Missa na comunidade Córrego do Feijão celebrou a memória das 272 joias
Há 5 anos, a Igreja Nossa Senhora das Dores recebe parentes e amigos para homenagens às vítimas


272 Ave Marias foram rezadas e o sino tocou 272 vezes em memória às vítimas (Fotos: Diego Cota – Aedas)
Córrego do Feijão, distrito de Brumadinho, é a localidade do epicentro do desastre-crime de 2019, cometido pela mineradora Vale. O rompimento da barragem da mina que leva o mesmo nome do distrito ceifou a vida de 272 pessoas, cada uma delas cercadas de sonhos e de histórias. Cinco anos após abrir suas portas para a operação de resgate das vítimas, a Igreja Nossa Senhora das Dores celebrou, na quinta-feira (25/01), uma missa em memória às joias.
As 272 joias estiveram presentes nas vozes de amigos e familiares que, no primeiro momento de comunhão, rezaram 272 Ave Marias, no campo de futebol situado em frente à igreja. A atingida Carmen Sandra Barbosa de Paula, nascida e criada na comunidade, foi uma das organizadoras da celebração. Ela explica que o dia é dedicado para lutar pela memória e justiça às vítimas que hoje não podem falar.
“O dia 25 para nós é todo dia, mas o 25 de janeiro tem que ser um dia diferente. Esse dia tem que ser um dia lembrado, a gente tem que fazer jus, fazer com que a nossa voz chegue mais longe. Então é um dia em que a gente prepara com todo o carinho, com toda a humildade, para que seja um dia tranquilo, de paz, que as pessoas possam vir, se sentir acolhidas e sentir a presença e o abraço acolhedor de Nossa Senhora”, contou.

A missa foi celebrada pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e corresponsável pela Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser) Dom Joel Maria dos Santos, que lembrou da importância de fazer memória às joias e da busca pela justiça e responsabilização dos responsáveis pela tragédia. Às 12h28 o sino da igreja ecoou 272 vezes em homenagem às vítimas.
De 25 de janeiro de 2019 até hoje, o Córrego do Feijão vivencia todos os traumas provocados pela tragédia. É o que lembrou a atingida Marina Oliveira. “O barulho de um simples helicóptero parece uma tortura. Mesmo assim, até hoje, a comunidade é muitas vezes esquecida e os moradores sequer são reconhecidos como atingidos pela empresa criminosa. Hoje estamos aqui para honrar as 272 vítimas e todos aqueles que seguem sofrendo os danos continuados deste crime. Nós temos que ser fortes e ser as vozes daqueles que hoje não falam mais”, disse.


Para Carmen Sandra é a fé que dá força aos atingidos nesse contexto de desastre-crime. “Se não fosse pela fé, eu acredito que coisas piores poderiam ter acontecido. Ela que nos dá força para acordar, pra poder trabalhar e viver cada dia nessa comunidade, que não tem sido fácil. Ela que nos dá força para ver as mães, que ainda moram aqui e que perderam seus filhos, ver cada parte da comunidade onde a gente tinha encontro com essas pessoas. É essa fé que faz a gente confiar e crer que dias melhores podem vir”, afirmou.
A fé também é o que move o atingido Reginaldo Alves Rodrigues, irmão da joia Rosélia Alves Rodrigues Silva, que trabalhava como nutricionista na Mina Córrego do Feijão. “É nas orações, é nos momentos de celebrações que a gente encontra com Cristo e renova as nossas forças”, disse.
Reginaldo, integrante da banda da igreja, se emocionou ao cantar a música Noites Traiçoeiras durante a missa. Ele revelou que sempre coloca a música no repertório para homenagear as vítimas, porque o faz lembrar de um vídeo na qual os trabalhadores da mina cantavam a música na semana anterior ao desastre-crime.
“Uma semana antes da tragédia-crime, numa sexta-feira, final da tarde, teve um vídeo que tinha umas sete pessoas que estavam cantando na maior alegria o refrão dessa música. Estavam alegres porque era uma sexta-feira, mas infelizmente mal sabiam que na próxima semana, 8 dias depois, nós estaríamos chorando. Então, é pela fé, porque se for só de nós mesmos, a gente não consegue seguir adiante. A fé é que nos movimenta dia a dia”, afirmou.
Igreja aberta às joias, à dor, memória e resistência


Há 5 anos, a Igreja Nossa Senhora das Dores tinha a fachada branca. Hoje, ela é amarela. Se a cor mudou nesses cinco anos, um elemento continua igual: ela continua de portas abertas para receber aqueles que chegam. “A Igreja Nossa Senhora das Dores sempre foi uma igreja de porta aberta, recebendo a todos, mas essa tragédia mostrou para nós que que ela ainda podia mais”, contou Carmen.
“Ela foi um abraço e um colo de mãe mesmo, recebendo a todos que vieram participar e ajudar durante todo esse período difícil que foi durante a tragédia. A igreja continua aqui recebendo e de portas abertas para todos aqueles que quiserem vir conhecer a nossa história, conhecer a comunidade e ver o que a gente tem passado durante esse tempo”, completou.
Atingidos de Bento Rodrigues participaram da celebração


É a segunda vez que os atingidos de Bento Rodrigues participam da celebração
Seis pessoas atingidas de Bento Rodrigues estiveram na missa para prestar solidariedade aos atingidos do Córrego do Feijão. O distrito do município de Mariana foi soterrado pelo rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton, em 2015. O desastre-crime matou 19 pessoas, contaminou o Rio Doce e atingiu, de forma dramática, as populações e os modos de vida em municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo ao longo da Bacia.
A atingida Mônica dos Santos lembrou que o rompimento em Brumadinho foi uma tragédia anunciada. Segundo ela, todas as denúncias feitas após 2015 não foram atendidas. “A justiça que a gente tanto clama e tanto busca, não se faz valer. Se tivéssemos sido ouvidos, com certeza Brumadinho não estaria na mesma situação que a gente”, afirmou.
“Depois do que aconteceu em Mariana em 2015 nós avisamos, nós pedimos, nós clamamos. Bento não seria a primeira comunidade destruída pela ganância, pela maldada e pelos crimes das empresas mineradoras Vale, Samarco e BHP. Nós avisamos, porém não fomos ouvidos. Lá foram 19 pessoas que tiveram suas vidas ceifadas e para as empresas foram simplesmente números. Eles optaram por seguir o erro e, pela ganância, rompeu Brumadinho três anos depois, 272 pessoas. Para as empresas, foram mais 272 números”, lamentou.











Texto e fotos: Diego Cota – Aedas