Josiane conheceu o Movimento dos Atingidos por Barragens e, desde então, segue lutando com mais outras mulheres pelos seus direitos e pela reparação justa, devida e integral

Josiane Ribeiro é uma mulher de luta e defensora em sua comunidade. Ela assume um papel ativo na busca por reivindicações de direitos coletivos após o rompimento da barragem B-I e soterramento das barragens B-IV e B-IV A da Mina Córrego do Feijão, pertencente à mineradora Vale S.A, ocorrido em janeiro de 2019, na cidade de Brumadinho.  

Moradora da comunidade do Fhemig desde 2016, em São Joaquim de Bicas, Josiane, de 44 anos, é mãe de sete filhos. Ela deixou o Barreiro, região de Belo Horizonte, em busca de um ambiente mais sereno. “Aqui encontrei um lugar onde pensei que teria paz, onde construímos todo um sonho. Inicialmente, moramos em um barracão de madeirite e, posteriormente, erguemos uma casa maior”, contou. 

Após um rompimento e muitos direitos atingidos, foram vários os motivos que a levaram entrar na luta. Ela conheceu o Movimento dos Atingidos por Barragens e, desde então, segue lutando com mais outras mulheres por seus direitos. 

“Hoje, aqui na comunidade, são várias mulheres lutando, a maioria delas negras, e eu me orgulho disso. É um sofrimento, mas também um alívio. Escolhemos essa luta, e a luta nos escolheu. Tenho orgulho de participar, de caminhar, de sair de casa e lutar pela comunidade. Cada etapa vencida é uma comemoração”

Desde a infância, Josiane pratica a pesca, uma atividade que começou ao lado de seu pai. Antes do desastre-crime em Brumadinho, ela costumava pescar com sua família no Rio Paraopeba, que flui nas proximidades de sua residência em Bicas. Para ela, a pesca é tanto uma forma de lazer como uma garantia de sustento alimentar. 

“Quando o rejeito de minério comprometeu a qualidade das águas do rio e descobrimos que não poderíamos mais pescar, entrei em desespero. Não havia um único dia em que eu não fosse a esse rio. É algo que dói, machuca, tanto a mim quanto aos meus filhos. Depois do rompimento, fui apenas duas vezes na beira do Rio Paraopeba para participar de reportagens”

Atualmente, Josiane e sua família deslocam-se entre os municípios de Pompéu e Pitangui, buscando outro rio para a prática da pesca, o que revela um dano devido ao deslocamento e à interferência nos modos de vida. 

A respeito da água, elemento vital para a vida, a comunidade de Josiane utilizava as cisternas dos quintais, mas, após o desastre-crime, recebe água mineral engarrafada da empresa responsável pela poluição. Ainda assim, há moradores que enfrentam escassez de água potável e acabam tendo que utilizar a água das cisternas comprometidas. Josiane também levanta questionamentos sobre a ausência de saneamento básico em sua região. 

A tranquilidade do Fhemig foi perturbada por diversos fatores: o direito de ir e vir devido ao intenso tráfego de caminhões da mineradora Vale ou de caminhões-pipa; o excesso de poeira, resultando em uma sobrecarga nos serviços e cuidados, sobretudo para as mulheres; a insegurança constante, que faz com que as crianças não se sintam seguras ao andar de bicicleta ou brincar na rua, como as peladas improvisadas de futebol e que, hoje, não se praticam como antes.  

Josiane também relembra dos quintais nas casas do Fhemig, “A maioria dos moradores aqui possui pomar, mas hoje não podem consumir as frutas e verduras plantadas, vivendo na incerteza”. Ela também conta sobre como percebeu a mudança na rotina e nas relações comunitárias. “Atualmente, os sons que ecoam na comunidade são os estrondos das bombas usadas para drenar água dos reservatórios. Antes, ouvíamos os cantos das cigarras, grilos, festas nas casas dos vizinhos, todo mundo conversando. Não se ouve mais um simples bate-papo, como um ‘Como você está? Estou indo aí tomar um café.’ Isso não existe mais hoje. Agora, as conversas são sobre corte de abastecimento de água, por exemplo, ou doenças físicas e mentais que surgiram após o rompimento. Algumas pessoas ficam dois ou três dias sem água e são obrigadas a acionar a cisterna porque não têm outra opção”. 

