O juiz concedeu prazo de dois dias para as Instituições de Justiça se manifestarem sobre a decisão

Atingidos defendem a continuidade da Aedas em manifestação em outubro de 2025 | Foto: Lucas Jerônimo/Aedas

Na tarde desta segunda-feira (08), o Juiz Murilo Silvio de Abreu suspendeu o Edital de Chamamento público para contratação de nova Assessoria Técnica Independente para as Regiões 1 e 2. Decisão foi proferida após pedido de suspensão imediato da seleção feito pela Aedas e pelas Associações de defesa do direito das pessoas atingidas Ascotélite, Ama Rios e Comunidade Indígena Aranã. 

Para Dr. Murilo, a decisão das Instituições de Justiça que inabilitou a Aedas da seleção parte de duas premissas equivocadas: a ausência de manifestação de vontade para continuidade nos trabalhos de assessoramento técnico independente às Regiões 1 e 2, e a impossibilidade de se inscrever no edital que visa sua substituição.  

A ausência de assinatura do Termo Aditivo ao Termo de Compromisso de 2023 não é suficiente para demonstrar a recusa em continuidade de execução das atividades. A Aedas foi oficiada pelo juízo e manifestou expressamente o interesse em se manter como assessoria técnica independente nas Regiões 1 e 2.  

Por mais que as IJs tenham afirmado que a Aedas não poderia se inscrever no edital que visa a sua substituição, em sentido contrário, Dr. Murilo entende que o edital tem como objetivo a contratação de uma entidade que possa prestar o serviço de assessoria técnica independente nas Regiões 01 e 02 do território atingido de acordo com as diretrizes estabelecidas pelas Instituições de Justiça. O juiz afirma que objetivo do edital não é substituir a Aedas. 

Destaca que as diretrizes do Edital são distintas das anteriormente ofertadas para a Aedas no Termo Aditivo. Ao comparar o Termo Aditivo com o Edital de chamamento verifica-se que o orçamento previsto para custeio da ATI nas Regiões 1 e 2 são diferentes. Deste modo, o juiz afirma que havendo modificação das condições para contratação, cabe a Aedas avaliar e decidir participar da seleção. Isto considerando que as IJs não apontaram que a Aedas descumpriu os requisitos objetivos do Edital.  

Por tais razões, Dr. Murilo suspendeu o andamento da seleção, de modo a evitar que a votação inicie sem que a questão seja objeto de decisão mais aprofundada, a ser proferida após a manifestação das IJs no prazo de dois dias.  

Confira decisão na íntegra 

Importante destacar que a decisão atende a um pedido de urgência, tendo em vista o cronograma estabelecido no Edital de Chamamento que previa o início da votação a partir do dia 09 de dezembro, mas não enfrentou todos os argumentos apresentados pela Aedas e na petição das Associações.  

A Aedas e as Associações Ascotélite, Ama Rios e Comunidade Indígena Aranã peticionaram para o juiz Dr. Murilo Silvio de Abreu contra a continuidade do Edital de seleção de nova Assessoria Técnica Independente para as Regiões 1 e 2.  

Enquanto a Aedas aponta que o edital é formalmente nulo, viciado desde a origem e utilizado como instrumento de exclusão política dessa entidade, as Associações denunciam que o edital rompe o pacto democrático da reparação ao agredir direitos coletivos e violar direitos dos povos de comunidades tradicionais. As duas petições fortalecem o entendimento de que a tentativa das Instituições de Justiça de retirar a Aedas do assessoramento técnico das Regiões 1 e 2 não se trata de conflito contratual, mas revela uma crise na estrutura da governança da reparação, com risco de esvaziamento de participação popular e questionamento quanto ao modelo de assessoramento técnico independente.  

Os eixos centrais de argumentação decorrem da ilegalidade, ilegitimidade e incompatibilidade do edital com o modelo de reparação, pois viola a escolha das comunidades atingidas, as legislações específicas de proteção do direito das pessoas atingidas por barragens, a Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB) e a Políticas Estadual de Atingidos por Barragens (PEAB), e a necessidade de consulta livre, prévia, informada e de boa-fé para povos de comunidades tradicionais prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por consequência, provocam uma revitimização institucional bem como põe em risco a própria reparação integral. Sob estes pilares, pedem a tutela de urgência para suspensão imediata do Edital. 

Petição das Associações 

As associações e a comunidade Indígena Aranâ pediram habilitação no processo para integrar o pólo ativo da Ação Civil Pública que discute a continuidade do Edital de Chamamento Público de ATI para as Regiões 1 e 2. Elas apontam que o Edital para substituição da Aedas é ilegítimo e ilegal, pois viola direitos coletivos. Para além de discutir a permanência da Aedas, elas discutem o modelo de governança da reparação, enfatizando a violação do protagonismo das pessoas atingidas.  

