No mês em que se completa 135 anos da abolição da escravização no Brasil, o Histórias Atingidas aborda o tema do 13 de maio a partir da memória de Seu Silvestre e Anaise

Fotografia: Felipe Cunha/Aedas

Silvestre Antônio da Silva tem 73 anos, 5 filhos, foi nascido e criado na comunidade em que sua mãe viveu toda a vida, o quilombo de Sapé. No início dos anos 2000, seu Silvestre deixou a vida da roça e mudou-se para a cidade sede de Brumadinho com sua companheira, onde vive até hoje. 

Silvestre estudou até os 13 anos porque não tinha como seguir. Poderia vir a estudar em Brumadinho ou na Fazenda do Rosário, mas sua mãe era viúva e “não tinha ajuda de nada e parente para ficar. E lá no Sapé trabalho desde menino. [na roça]” diz.  

Seu primeiro trabalho de carteira assinada foi no início dos anos 70, em uma empreiteira da CEMIG, quando completaria seus 20 anos de idade. “Era serviço pesado, em instalação de rede para algumas fazendas, perfurar buraco, por poste de madeira”.  

Em seguida, seu Silvestre foi para a rede ferroviária e seguiu até aposentar, em 1996, onde trabalhou na manutenção da linha férrea.   

Na época da construção da ferrovia, a mãe de seu Silvestre era pequena. Ela lhe contava que, na época, “a construção férrea pegou um pouco do terreno lá no quilombo. Pessoas do quilombo também trabalharam na ferrovia, como seu tio”, diz.  

Seu Silvestre começou o trabalho na ferrovia no final de 1971 “e toda essa época era quase só braçal mesmo, pouca coisa tinha oficina e maquinário, era só em Lafaiete, Belo Horizonte (…) O transporte ferroviário era pra tudo. Para transportar pessoas, animais, comércio, minério”.  

O trabalho de seu Silvestre na manutenção de linha férrea era na base de ferramentas manuais “tinha macaco, pá, picareta, soca para nivelamento de linha, alavanca, chaves tirefond..” e já ouviu de um maquinista: “Olha, a linha do trem, você tá trabalhando ali, mas o trem vai passar, e se passar, você tem que sair. A ferramenta, se você esquecer ali, larga! Se quebrar arruma outra. A vida vale mais.”  

Sobre acidentes de trabalho, Silvestre diz que “A primeira coisa [instrução] sobre acidente de trabalho, que eu lembro, eu tinha mais de 10 anos de rede ferroviária, quando veio a turma de prevenção de acidente explicar. O que tínhamos era a consciência dos mais velhos e experientes até então. Você aprendia com eles. Mas treinamento, não existia isso não. Era cobrança. O negócio era chegar, trabalhar e dar conta do serviço. Inclusive, naquela época eles olhavam físico, não era inteligência. Se a pessoa aguentava levantar um vagão era o que era importante.” 

Seu Silvestre tem problema na coluna. “Tenho hérnia de disco. Isso tudo foi tudo pesado mesmo”, diz. 

O movimento do povo era pela linha, diz seu Silvestre, o que, ocasionava também atropelamentos. “A maneira mais fácil para trafegar a pé era pela linha, entendeu? Não tinha estrada (…) hoje, em alguns lugares, as pessoas ainda passam pela linha.”  

O trem enquanto transporte de gente, com o tempo, foi diminuindo. “No final dos anos 70 já havia poucas linhas de transporte de viagens de passageiros”. E o trem de carregar minério, aumentando. Para seu Silvestre, o transporte majoritário, hoje, de minério é “Por interesse [econômico]. Eles não têm interesse pelo passageiro mais. O negócio, principalmente aqui, é o minério. A Vale é quem manda aqui”.   

Sobre o 13 de maio, seu Silvestre diz que estudava uma outra história quando menino, a história eurocêntrica, invertendo valores. 

A história do Brasil que estudávamos não fala o que se fala hoje [decolonial]. A história contava e saudava aquele que matou o Zumbi dos Palmares. Aparecia ele. Não aparecia o Zumbi. O famoso então é aquele que acabou com o quilombo, e não aquele que resistiu. Era como se estivesse nos contando mentira o tempo todo”.

Texto: Felipe Cunha 

Veja essa e outras matérias na 18ª edição do Jornal Vozes do Paraopeba

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