Atingidos e Atingidas em reunião com o Governo Federal em Aimorés Foto: Camila Quintana/Aedas

Teve início, na segunda-feira (24), a Caravana Interministerial do Governo Federal sobre o Novo Acordo de Reparação do Rio Doce. A iniciativa percorre cidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana/MG, para dialogar com a população sobre os avanços e desafios do novo processo de reparação. As ações acontecem simultaneamente em 22 territórios de Minas Gerais e Espírito Santo, ampliando o alcance da discussão com as comunidades atingidas.  

Em Aimorés (MG), cerca de 200 pessoas atingidas estiveram presentes na abertura da Caravana Rio Doce no município. Os diálogos foram conduzidos por técnicos do Governo Federal, entre eles Igor José Oliveira Pereira (Casa Civil), Nathalia Ribeiro Bignotto (Ministério da Pesca e Aquicultura), Ana Terra Reis (Ministério do Desenvolvimento Agrário), Gabriela Maciel dos Reis (Ministério da Saúde) e Marcelo Fragoso, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Também esteve presente na mesa de diálogo Thiago Alves, dirigente nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens. A atividade contou com a participação da assessoria técnica independente Aedas e de representantes do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB). 

Durante o encontro, Marcelo Fragoso, chefe de gabinete da Secretaria-Executiva da Secretaria-Geral da Presidência da República, destacou uma das principais mudanças do novo acordo. “Antes, a Fundação Renova era responsável pela execução dos programas, sob coordenação das empresas responsáveis pelo desastre. Agora, as empresas pagam ao poder público, que assume a execução da maior parte das ações de reparação”, explicou. 

Entre as medidas apresentadas, está o programa de transferência de renda, voltado às pessoas que perderam sua capacidade de trabalho ou atividade econômica devido ao rompimento da barragem. O programa prevê um suporte financeiro por um período determinado, conforme estabelecido no acordo. 

Outro ponto abordado foi a indenização individual. “Durante as negociações, discutimos amplamente com as empresas sobre os valores e critérios para essas indenizações. No fim, foram as próprias empresas que propuseram e assumiram a responsabilidade pelo pagamento, ou seja, não é o Governo Federal que recebe ou realiza esses repasses. As pessoas atingidas podem contar com o apoio dos defensores públicos para garantir esse direito”, afirmou Fragoso. 

Os valores acordados são de R$ 35 mil para todos os atingidos e R$ 95 mil para agricultores. No entanto, segundo o representante do governo, o maior desafio está no futuro. “Agora, a questão central é: como garantir que a pesca volte a ser viável? Como recuperar a capacidade produtiva das terras atingidas? Esses serão os próximos passos do processo de reparação”, concluiu. 

Para Thiago Alves, coordenador Nacional do MAB, a Caravana é um passo importante neste processo. “Os representantes do Governo Federal vieram ouvir a comunidade e apresentar suas responsabilidades e tarefas. Em parceria com as comissões de atingidos dessas regiões de Aimorés, Conselheiro Pena, Itueta e Resplendor construímos este espaço para ouvi-los. Esse é um passo desta nova fase. O que reivindicamos, agora, são novas agenda por ministério, caravanas específica por anexo. Nós, do MAB, sempre denunciamos que não houve participação na negociação, mas nós queremos participar ativamente da implementação para que todos os recursos cheguem aonde precisam: no atingido, na sua comunidade e em toda Bacia do Rio Doce”, enfatiza.

Thiago Alves, coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens. Foto: Luciano Alvim/Aedas

Danos persistem na produção rural 

Miguelito Soares, produtor rural de Conselheiro Pena (MG), teve sua produção interrompida após o rompimento da barragem de Fundão. Ele denuncia a falta de recuperação das áreas atingidas, dificultando a retomada da agropecuária na região. “O Programa 17 (PG 17) da Fundação Renova foi criado para fazer essa recuperação da produção rural, mas a maior parte dessa recuperação não aconteceu! As pessoas atingidas continuam sem condições de voltar a produzir em suas propriedades. Mesmo aquelas que tinham pequenas propriedades, como sítios ou chácaras, que tinham ali suas hortas, seus pés de Manga, de frutas para o seu consumo, hoje não conseguem produzir”, afirma. 

Miguelito Soares, empreendedor rural atingido de Conselheiro Pena. Foto: Camila Quintana/Aedas

O produtor rural ressalta que os danos persistentes exigem uma resposta do poder público. “Os danos são diversos e, querendo ou não, agora cabe aos governos federal e estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo garantir soluções para a retomada da produção rural nas áreas atingidas”, pontua.

