“As crianças têm direito de serem vistas no presente, não só no futuro”

Letícia Valentina, 10 anos, mora na comunidade do Pires, em Brumadinho. Com seu canto, desenhos e as cordas do violino que toca com as mãos e o coração, ela encontra sua própria forma de se expressar: “Quando eu canto, eu sinto harmonia e paz. Já até me apresentei em teatro”, diz, como quem busca transformar o cotidiano, marcado pelos da nos da mineração, levando arte e poesia. Para ela, cantar, pintar e tocar música são formas de compreender e se fortalecer diante do mundo que a cerca.

“Na comunidade do Pires tem muitas crianças, e o trem passa várias vezes ao dia e incomoda nossas brincadeiras e o sono das crianças. Além disso, toda vez que o trem passa, eu tenho crise de espirro”. A poeira que invade as casas se mistura às alergias e gripes frequentes, lembrando cotidianamente que, para ela, a infância foi atingida pelo trem que carrega o minério para outros cantos do mundo.

Se pudesse mudar algo na comunidade, Letícia colocaria mais asfalto para que as crianças pudessem andar de bicicleta sem perigo e mais espaços para brincar. Observadora da natureza, tem um carinho especial pelo ipê: “As flores mudando de cores, é lindo”. Já viu o rio viver e perder sua saúde. Lamenta a falta de cuidado com as árvores e flores: “A mineradora não replanta as árvores”, diz, com a sinceridade das crianças que convivem com perdas que nunca deveriam ter acontecido.

Letícia participa da Ciranda da Aedas, espaço participativo onde crianças aprendem sobre direitos e reparação: “A gente fala bastante sobre temas como mineração, saúde, moradia, educação, alimentação, tradição, segurança, reparação e água potável. São direitos que ainda faltam para muitas crianças, especialmente para aquelas atingidas”.

“Infância é brincar, estudar, mas também aprender sobre os direitos. As crianças têm direito de ser crianças e de serem vistas no presente, não só no futuro”.

Letícia nos lembra que a infância, mesmo marcada por sua história atingida, ainda encontra espaço para brincar e se abrigar na arte. Cada no ta de seu violino, cada traço de seus desenhos, cada página que escreve, acende uma luzinha que irradia esperança, pureza, ternura e coragem. Uma estrelinha pequena, mas forte e resistente, que brilha em meio às marcas deixadas pela mineração.


Texto e fotos: Felipe Cunha | Comunicação/Aedas