Atividades incluíram reuniões com juiz e compromitentes, além de assembleia e marcha das pessoas atingidas

Atingidas e atingidos em marcha que seguiu da ALMG ao prédio do Ministério Público, na avenida Álvares Cabral | Fotos: Diego Cota/Aedas

No dia 24 de janeiro, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou uma série de ações para denunciar a situação das pessoas atingidas seis anos após o rompimento da barragem em Brumadinho. Os atos iniciaram pela manhã com a assembleia dos atingidos, seguida por mesa de debates sobre a reparação, ambas no saguão da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na sequência, cerca de 800 pessoas atingidas de diversas regiões da Bacia do Paraopeba marcharam até o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) onde aconteceu uma reunião com os compromitentes do Acordo.

A gerente geral do Eixo da Reparação, da Aedas, Ranuzia Netta compôs a mesa do debate promovido durante a manhã da Jornada de Lutas. Ela apresentou aos atingidos um panorama da reparação prevista no Acordo Judicial para as Regiões 1 e 2, no que diz respeito às reparações Socioeconômica e Socioambiental.

“São seis anos do desastre-crime e nenhum responsável foi condenado. Temos ainda três joias não-encontradas. O processo da estratégia de diálogo das porcentagens do processo reparatório não tem uma precisão com informação efetiva sobre como anda esse processo de reparação nos territórios da Bacia do Paraopeba”, avalia.

Gerente geral da Aedas destacou a importância da mobilização das pessoas atingidas | Foto: Diego Cota/Aedas

Ranuzia afirmou o direito das pessoas atingidas à Assessoria Técnica Independente, garantido na Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas (PNAB) e na Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB).

“Reafirmo aqui o direito à assessoria técnica, nos colocamos à disposição para uma construção coletiva, como tem sido até então, como uma ferramenta e instrumento do povo para que seja reivindicado, seja cobrado e denunciado aos órgãos competentes e que requer uma decisão para o direito do povo atingido ser respeitado e não violado”, disse.

Mesa de debate foi formada por atingidas e atingidos das bacias do Paraopeba e Rio Doce, representantes das ATIs e do MAB | Foto: Diego Cota/Aedas

Geisa Tomé, atingida de Betim, participou das atividades e destacou a importância da união de atingidos da bacia do Paraopeba e do Rio Doce. “Foi uma manhã produtiva com vários debates voltados para o Acordo do qual saímos bem prejudicados. Tem várias comunidades que não tiveram retorno nenhum até agora”, relata.

Cerca de 800 pessoas acompanharam o momento de debate | Fotos: Diego Cota/Aedas

Atingidas e Atingidos se reuniram com juiz do processo coletivo

No período da tarde, aconteceu uma reunião com o juiz Murilo de Abreu, da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, na qual foram debatidos dez pontos levantados pelo Movimento, incluindo o PTR, a reparação socioambiental e o direito às Assessorias Técnicas Independentes.

“Levamos para a reunião com o juiz um balanço da reparação e nossa principal preocupação que é o acordo feito que não alcança a reparação integral”, afirma Joceli Andrioli, da coordenação nacional do MAB. “Pedimos novas decisões judiciais. O juiz ficou sensibilizado com a situação, porque ele já vem acompanhando essa situação há tempos. Compete às instituições novas petições para garantir o direito à reparação integral, usando a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) e a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab)”, conclui.

Reunião com juiz Murilo de Abreu debateu pautas levantadas pelo MAB | Fotos: Aedas

Lideranças atingidas do Paraopeba se reuniram com Compromitentes do Acordo

Na série de atividades da Jornada de Lutas, lideranças atingidas da Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias se reuniram com os compromitentes do Acordo Judicial de Reparação, na Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, no bairro Lourdes.

Em pauta, as dez reivindicações da população atingida, reunidas pelo MAB, referentes ao Acordo Judicial, Indenizações Individuais, direito à Assessoria Técnica Independente, Saúde da população, aplicabilidade da PNAB e Peab e um pedido de retratação pela mineradora Vale S.A. pelas declarações públicas que distorce a realidade da reparação no Paraopeba.

Atingidas e atingidos das cinco regiões expressaram suas demandas aos Compromitentes | Foto: Diego Cota/Aedas

O andamento do Programa de Transferência de Renda (PTR) é uma das preocupações das pessoas atingidas, uma vez que a redução do valor das parcelas mensais está prevista para o próximo mês de março. A representante da comissão de atingidas e atingidos de Brumadinho, Camila Martins, expressou o receio pela vulnerabilidade financeira que o corte vai proporcionar para as famílias.

“Eu sou uma mãe, pago um aluguel que é o dobro do que eu pagava antes do rompimento, tenho dois filhos e quando olho para eles me pergunto ‘com esse corte do PTR, como que eu vou cria-los? Como vai ficar a estabilidade financeira dos meus filhos? Como eu, uma mãe solo, vou fazer para dar esse tipo de amparo?”, revelou.

“Assim como eu, tem várias outras pessoas no meu território com diversos problemas financeiros, de saúde e outras questões. Então, eu me deito todo dia e pergunto e peço a Deus que realmente toque no coração das pessoas que estão acompanhando as questões dos Anexos, do PTR, e olhem realmente para os atingidos que estão precisando desse amparo”, completou.

A reivindicação das pessoas atingidas pela continuidade do PTR se fundamenta no fato de que a reparação ainda não aconteceu nas comunidades atingidas, não foram reestabelecidas as condições da ‘situação anterior ao rompimento’, como preconiza o Acordo Judicial de Reparação, assinado em 2021 sem a participação ativa das populações atingidas da Bacia do Paraopeba.

