“O processo tem sido vertical, refletindo a estrutura da nossa sociedade; a horizontalidade precisa ser construída

Walter Matias Machado, guardião e conselheiro da saúde, é um incansável lutador pelo bem-viver. Aos 65 anos, carrega em si as marcas de uma vida dedicada à resistência, ecoando as memórias de sua infância nas terras do Vale do Aço, onde nasceu. 

Ele conta que o envolvimento com a questão ambiental foi influenciado por seu pai, que atuou como delegado florestal em um parque ecológico na região do Vale: “Meu pai sempre lidava com questões ambientais e preservação da biodiversidade. Eu cresci ouvindo essas conversas, o que despertou minha curiosidade para entender melhor esses processos”.

Em 1975, mudou-se para Belo Horizonte, onde estudou na área da saúde. Sua militância começou no movimento estudantil durante a ditadura militar, um período em que as liberdades de expressão eram cerceadas. 

Na década de 1980, Sr. Walter se formou como enfermeiro, aprofundando sua compreensão sobre a relação entre meio ambiente e saúde, “Como enfermeiro, tentamos conscientizar os profissionais de saúde sobre a importância de criar uma dinâmica no atendimento e na educação em saúde, com o objetivo de retomar o cuidado e a promoção da saúde”. 

Atualmente, Sr. Walter mora em Juatuba, na comunidade Satélite, buscando um lugar mais tranquilo e cercado pela natureza.  “Acabei me mudando para cá e participei do processo seletivo para o Programa de Saúde da Família, atuando na região. Hoje, sou membro do Conselho Municipal de Saúde, representando a sociedade civil. Essa participação foi uma conquista nossa a partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que marcava a nova visão de promoção de saúde e controle social”.

Sr. Walter aponta que o problema enfrentado na participação do controle social é que o próprio sistema não oferece condições para que os trabalhadores participem desses processos. “Eles passam a maior parte de suas vidas no trabalho, o que prejudica sua participação. No entanto, fazemos o possível para defender nossos interesses. O Conselho de Saúde é paritário, com representantes da gestão, dos trabalhadores, da sociedade civil, dos prestadores de serviços e dos usuários do sistema de saúde”.

Sr. Walter é defensor do SUS e destaca:

“O SUS não é uma empresa ou uma firma; é um sistema ainda em construção e que não atingiu sua forma definitiva. Diariamente surgem novos desafios, sejam tecnológicos ou sociais. Atualmente, enfrentamos o desafio do desastre-crime causado pelo rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho. Nem o SUS em geral, nem os profissionais estão plenamente preparados para lidar com esse processo, então estamos na fase de elaboração de um novo programa de funcionamento”

Sobre o atendimento de saúde em sua comunidade, Sr. Walter destacou a falta de conhecimento técnico-científico sobre os danos causados pelo rompimento das barragens. Ele observa que isso resulta em um atendimento precário e deficiente devido à ausência de uma política de saúde específica para as vítimas da mineração, além da necessidade de capacitação profissional. “Estamos trabalhando na criação de um protocolo de saúde para as pessoas atingidas. Nossa preocupação é que o grupo responsável pela elaboração do protocolo tem mais representantes do governo, enquanto nós, representantes dos movimentos sociais e da sociedade civil, ainda não estamos devidamente envolvidos no processo”.

Ele complementa: “Há uma cobrança da população pela criação do protocolo, mas, infelizmente, as instâncias de governo, tanto municipal quanto estadual, não têm dado a devida atenção às necessidades da comunidade. A Aedas já enviou vários ofícios solicitando uma audiência pública para discutir e verificar o andamento das ações da prefeitura. No entanto, após mais de cinco anos, ainda não recebemos respostas eficazes, apesar das reiteradas cobranças”. 

Como profissional da saúde, Sr. Walter comenta: “A população precisa conhecer o grau de contaminação por metal pesado. No entanto, a Vale chega a solicitar sigilo nos laudos, o que demonstra a falta de interesse real em resolver o problema e em informar as pessoas sobre os impactos à saúde. Quando há agravos à saúde sem respostas adequadas, isso gera angústia, atinge o sistema imunológico e pode potencializar os problemas, resultando em adoecimentos físicos e mentais”.

Sr. Walter relata que muitas pessoas na região têm mencionado insônia, dores de cabeça constantes e distúrbios gastrointestinais. “Esses sintomas são cada vez mais intensificados pela falta de respostas e informações”. E complementa: “Diagnósticos de intoxicação e níveis de metais pesados não são identificados por exames comuns; são necessários exames mais específicos realizados em laboratórios especializados, com equipamentos adequados e profissionais treinados. Atualmente, sabemos que as principais causas de morte em Juatuba são câncer, doenças cardiovasculares, como infartos e AVCs, e doenças respiratórias. No entanto, como ainda não há um protocolo de saúde para os atingidos, fica difícil comprovar como essas condições se agravaram após o desastre-crime. Essa incerteza é um dos principais fatores que tem adoecido a população”. 

Sobre a mineração, Sr. Walter expressa: “Estamos no século 21 e, apesar dos avanços tecnológicos, o método de extração minerária ainda é semelhante ao dos primórdios da industrialização. É um processo de terra arrasada, onde não se respeitam as normas ambientais e a natureza é tratada com total desrespeito, tudo em nome do lucro. A todo momento se cria produtos novos para substituir aquele que ainda poderia ser útil”. 

Ele também destaca que a vigilância em saúde é o instrumento mais importante na promoção da saúde, pois ela investiga os processos e agravos pós-rompimento para criar condições e ações voltadas à saúde pública. “O objetivo é garantir uma maior participação da população nas ações de saúde, já que essas ações são direcionadas à comunidade e, portanto, a população deve estar envolvida no processo todo e no fazer com o coletivo”. 

O princípio que norteia a vigilância popular em saúde para Sr. Walter, é a utopia: “entendida como um sonho aparentemente irrealizável. No entanto, no contexto da vigilância, ela nos inspira a acreditar em uma realidade ainda distante, promovendo um mundo mais justo e digno, baseado em solidariedade, defesa da vida, ecologia e saberes tradicionais, unindo, também, com saberes acadêmicos e com o Estado”.

E finaliza: “Se continuarmos com modelos semelhantes ao do Acordo de Reparação, onde as portas estão fechadas, não alcançaremos uma reparação integral. Para isso, é fundamental ouvir todas as partes envolvidas, sobretudo as pessoas atingidas. O processo tem sido vertical, refletindo a estrutura da nossa sociedade; a horizontalidade precisa ser construída. Nossa luta é justamente para superar essa verticalidade”. 


Texto e fotos: Felipe Cunha | Aedas Paraopeba

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