As associações denunciam que o processo seletivo é eticamente desrespeitoso, ilegítimo e incompatível com qualquer padrão aceitável de participação comunitária, além de flagrantemente ilegal e inadequado ao preceituado na Convenção 169 da OIT, das Leis PEAB e PNAB, ferindo também a coisa julgada ao revogar de forma unilateral decisão coletiva homologada pelo judiciário.  

As IJs promoveram alterações unilaterais, impuseram reduções drásticas e sucessivas de orçamento, ignoraram deliberações coletivas e produziram um edital de substituição da ATI sem qualquer consulta, discussão e validação pelas comunidades, configurando uma violação identitária, porque atinge o modo como povos se organizam, deliberam e se relacionam com o Estado. 

O documento demonstra que a ATI não é um serviço contratável, mas configura um instrumento essencial para a reparação integral, tendo sido protegido pela PNAB e PEAB e reconhecido judicialmente desde 2019. A escolha da Aedas ocorreu por meio de processo público, direto e presencial, conduzido pelas próprias comissões de atingidos, com ampla participação e sem interferência externa, preservando a autonomia das comunidades, criando, portanto, uma relação institucional legítima, estável e protegida judicialmente.  

Nesse sentido, fazem ampla defesa da Aedas e clamam pela sua permanência no território, tanto pela qualidade do serviço prestado, quanto pelo prejuízo de sua substituição, posto que o acúmulo técnico, político e comunitário é intransferível a curto e médio prazo. Para as associações, a ruptura com a Aedas é vista como uma revitimização institucional, uma vez que rompe vínculos de confiança, gera insegurança quanto às relações a serem estabelecidas com outras entidades, bem como com a continuidade da reparação, e a desestruturação da participação nos territórios atingidos. Atentam também para o risco de paralização das atividades do Anexo I.1, bem como de prejuízo de acompanhamento das Regiões 1 e 2 das atividades previstas. 

Nas palavras das associações “a relação consolidada entre AEDAS e Regiões 1 e 2 é parte estrutural da própria reparação e não pode ser transferida, sobretudo em uma situação na qual as pessoas atingidas expressam, reiteradamente, que não desejam a substituição da Aedas e não visualizam a construção de uma relação com qualquer instituição imposta como ATI”. 

Associado à manifestação de vontade de permanência da ATI legitimamente escolhida, as associações denunciam a postura das IJs quanto à falta de transparência do uso dos recursos do Acordo destinado à contratação das estruturas de apoio, das quais integram as ATIs. As IJs justificam os cortes e a impossibilidade de complementação orçamentária para o custeio da ATI sob o argumento de inexistência de saldo. Porém, não há auditoria vigente que analise os usos do montante destinado no Acordo, e ao lançar o edital, as IJs destinaram R$7 milhões de reais a mais oriundos da cláusula 4.4.11.  

Esta nova configuração orçamentária explicita a falta de isonomia que as IJs vêm aplicando no tratamento das ATIs, uma vez que este valor complementar para nova ATI poderia ter sido oferecido à ATI em atuação, assim como induz o judiciário a erro por aplicar valor que disseram ser impossível ao longo das tratativas.  

As atitudes das IJs demonstram caráter autoritário e unilateral na condução do edital e revela o interesse em destituir a Aedas de sua função, posto que criaram artificialmente um cenário de inviabilidade financeira, impuseram cortes sucessivos e desproporcionais, e utilizaram o edital como instrumento de substituição forçada. Isto sem respeitar a manifestação inequívoca das pessoas atingidas pela continuidade da Aedas como assessora técnica independente das Regiões 1 e 2 e sem respeitar os protocolos de consultas.  

As associações também denunciam a falha de participação prevista no edital, desde a concepção, passando pelo cadastro para votação, o momento de apresentação das entidades que não teve possibilidade de questionamento, a falta de transparência e segurança do processo, as inconsistências do sistema online para atendimento e votação, e a transferência de responsabilidade e regresso democrático com a implementação de voto impresso não auditável.  

Aduzem ainda que não há ato administrativo reconhecido judicialmente que destitua a Aedas de suas funções. Nesse sentido, afirmam que o edital foi produzido como se a ATI fosse uma simples contratada e como se sua substituição pudesse ocorrer por decisão administrativa, quando na verdade sua instituição ocorreu por vontade soberana das comunidades e chancela do Juízo. Denunciam haver flagrante violação de legislação estadual e federal sobre o direito à Assessoria Técnica Independente que, conforme texto nítido, só pode ser instituída e, portanto, destituída, através de escolha direta e independente da população atingida. 

