A vida que se seguiu após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, adquiriu contornos definidos por danos persistentes mesmo após oito anos do desastre-crime, que fez a lama tóxica de rejeitos percorrer o Rio Doce, matar vidas, poluir água e solos; e provocar mudanças profundas nos modos de existir das pessoas em municípios ao longo de toda a Bacia. 
 
Nas Rodas de Diálogos, espaços de participação popular promovido pela Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), as pessoas atingidas debatem propostas necessárias para reparação das consequências e injustiças deixadas pelo rompimento da barragem de Fundão que é, até hoje, considerado o maior desastre socioambiental do Brasil de responsabilidade das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton.  

São relatos que não resumem toda uma vida, mas mostram que as pessoas atingidas pelo crime da Samarco permanecem combativas por um propósito maior: a busca por justiça e reparação. Uma luta que, neste 5 de novembro, data em que se completa 8 anos de rompimento, se expande em mais uma jornada de lutas. Dessa vez, em Brasília, onde o povo reivindicará participação na repactuação e direitos garantidos. 
 
Das vozes que narram dores desse processo, também nasce a indignação e a força para clamar por justiça. Acompanhe depoimentos de pessoas atingidas nos territórios acompanhados pela Aedas no Vale do Aço e Leste de Minas. 

OUÇA PROGRAMA ESPECIAL DE RÁDIO “ESTAÇÃO RIO DOCE” – EDIÇÃO 01:

“a sede por justiça” 
 
“[A pesca] Não existe mais. […]praticamente o Rio Doce está morto. Isso não existe mais no distrito, não só a pesca e são vários outras demandas no distrito que não tem. Porque tinha as culturas, outros alinhamentos no distrito que poderia usar e desfrutar do Rio Doce, hoje não tem mais. Olha, sou impactado diretamente, não sou eu que estou falando, tem documentação, documentação da Prefeitura, a Defesa Civil, nós fomos impactados diretamente. Nós somos impactados, impactou na renda, no lazer, em questão geral porque somos uma ilha. Com a questão da lama também se expandiu mais a demanda da enchente aqui no distrito”. 
 

“se quer o que se é de direito” 
 
A nossa cultura foi quebrada, foi interrompida, a gente não tem mais aquela condição de continuar com a mesma cultura, o mesmo aconchego da nossa comunidade. Meus netos não podem usufruir disso. A gente quer de volta a nossa liberdade, de continuar com nossos costumes, nossas tradições. A gente quer de volta. 

“o sonho da água” 

“A partir do momento quem utilizava água pra irrigação, não pode utilizar mais. Quem pescava, não pôde pescar e, com isso, os peixes, eles dizem que está contaminado. Todo mundo sabe que está contaminado. A água está contaminada, solo está contaminado. Mas eles [Renova] alegam que está próprio pra consumo. O laudo quem faz são eles. A gente não pode fazer o laudo porque eles contestam o laudo da gente. Antes do rompimento, a enchente era menor e chegou a ficar até nove anos sem enchente aqui. A partir do rompimento da barragem, as enchentes são mais frequentes e cada dia que passa maior. De 2020, para 21, ela foi muito alta e quando foi 2022 ela subiu mais 90cm do que no ano anterior. Tem local aqui na Ilha que chegou a três metros de altura pela enchente. O Fundo [para enchentes] é necessário, no momento as pessoas estão atingidas e não tem como reparar. Eu não vou responder só por mim, não, vou responder por milhares de pessoas que estão na mesma situação” 
 

“na luta há esperança” 
 
“Depois de 2015, a gente tem vivido uma vida bastante errada. A gente não tem mais a saúde de antes, eu adorava pescar, ir pro rio e se divertir com os amigos e a gente não tem mais oportunidade. A gente fica muito chateado e a cada vez parece que adoece mais. Eu acho que são muito válidas as oito propostas [de reparação], a gente tem que fazer o melhor pra todos nós. Eu ainda não recebi nada também, mas tem pessoas que está em uma situação ainda mais grave. Tem que prevalecer a justiça” 

Confira abaixo as Propostas de Reparação de Danos:

“direito ao bem comum”  
 
“A comunidade continua triste, uns tiveram auxílio, mas a maioria não. A gente sempre dependeu do rio e o rompimento desestruturou nossa vida. Antigamente, a gente vivia do peixe, hoje, não tem essa possibilidade de estar pescando para dar o melhor pra família da gente. É difícil”, explica. 

“rompimentos de memórias e vida” 
 
“Pescava os peixes e trazia na bicicleta e fazia de 2 mil a 2.500mil reais no mês. Hoje, sempre tenho 20, 30 pedaço de rede, mas não tem peixe. Depois que a barragem correu [do rompimento], fazia até dó de ver peixe morto, morria de descer urubu. Agora, o rio sobe vem a enchente, lava. Plantação? Você plantava de cinco, seis quilos de semente de quiabo e comia o ano todo, hoje em dia, você planta e logo morre tudo. Não tive indenização, fiz cadastro, mas tão pra lá na Renova e não deu solução de nada. Eu perdi e tô perdendo. Não posso pescar porque tá proibido, inclusive, eu tinha uma saúde tremenda e agora de vez em quando tem que tá no médico” 

“o dano que mudou caminhos” 

O principal dano do meu distrito é pesca e água. Hoje não se consegue pescar e nem vender. Meu pai é pescador, meu marido, os meus irmãos. A gente se reinventou e procurou outros caminhos, com o rompimento a gente migrou para outra localidade. A gente vivia de pesca, ele automaticamente perdeu a nossa principal renda. Escrevemos outra história. O meu pai recebia o AFE e o Novel, eu entrei como dependente, porém ele recebeu e eu não. O meu marido aguarda na décima quarta vara um processo longo e demorado. Tem muita gente esperando para ser, pelo menos, um pouco reparado pelo dano que sofreu. Hoje a gente compra água para poder beber e usa água da cisterna para fazer outras coisas, a água da cisterna também não temos segurança de beber” 

“auxílio financeiro é reparação” 

O principal dano é a questão da água que não é própria para consumo e tem afetado muita gente na questão da saúde.  A água tem um gosto muito diferente, a caixa d’agua fica preta, você vê que tem resíduo de minério. Se aguar uma planta ou ela fica próximo à terra, próximo ao rio, fica ruim pra consumo e ninguém come. E dentro de São Lourenço são pouquíssimas pessoas que conseguiu auxílio, não teve prioridade nenhuma. A gente pensou que poderia ter uma outra área de lazer dentro da comunidade, temos várias promessas da Renova que nunca foram concretizadas e a gente acha que o povo merecia uma indenização financeira mensalmente por causa da qualidade de vida que a gente tem lá hoje. Tem gente que tem a idade mais avançada e para entrar no mercado de trabalho é muito difícil. Para quem quer continuar tendo uma saúde tem que comprar água”. 
 

“indenização é justiça”

“Quem plantava não pode plantar mais por causa do rejeito e a pesca, o pessoal não pesca mais. Eles têm medo de comer o peixe do rio. Ninguém recebeu auxílio financeiro, poucas pessoas foram indenizadas e hoje tem muito mais despesa. Na parte da alimentação, muita gente pegava o peixe, vendia e usava pra alimentação, mas agora tem que comprar a carne. A despesa ficou maior.” 


Texto: Glenda Uchôa – Equipe de Comunicação Médio Rio Doce