“A ATI é a nossa assessoria técnica. É ela que nos ajuda a chegar próxima da justiça. Antes, eu mesma nunca tinha conseguido entrar em uma sala de juiz. Hoje eu vou, eu participo, porque a ATI está do meu lado”

Foto: Felipe Cunha / Aedas

Sueli Araújo tem 48 anos, é mãe solo de quatro filhos e avó de dois netos. Mora na comunidade do Pires, em Brumadinho, onde vivem, em sua maioria, mulheres negras: “Amo minha comunidade, onde escolhi morar e que me lembrou o lugar rural onde cresci”, relata.

Natural de Barra de São Francisco, no Espírito Santo, mora há quase 30 anos em Brumadinho. Trabalha como gari concursada na prefeitura e também é comerciante. Divide seu tempo entre jornada dupla de trabalho, os cuidados com a casa, filhos, netos e a luta coletiva: “Estou na comissão e na luta junto com as atingidas”.

Sueli vive de frente para a linha do trem de minério. O barulho é constante. O risco, também. “A gente fica com medo. Tem que ter atenção redobrada. Já houve acidentes bem próximos da nossa porta”.

Desde o rompimento da barragem em 2019, a relação com o território mudou. “Depois do rompimento veio muita devastação e doenças. Hoje, eu vejo o minério como um perigo que mora dentro da cidade”.

Sueli em frente à linha do trem, na rua onde mora, na comunidade do Pires, em Brumadinho | Foto: Felipe Cunha / Aedas

Sobre o Acordo de Reparação, Sueli é direta: “Nós não participamos do Acordo, não fomos escutadas. Quem sabe dos problemas é quem mora onde aconteceu o desastre-crime. Quem fez esse acordo não sabe o que a gente passa.” Para ela, a execução do Acordo é lenta e cheia de entraves. “Só os atingidos sabem explicar o que realmente aconteceu”.

A comunidade dos Pires vive sob constante tensão. Além de estar inserida na Zona Quente, também está na Zona de Autossalvamento (ZAS) da Barragem Menezes II, enfrenta danos ambientais contínuos: “A gente escuta qualquer barulho e já imagina coisa ruim”.

Placa de rota de fuga no Pires, localizado na ZAS | Foto: Felipe Cunha / Aedas

Sueli também denuncia o descarte de rejeitos da dragagem do rio Paraopeba, que foram depositados próximo à comunidade: “Meu pai era pescador. Hoje não pode mais pescar. As crianças iam para o rio com as mães para tomar banho, hoje não podem mais”.

Ela se engaja para fortalecer a luta das mulheres: “Estou também por outras mulheres que não têm condições a lutar pelos seus direitos. Por isso escolhi dividir meu tempo como mãe, avó, trabalhadora, dona de casa”.

Rejeito do rio Paraopeba transportado acima da comunidade do Pires | Foto: Felipe Cunha / Aedas 

Além disso, ela convive, no próprio quintal, com os danos de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) instalada pela Vale: “a ETE traz uma série de problemas no dia a dia: o mau cheiro constante e a necessidade de limpeza frequente do sistema têm atingido diretamente o nosso bem-estar”.

Sueli destaca a importância do Anexo I.1, que trata da reparação socioeconômica. “Para nós, mulheres negras, é importante estar participando do Anexo I.1. Fomos muito criminalizadas. Que esse Anexo traga projetos frutíferos que nos beneficiem”.

Ela também defende a atuação da ATI: “A ATI é a nossa assessoria técnica. É ela que nos ajuda a chegar próxima da justiça. Antes, eu mesma nunca tinha conseguido entrar em uma sala de juiz. Hoje eu vou, eu participo, porque a ATI está do meu lado”

Para Sueli, a reparação precisa ser integral: reparação pelo desastre-crime, reparação histórica e reparação pelo bem viver das mulheres negras. Sua mensagem para outras mulheres negras é um chamado à resistência: “Que nunca abaixem a cabeça. Que andem sempre de cabeça erguida. A nossa cor é a nossa vitória”.

A comunidade dos Pires, após o rompimento, virou um canteiro de obras. A circulação de pessoas estranhas se tornou constante. Há risco de contaminação do solo, do ar e do rio. Falta estrutura: nem toda a comunidade tem coleta de lixo, o transporte público é precário, não há espaços de lazer. Ainda é um bairro que carece de acesso ao básico e à justiça.

Veja a entrevista em vídeo

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Texto, fotos e entrevista: Felipe Cunha (comunicação/Aedas)

Captação e edição do vídeo: Douglas Keesen (comunicação/Aedas)

Apoio: Janaína Fernandes (Mobilização/Aedas)

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