Enchentes ampliam danos da lama 

Além de ter a produção rural interrompida, as enchentes agravaram os danos causados pelo rompimento nas áreas urbanas. No Território 6, que abrange Conselheiro Pena, regiões que antes não sofriam com alagamentos passaram a ser atingidas. “Desde 2016, há locais que agora são alagados em todas as enchentes, carregando resíduos da lama para dentro das casas. São novas famílias impactadas anos depois do rompimento”, explica Miguelito. 

O produtor rural também relembra as grandes enchentes de 2021 e 2022, que trouxeram novos danos para cidades como Governador Valadares. “Vimos o impacto dessas inundações e os prejuízos para a população. É um problema que se agravou e precisa ser considerado no processo de reparação”.

Mulheres lutam por reconhecimento

Maria Célia, atingida de Conselheiro Pena, reforça a luta das mulheres atingidas por reconhecimento e participação efetiva na construção do Programa de Mulheres. Segundo ela, a exclusão feminina no processo de cadastramento inicial prejudicou diretamente o acesso aos direitos e à reparação. “Durante a fase 1 do cadastro, muitas mulheres foram invisibilizadas porque o registro foi feito por núcleo familiar, deixando várias de fora. Essa exclusão precisa ser corrigida, garantindo atividades e programas que protejam e reconheçam nossos direitos”, aponta. 

Ela também destaca os danos contínuos na produção rural. “Muitos agricultores ainda não conseguem retomar suas atividades. Temos um alto índice de abortos e infertilidade em animais, o que atinge diretamente a produção. Hoje, o leite só chega às propriedades porque há fornecimento de silagem, mas há o medo constante de que esse apoio seja cortado ou atrasado, o que agravaria ainda mais nossa situação.” 

Por fim, Maria Célia critica o descumprimento das medidas de reparação. “Fomos injustiçados no auxílio financeiro emergencial. A Fundação Renova não cumpriu seu papel, ignorando decisões da Justiça Federal que determinaram o recadastramento e reavaliação dos atingidos para garantir esse direito. Precisamos que o Governo Federal olhe com atenção para essa realidade e tome medidas concretas para garantir a reparação justa às pessoas atingidas”, conclui. 

As ações de reparação dos danos à saúde das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão serão implementadas em 49 municípios reconhecidos no acordo, abrangendo a bacia do Rio Doce e as planícies costeiras do Espírito Santo. Diferente do que ocorreu no acordo da Vale, em Brumadinho, onde os recursos foram distribuídos para todo o estado de Minas Gerais, neste caso, os investimentos serão direcionados exclusivamente para os territórios atingidos.

Investimentos em Saúde independentemente da assinatura do acordo

A coordenadora de Desenvolvimento Social e Saúde no Rio Doce do Ministério da Saúde, Gabriela Maciel dos Reis, ressaltou que a assistência será garantida a todos os municípios atingidos, independentemente de terem assinado o acordo. “A saúde é um direito universal e, por isso, a população dessas regiões terá acesso às ações previstas, sem exceção”, afirmou. O Ministério da Saúde apontou a implementação de um estudo de longo prazo em saúde nas regiões atingidas. 

Gabriela destacou, ainda, a estrutura de governança que será adotada, seguindo o modelo do Sistema Único de Saúde (SUS). “Teremos uma governança tripartite, que envolve os poderes estadual, municipal e o controle social, por meio do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho de Saúde Indígena. Minas Gerais e o Espírito Santo participarão desse processo, garantindo que todas as decisões passem por esse colegiado antes da implementação”, explicou. 

Segundo a representante do Ministério da Saúde, um dos princípios fundamentais da estratégia é evitar que União, estados e municípios atuem de forma isolada. “Nenhuma iniciativa será executada sem aprovação da governança. O objetivo é garantir que os investimentos sejam direcionados exclusivamente para ações relacionadas aos danos causados pelo rompimento da barragem”, concluiu.

Escuta ativa e construção de soluções

Ana Terra, Secretária de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar, reforçou o compromisso do governo com a escuta ativa e a construção de soluções para os desafios enfrentados pelos atingidos. “Nós estamos à disposição para receber e analisar as cartas que vocês elaboraram, garantindo que as mudanças necessárias nas políticas públicas sejam conduzidas com precisão”, afirmou. 

