as atividades, sendo justamente o único que prevê a participação direta das pessoas atingidas. 

Nesse contexto dos danos do desastre-crime, a vida de muita gente mudou, especialmente daquelas pessoas que dependiam do Rio Paraopeba para suas atividades econômicas, tradicionais ou de subsistência. A atingida Silvania Mansur, da comunidade Primavera, em São Joaquim de Bicas, contou que o rompimento trouxe uma série de inseguranças para os territórios e que o Anexo I.1 pode trazer a reparação para as pessoas. 

“Eu acredito que, se for realmente dessa vez dos atingidos, vai ser uma oportunidade de mudar a nossa história. Porque dentro dos territórios eu acho que hoje nós buscamos até novas identidades. ‘Como que eu planto?’, ‘Como é que eu posso fazer um projeto de horta se eu não conheço minha água, meu solo’. Então precisa sim que a construção seja em coletividade”, afirmou. 

Durante o diálogo ao longo da tarde, as lideranças atingidas solicitaram que no Momento 3 sejam realizados espaços específicos para o aprofundamento das propostas na perspectiva das mulheres, agricultores e pescadores. Esse momento é destinado para a discussão com grupos vulnerabilizados e a princípio estão previstos espaços com familiares de vítimas fatais e povos e comunidades tradicionais. A Entidade Gestora informou que vai avaliar o pedido.

Equipe de pedagogia da Aedas promoveu o espaço de ciranda para crianças e adolescentes

Lideranças reivindicam discussão específica para mulheres 

Quando apresentaram a situação dos seus municípios para a Entidade Gestora, a atingida Lucimar Benfica, da comunidade de Santa Ana, de Igarapé, e Joelísia Moreira, da comunidade Satélite, de Juatuba, destacaram a necessidade de a construção da proposta definitiva ter uma atenção especial para as mulheres atingidas. Elas são maioria entre as lideranças que atuam na luta pela reparação, na Região 2.

Grupo de lideranças da Região 2 é composto majoritariamente por mulheres | Foto: Felipe Cunha/Aedas

“Nós defendemos, assim como a companheira de Igarapé o protagonismo das mulheres e, dessa forma, com a bandeira de defesa das mulheres, nós vamos ter a defesa de todos os atingidos da Bacia do Paraopeba”, afirmou Joelísia. 

A atingida também explicou sobre a situação de vulnerabilidade do seu município. “Juatuba tem duas características muito negativas, que pesa muito. É um dos municípios com maior taxa de violência doméstica e violência contra a mulher. E outra característica é o nível de pobreza, 20% da população é cadastrada no CadÚnico. Então são pessoas realmente em situação de vulnerabilidade, que foi agravada pelo crime da Vale”, contou. 

Atingidos apresentaram as principais questões dos municípios 

Tatiana Rodrigues, de São Joaquim de Bicas

“Em Bicas uma dificuldade é que o nosso território é muito dividido por não termos uma estrutura de utilidade pública. A maioria dos nossos bairros são sem asfalto, sem rede elétrica, sem iluminação. Com isso, as nossas demandas, enquanto comunidade, vão ser maiores, vai demandar mais de vocês para estarem nos atendendo, porque quando fizermos um projeto, vamos precisar dessas utilidades públicas para serem resolvidos.” – Tatiana Rodrigues, da comunidade Vale do Sol, São Joaquim de Bicas.

Lucimar Benfica, de Igarapé

“A gente pede uma atenção para os idosos, crianças, porque devido ao rompimento perdeu-se a área de lazer. Isso trouxe coisas não benéficas para o bairro. Peço uma atenção para as mulheres também.” – Lucimar Benfica, da comunidade de Santa Ana, Igarapé.

Joelísia Moreira, de Juatuba

“Juatuba é uma das áreas onde o rio é mais urbano, são 20km de rio. É uma realidade complexa. Tem uma característica que é a dificuldade de sobrevivência das pessoas, por causa da empregabilidade, e a maioria das pessoas de Juatuba perderam muita renda por causa do rio.” – Joelísia Moreira, da comunidade Satélite, Juatuba.

Adilson Ramos, de Mário Campos

“Em Mário Campos foram 20 vítimas fatais. A cidade sofreu muito. Estamos bem próximos de Brumadinho e às vezes as oportunidades que a gente tinha era em Brumadinho. O trânsito de Mário Campos ficou muito mais carregado, nós temos a situação do minério que é transportado e passa no meio da cidade, deixando poeira e contaminação do ar, do chão, gerando vários problemas para a comunidade.” – Adilson Ramos, da comunidade Reta do Jacaré, Mário Campos.

Michelle Rocha, de Betim

“Na R2 somos a maior comunidade com o maior número de pessoas atingidas. É um bairro muito urbano. O Rio era a sustentação para as comunidades. A gente vem de um processo de lamentação, que a gente se diz ouvido, mas na verdade a gente só participa e as decisões no final foram deles. A esperança nossa, com o I.1, é que realmente aconteça da forma que a comunidade quer, do jeito que a gente espera que seja e com um diálogo muito amplo para o melhor.” – Michelle Rocha, da comunidade Monte Calvário (Citrolândia), Betim. 

O que está definido sobre o Anexo I.1 

Depois de mais de cinco anos de espera pelo início do anexo referente aos Projetos de Demandas das Comunidades e Linhas de Crédito e Microcrédito, são muitas as dúvidas da população atingida. Por isso é necessário reafirmar algumas informações sobre a execução dessa parte do Acordo. 

A Entidade Gestora está definida e o início da atuação foi formalizado com a assinatura do Termo de Colaboração Técnica (TCT) com as Instituições de Justiça, em 04/03. Ela é um consórcio composto pela líder Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB), Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus) e Instituto E-dinheiro Brasil. 

A primeira etapa do trabalho compreende um período de 90 dias, que iniciou com a assinatura do TCT, para a elaboração de um documento que vai definir as regras para a gestão dos recursos. Essa construção será feita pelas atingidas e atingidos das cinco regiões, nos espaços participativos que estão sendo realizados. Após a finalização desse período de 90 dias, o documento final, chamado de proposta definitiva, segue para aprovação das Instituições de Justiça. 

A execução dos recursos do Anexo I.1 só vai acontecer após a aprovação das IJs. O primeiro momento de execução deverá acontecer no período de dois anos e serão aplicados 10% do recurso previsto para o Anexo I.1. Ou seja, R$ 300 milhões de um total de R$ 3 bilhões. Nesses dois anos, serão destinados R$ 180 milhões para os Projetos de Demandas das Comunidades, R$ 100 milhões para linhas de Crédito e Microcrédito e os R$ 20 milhões restantes vão custear as atividades da Entidade Gestora. 

Após os dois anos iniciais, será feita a avaliação da atuação da Entidade Gestora para continuidade da aplicação do montante total do Anexo I.1. 

Texto e fotos: Diego Cota