Por fim, reforçam a violação à Convenção 169 da OIT, pois a suposta destituição da Aedas e a elaboração do Edital em questão ocorreram sem qualquer processo de consulta prévia, livre e informada. As comunidades não foram formalmente chamadas a opinar sobre o conteúdo do Edital, sobre os critérios de recursos, sobre o modelo de escolha da nova ATI, nem sobre a própria conveniência de substituição da assessoria que escolheram. 

Sob os argumentos exposto, requereram: a suspensão do edital com a determinação audiência para deliberação, pelas instâncias regionais da região 1 e região 2 acerca do assessoramento prestado pela Aedas e os recursos necessários à sua execução, com participação das Instituições de Justiça, do juízo responsável e da própria Aedas; o reconhecimento da Aedas como ATI das Regiões 1 e 2; alternativamente, a anulação do ato administrativo que inabilitou a Aedas e o restabelecimento da habilitação; a suspensão do edital para realização de consultas prévias aos PCTs;  e que as instâncias regionais da R1 e R2 decidam sobre eventual nova ATI, após apresentação e votação presencial das instâncias e, subsidiariamente que seja garantido acesso à internet e agentes de apoio à votação para todas comunidades atingidas. 

Confira petição na íntegra: 

Petição da Aedas 

A petição apresentada pela a Aedas foca na ilegalidade formal, material e procedimental do edital, assim como na nulidade da decisão administrativa que inabilitou sua participação na seleção de nova ATI. O argumento central é que o Edital foi concebido para excluir a Aedas, tendo, portanto, um caráter sancionatório. 

O edital foi concebido sob a falsa premissa de recusa da Aedas de continuar como assessora técnica independente das Regiões 1 e 2, quando, na realidade, o que houve foi um questionamento legítimo à aspectos técnicos e sobre a insuficiência de recursos para custeio das atividades. Houve a recusa em assinar o Termo Aditivo financeiramente inviável. A manifestação de vontade aconteceu publicamente e em juízo, quando oficiada. Deste modo, o Edital parte de fato inexistente, o que prejudica todo o procedimento.  

A inabilitação da Aedas não foi fundamentada em critérios objetivos previstos no Edital, o que possibilita o questionamento judicial. Para as IJs, a Aedas foi inabilitada tendo em vista que o objetivo do edital seria sua substituição, havendo uma incompatibilidade lógica.  

Assim, a decisão de inabilitação da Aedas viola o Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório e do princípio da Impessoalidade, uma vez que a Aedas preencheu todos os requisitos exigidos no Edital. A inabilitação baseou-se em critério subjetivo, exógeno ao Edital e punitivo, pois criou impedimento à participação com a imposição de regras não previstas. Ao inabilitar a Aedas, as IJs transformaram o processo de seleção em um instrumento de sanção política contra a entidade que questionou a insuficiência de recursos. 

Destaca que as condições estabelecidas no Edital atual são distintas das condições oferecidas para a Aedas no momento da renovação do Termo de Compromisso, considerando-se o valor global, associada à ausência de fundamentação objetiva e prevista no Edital, ferindo a transparência. 

No tocante aos vícios da decisão, a Aedas cita: dilação de prazo sem fundamentação, o que prejudica a isonomia e sugere favorecimento na entrada novos concorrentes; ausência de fundamentação na negativa aos recursos; e modo de eleição incoerente, que exclui grande parte da população reconhecidamente já vulnerabilizada e não apresentou condições tanto da transparência, quanto da segurança do pleito. 

A respeito das inconsistências e problemas no processo de cadastro para votação, a Aedas evidencia obstáculos significativos à efetiva participação. Dentre eles: falta de condições materiais para participação, considerando que a maior parte da população atingida não possui acesso regular à internet; dificuldade de acesso à plataforma de cadastro e central de atendimento pela da FGV; falhas de autenticação; e instabilidade técnica.  

Por fim, considerando, ainda, a violação à Convenção 169 da OIT, a Aedas requereu: a habilitação no processo seletivo; a anulação do edital; ajustes na forma de votação; que as IJs juntem aos autos decisões do processo seletivo que garantam a transparência das inscrições, justificativas para prorrogação de prazos, recursos dos demais participantes, e decisões; a observância dos protocolos de consulta; informações quanto aos cadastros e critérios validados pela FGV; e esclarecimento quanto às garantias de auditabilidade do sistema de votação. 

Confira petição na íntegra: 

Próximos passos 

Após manifestação das Instituições de Justiça, que deve ocorrer no prazo máximo de dois dias, o juiz Murilo de Abreu deve proferir nova decisão apreciando de forma mais aprofundada os fundamentos, fatos e pedidos realizados pela Aedas e pelas Associações.  

Texto: Estratégias Jurídicas da Reparação