Ela também destacou o papel da Assessoria Técnica Independente no processo de reparação. Segundo Ana Terra, a assessoria tem sido fundamental na sistematização das informações e no diagnóstico da situação, além de continuar sendo uma aliada na busca por soluções. “Um dos problemas levantados, como as enchentes que voltam a contaminar a terra, exige um olhar atento e soluções eficazes. Não é uma questão simples, e resolvê-la demandará articulação e muito esforço coletivo”, ressaltou. 

A secretária também mencionou a importância da participação das comunidades na formulação de políticas públicas e afirmou que novas etapas de estudo e planejamento estão sendo organizadas de forma participativa.

Ana Terra, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Foto: Camila Quintana / Aedas

Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) 

Sobre o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), Ana Terra explicou que ele é essencial não apenas para garantir acesso às políticas previstas na repactuação, mas também para viabilizar cerca de 20 outros programas voltados à agricultura familiar. “Nosso desafio agora é fazer com que esse cadastro alcance ainda mais pessoas e facilite o acesso aos direitos dos agricultores”, disse. 

Ela também abordou a situação das cooperativas e associações, mencionando que um levantamento identificou 114 organizações da agricultura familiar cadastradas na região pós-tragédia. No entanto, muitas delas deixaram de existir e precisam ser retomadas. “A reconstrução dessas organizações é essencial, porque as soluções que estamos construindo não são apenas individuais, mas coletivas. Esse momento de escuta é um passo importante, mas a mobilização de vocês será determinante para superarmos as dificuldades que ainda persistem”, concluiu. 

Em carta manifesto, as comissões territoriais dos municípios atingidos do Leste de Minas, assessoradas pela Aedas no programa Médio Rio Doce, denunciaram que o prazo para acessar o Programa de Transferência de Renda (PTR) e emitir o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) foi insuficiente. 

As pessoas atingidas destacam que, no intervalo entre a homologação do acordo e o dia 05 de março (data final para cadastramento do CAF), feriados e recessos reduziram os dias úteis disponíveis, além de que os órgãos responsáveis pelo cadastramento não estavam preparados para a alta demanda. 

Outro ponto crítico apontado no documento é o critério de elegibilidade do PTR, que exige que a propriedade onde o agricultor exerce sua atividade esteja localizada a até 5 km da calha do Rio Doce. Os atingidos consideram essa delimitação excludente, pois muitos agricultores que tiveram suas terras e seu modo de vida atingidos estão fora desse limite. Dessa forma, reivindicam a ampliação do critério territorial. 

Diante disso, as comissões territoriais solicitam que o PTR seja inclusivo e contemple todos os agricultores familiares atingidos, garantindo uma reparação justa e adequada. 

Cartas manifesto

As comissões territoriais de Aimorés, Conselheiro Pena, Resplendor e Itueta entregaram cartas manifesto destacando as principais demandas comunitárias de seus territórios. Além dessas reivindicações coletivas, pescadoras e pescadores do Médio Rio Doce, assim como mulheres dos territórios assessorados pela Aedas, também apresentaram suas demandas específicas. 

Francisco Ribeiro Bessa, atingido da Vila Crenaque, em Resplendor, entrega a carta manifesto do território 7 – Resplendor e Itueta. Foto: Camila Quintana / Aedas

Com estas cartas, as pessoas atingidas do Médio Rio Doce buscam contribuir para que a Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR) e os diversos Ministérios compreendam as pautas e necessidades mais urgentes das comunidades assessoradas. O objetivo é garantir que os projetos e programas do novo processo reparatório sejam construídos de forma participativa, assegurando o envolvimento direto das pessoas atingidas. Na carta, as pessoas atingidas apontam que, até o momento, ainda não tiveram uma reparação justa nem espaço efetivo de participação. 

Sobre a Caravana 

A Caravana Interministerial é uma iniciativa do Governo Federal que percorre os municípios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão para dialogar com a população sobre o Novo Acordo de Reparação do Rio Doce. O objetivo é esclarecer as mudanças no processo de reparação, ouvir as demandas das comunidades e garantir maior participação das pessoas atingidas. A caravana reúne representantes de diversos ministérios, promovendo encontros em Minas Gerais e Espírito Santo para debater temas como indenizações, retomada da produção rural, saúde e recuperação ambiental. 

Texto: Thiago Matos e Glenda Uchôa – Assessoria de Comunicação Programa Médio Rio Doce da Aedas