Por Priscila e todas as 272 joias. Por memória, por honra, por justiça e para que nunca mais se repita! 

Maria Regina da Silva, 60 anos, é mãe da Priscila Elen, vítima do rompimento da barragem da Vale. Priscila tinha 29 anos quando perdeu a vida naquele desastre-crime que devastou tantas famílias. Para Dona Regina, o desastre-crime não interrompeu apenas a vida de sua filha, mas também a vida que ela conhecia: “Minha vida antes do rompimento era outra coisa. Eu costumo dizer que a gente era feliz e não sabia”. 

Mãe de cinco filhos, Priscila era a primogênita. “Ela era o meu braço direito, minha amiga, quem me aconselhava. Sempre que eu estava revoltada com alguma situação, ela dizia: ‘Mãe, para de show!’ Isso sempre ecoa dentro de mim.” 

Dona Regina relembra com carinho o papel fundamental que Priscila desempenhava na família. “Eu criei meus filhos com muita dificuldade. E a Priscila sempre esteve ao meu lado. Quando não estava comigo, estava cuidando dos irmãos”. 

Perder Priscila, segundo ela, foi como perder uma parte essencial de si mesma. “Ela era minha filha, mas também minha referência. Eu brincava dizendo: ‘Quando eu crescer, quero ser igual a você.’” Forte, inteligente, determinada e resolvida, Priscila era um exemplo. 

Para sustentar a família, Dona Regina enfrentou anos de trabalho duro. Fez faxinas, capinou lotes, limpou sítios, até passar em um concurso como servente escolar na prefeitura. Com muito esforço, construiu uma casa para os filhos, sempre com a ajuda de Priscila. “Ela cresceu, começou a trabalhar, ajudava em casa. Era força, persistência, vontade de crescer, inteligência e capacidade”. 

Priscila fez um curso técnico de mecânica e foi trabalhar na área de mineração, onde ficou por dez anos, “A gente cria os filhos para que eles tenham um bom emprego e uma vida digna”, diz Dona Regina. “Lavar aqueles uniformes para ela ir trabalhar era um orgulho. Na época, ninguém na família imaginava o que era uma barragem, nem os riscos que ela representava”. 

Dona Regina só teve noção da grandiosidade e do perigo do empreendimento em 2018, quando participou de um programa chamado “Família no Trabalho”. Priscila pediu para que a mãe fosse conhecer o local onde trabalhava. “Ali eu vi o tamanho daquilo tudo. A gente percebeu o tamanho daquilo, mas sempre nos garantiram que havia segurança”. Ela pausa antes de continuar. “Mas não era verdade. Para nós, moradores de Brumadinho, quem nunca entrou lá dentro jamais poderia imaginar o que realmente estava acontecendo”. 

“Hoje ainda convivemos com várias barragens em situação de risco. No lugar onde moramos, é assustador pensar na quantidade de barragens que colocam tantas vidas em perigo. Será que realmente precisamos minerar tanto assim, depois de tudo o que já foi extraído e do que ainda continua sendo? Ou será que estamos sendo explorados para que outros se beneficiem, enquanto ficamos com o pior de tudo? Não somos contra a mineração, mas sim contra a forma como ela é conduzida. Esperamos que isso mude, que a vida seja valorizada e que a mineração seja feita de maneira diferente. Na Vale, estava escrito: ‘A vida em primeiro lugar’. Mas a vida que se perdeu em nome do lucro foi a dos trabalhadores. Essa foi a vida que colocaram em primeiro lugar”. 

Dona Regina é integrante da Avabrum, entrou no segundo mandato da associação. Fundada em agosto de 2019, a Avabrum, reconhecida mundialmente, surgiu a partir da necessidade dos familiares de dar voz às “joias” – como são chamadas as pessoas que perderam suas vidas no rompimento – garantindo que elas fossem representadas e não silenciadas.  A luta pelos direitos dos familiares, a busca por justiça, a preservação da memória, encontro e o compromisso com a não repetição do desastre-crime são os pilares que sustentam a atuação da Avabrum. 

Dona Regina acredita no poder da coletividade: “O grupo nos tira do buraco, nos ajuda a caminhar”. 

Dona Regina diz que, quando você perde um filho, perde uma parte de si mesma, algo que você não sabe exatamente o que é, como o pulmão, porque você não consegue respirar, o coração, porque fica sufocado, a perna, porque não consegue caminhar, o braço, porque se torna impotente. “Com o tempo, você não sabe por que, mas começa a perceber que está resistindo, e percebe também que não está sozinho, que há uma força por trás te amparando. E, por mais que você esteja revoltado e com raiva, você acaba percebendo Deus novamente”, diz. 

Já são seis anos, e ao olhar para trás, Dona Regina disse que parece que tudo aconteceu ontem, mas, ao mesmo tempo, reconhece a enorme caminhada que já percorreu.  

“Quando estive na Alemanha, pedi ao nosso advogado para solicitar ao juiz que nos permitisse falar, porque eu não me conformava em não poder expressar o que sentia. Fomos autorizados a falar, e, quando me sentei, ouvi minha própria voz dizendo: “Sem a fé em Deus, a gente não consegue.” Então, é isso, Dona Regina finaliza: “é fé, é união, é saber que o outro, que está ali, pode te estender a mão, te ajudar a caminhar e te dar um pouco de alento. Minha família sempre me permitiu chorar”. 

Veja a versão em vídeo:

Texto e Fotos: Felipe Cunha – Aedas