A insegurança quanto à contaminação também é uma realidade pós-rompimento. “Há pessoas que apresentaram níveis elevados de chumbo, manganês, arsênio e bário”, contou Josiane, se referindo a uma coleta amostral de exames para detectar a presença de metais pesados nas comunidades atingidas.  

Josiane destaca que, antes do rompimento, os problemas de saúde eram menores, assim como a busca por acesso ao sistema de saúde.  

“Não tínhamos tanto problemas de saúde, como alergias, feridas no corpo e dores de cabeça, além do abalo psicológico que vemos hoje em muitas famílias. Após o rompimento, surgiram dores articulares devido ao aumento das tarefas, devido ao excesso de poeira, que, apesar das tentativas de umectação das ruas, não é o suficiente. O comprometimento das águas, do solo e do ar estão prejudicando a saúde da população, causando alergias e feridas no corpo a ponto de algumas pessoas não conseguirem vestir roupas, o que é doloroso. Luto por essas pessoas. Além disso, a situação impactou até mesmo a educação das crianças na escola. Elas perdem a motivação para estudar e preferem ficar em casa. Como mães, enfrentamos desafios para lidar com essa situação”, disse. 

Josiane solicita a presença de mais médicos e especialistas para diagnosticar adequadamente as condições de saúde na comunidade. Ela destaca a necessidade de informações objetivas sobre as medidas que serão adotadas em relação a doenças de pele persistentes e ao agravamento de problemas de saúde psicológica e emocional. Para ela, muitas pessoas na comunidade desconhecem as condições de saúde de seus próprios corpos.  Josiane enfatiza a importância de médicos que compreendam sobre metais pesados e os limites da presença deles no organismo das pessoas.  

“A Vale é responsável pela interrupção da paz e da saúde. A luta continuará. A comunidade enfrenta um sofrimento diário variado. A presença da Vale na comunidade não alterou ou resolveu a situação das pessoas, que permanecem no mesmo estado”, afirmou.

Josiane ainda argumenta que, se a Vale causou danos, é obrigação dela atender todas as comunidades atingidas. 

A principal melhoria necessária em termos de saúde, para Josiane, é a seguinte: “É primordial que a Prefeitura e órgãos da saúde atuem para aprimorar a qualidade de vida e saúde da população. Solicitamos que eles se envolvam conosco para resolver a situação tanto daqueles que realizaram exames de metais pesados quanto daqueles que ainda não o fizeram. Queremos entender o que corre em nossa corrente sanguínea e saber quais medidas serão tomadas para o devido tratamento”, afirmou. 

Em relação ao Acordo Judicial de Reparação, Josiane diz: “O acordo beneficiou apenas o nosso governador. Quando ele visitou São Joaquim de Bicas para compreender a realidade? De Brumadinho a Três Marias, por onde ele passou para entender o sofrimento da população atingida? Isso nos entristece.  A população não pode ir ao rio, pescar ou desfrutar de lazer. Nossas casas costumavam estar cheias, mas agora não estão mais. A Vale reconhece apenas quem ela quer. Atualmente, a situação é a seguinte: a Vale reconheceu um no início, meio e final da Rua Paraopeba, e os demais? Que sejamos ouvidos. Em que Zema foi afetado? Em qual comunidade ele reside? Ele ficou sem água? Ele usava o rio? Dessa vez, esperamos que nenhum governante palpite no Anexo I.1, somente aqueles que vivenciam a dor de ser atingido na pele, na comunidade, sabem o que realmente precisa ser feito”, disse a atingida, citando o Anexo I.1, do Acordo Judicial, que prevê a participação das pessoas atingidas na elaboração e execução de Projetos de Demandas Comunitárias.  

“Somos atingidas e ninguém vai nos deter, e vamos continuar lutando. Há aquela frase, ‘do rio ao mar, ninguém vai nos calar’. Vamos em busca de justiça, queremos que a comunidade como um todo seja reconhecida como atingida”, pontuou.

São as mulheres de luta de São Joaquim de Bicas que buscam resgatar os sonhos fragmentados por um rompimento.  

Texto e fotos: Felipe Cunha | Aedas 


Veja essa e outra matérias na 24ª edição do Jornal Vozes do Paraopeba