Histórias Atingidas: Ricardo Nery – resistência quilombola em Piedade do Paraopeba
“Eu não sou um, eu sou Nós. ‘Nós’ é uma porção de gente e nós somos um poder de povo.”

Fotos: Diego Cota/Aedas
Era um sábado, véspera da Festa do Divino. A “casa ancestral” do Quilombo Gunga estava movimentada. Acontecia ali a concentração da Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário. O tio Marinho, seu capitão, fazia os últimos ajustes nos ng’omas para o cortejo que aconteceria a noite.
A guarda é uma tradição que se mantem ao longo dos séculos. “Ela faz a guarda de uma coroa, de um reinado. É uma resistência por representar um reinado que acontecia antes dos escravizados virem pra cá”, explicou Ricardo.
Quando se conversa com Ricardo, não é somente sobre aquela pessoa ali que você fica sabendo. Ele fala pelo seu povo. “Eu sou o Ricardo Preto, o Nêgo Preto, o Ricardo da Bela, do Maro, da Rosa”, e é também o das tias, tios, avôs, avós, de todos aqueles que sua ancestralidade toca.
“Nossa ancestralidade é a raiz de uma árvore frondosa”.


Jornalista e prestes a formar em Direito pela PUC Minas, desde cedo o quilombola era o “menino de recado” da família, fato que contribuiu muito com sua primeira formação. “Menino de recado aprende muito porque ele escuta e leva o recado. Ele traz muita informação daquilo que viu”.
E continuar a passar a informação, contar sua história e reforçar sua ancestralidade é o objetivo de Ricardo. Atualmente, a comunidade Quilombola aguarda pela certificação da Fundação Cultural Palmares para formalizar sua presença no território, que é antiga e notável. “Não é só agora, nós sempre estivemos aqui”.
“Nós somos os pretos católicos, o povo preto que canta latim, que é músico, que sabe o segredo das ervas, que benze, canta, que ornamenta e que é responsável pelas principais festas religiosas daqui e que, até hoje, através dos descendentes dessa senhora e desse senhor, continuam servindo a essa igreja”, explicou.


Preparativos para o cortejo da Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário
Essa pertença e amor ao lugar de morada e de vivência da comunidade quilombola está cercado de preocupações desde o rompimento, ocorrido no Córrego do Feijão, em 2019.
O atingido explica que o desastre-crime “abala quando a gente sabe que existe uma intervenção humana que provoca transtornos nas diversas camadas dessa terra e dos seus sedimentos, que envenena a água”. Com ele, veio o alerta para estruturas de mineração que ameaçam seu território, como uma barragem localizada a poucos quilômetros do distrito de Piedade do Paraopeba.
Mas o povo do Gunga, “fogo que corta calado, povo de guerra lá vai!”, resiste no território, por direitos, reconhecimento e salvaguarda da ancestralidade. “Eu sou um guardião da nossa ancestralidade, da nossa cultura, do nosso povo, das nossas tradições”, disse Ricardo, rei desse reinado.

Texto e fotografias: Diego Cota | Comunicação
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