No documento com a pauta de luta organizado pelo MAB, é destacado que o corte no PTR é uma violação ao direito assegurado pela Lei nº 14.755/2023, que instituiu a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). Em seu Artigo 3º, inciso VI, ficou definido como direito o “auxílio emergencial nos casos de acidentes ou desastres, que assegure a manutenção dos níveis de vida até que as famílias e indivíduos alcancem condições pelo menos equivalentes às precedentes”.

Atingida de São Joaquim de Bicas e representante da comissão da R2, Josiane Ribeiro falou da situação enfrentada nas comunidades. “Fizeram um Acordo. Esse Acordo foi maravilhoso, mas para quem? Porque até hoje dentro das comunidades as pessoas estão sofrendo. Sofrendo pelo fato de não ter água. As crianças continuam pisando no minério, porque até hoje não foi resolvido nada”, disse.

Atingidas e Atingidos das Regiões 1 e 2 da Bacia do Paraopeba | Fotos: Diego Cota/Aedas

Em diálogo com as demandas levantadas pelas pessoas atingidas, a promotora de justiça e coordenadora da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais, do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (Cimos/MPMG), Shirley Machado, explicou que os valores previstos pelo Acordo de Reparação são definitivos, uma vez que o documento foi transitado em julgado e não prevê uma cláusula para repactuação, como aconteceu na Bacia do Rio Doce.

“Algumas questões [do Acordo] nos ultrapassam, como os limites de valores colocados para cada questão. Quando a gente fala do Programa de Transferência de Renda e vocês questionam isso como se tivesse na nossa deliberação colocar mais dinheiro para esse ponto com os recursos que estão no Acordo, essa não é uma realidade, porque os recursos estão definidos”, afirmou.

“Eu gostaria que vocês sentissem que nós não estamos de lados opostos. Nós estamos falando de um processo de reparação de danos muito complexo e que quem causou o dano é uma empresa chamada Vale. Eu entendo a revolta que vocês trazem nesses espaços, mas saibam que a gente não se coloca nesse espaço de causador de dano, porque não somos e estamos ao lado de vocês para construir caminhos. E mais do que trazer respostas para as perguntas, a gente acredita na capacidade das pessoas atingidas envolvidas de achar um caminho para a solução junto conosco”, completou a promotora.

Promotora Shirley Machado e procurador-geral Paulo de Tarso | Fotos: Diego Cota/Aedas

Na abertura da reunião, o novo procurador-geral de Justiça do MPMG, Paulo de Tarso Morais Filho, deu indícios que o MP vai criar mecanismos para aprimorar a execução do Acordo. “A celebração do Acordo não quer dizer que a questão esteja solucionada. O maior desafio que teremos pela frente é a execução desse Acordo. Há um propósito de nossa parte, que eu quero para um futuro próximo trazer como novidade, que é ter dentro do Ministério Público uma referência maior na execução do Acordo para que as coisas tenham maior efetividade”, disse.

“Quem está doente tem urgência”

Questões envolvendo a situação hídrica e a saúde nas comunidades atingidas também foram levadas aos compromitentes. A atingida Maria Santana Alves, de São Joaquim de Bicas, falou da urgência na adoção de medidas de saúde nos territórios atingidos e destacou que as pessoas não podem esperar mais a conclusão dos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE) para terem andamentos.

“Os territórios atingidos estão sofrendo muito e nós não temos condições de esperar. Quem está doente tem urgência. Nós precisamos ter um olhar especial para a saúde, porque o tratamento é muito caro. E cada vez mais vai agravando, porque os remédios não diminuem, vão acrescentando mais, porque a contaminação está ali. A causa da doença não foi sanada. Precisa de ter um olhar especial urgente para a saúde, inclusive para as crianças, porque elas estão nos territórios contaminados. Elas [as ações em saúde] não podem ser junto com o levantamento dos danos socioambientais. É preciso que se faça alguma coisa para ontem”, afirmou.

Entretanto, a secretária de estado da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-MG), Luísa Barreto, salientou que soluções em saúde no âmbito do processo de reparação só virão por meio do ERSHRE, que no momento aguarda a contratação de uma nova empresa que vai executar as fases pendentes dos estudos.

“O Acordo, como vocês sabem bem, ele não traz uma solução da questão de saúde, não traz um direcionamento, uma quitação em relação aos danos à saúde humana, porque esse endereçamento virá do ERSHRE, que está no processo de contratação de uma nova empresa. As propostas já foram enviadas pela Vale para avaliação dos órgãos técnicos competentes para que se decida pela nova empresa executora”, contou.

Resposta à pauta do MAB virá em 10 dias

Os compromitentes prometeram uma resposta para cada ponto levantado no documento entregue pelo Movimento dos Atingidos por Barragens. Como foi o primeiro contato com o texto, a reunião teve o caráter de oitiva das demandas. Com isso, os compromitentes pediram um prazo de 10 dias para elaboração de uma resposta por escrito e posterior encaminhamento para as pessoas atingidas.

A reunião contou com a participação da promotora de Justiça Shirley Machado, do coordenador estadual das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo do MPMG, promotor de Justiça Leonardo Castro Maia, do coordenador regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, Thiago Lauria, dos defensores públicos da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) Antônio Lopes de Carvalho Filho e Bráulio Santos Rabelo de Araújo e representando o Governo de Minas, Luísa Barreto.

Confira mais fotos da jornada de lutas:

Texto: Diego Cota e Júlia Rohden


Veja também