Por Cleiton e por todas as outras 271 joias. Por memória, por honra, por justiça e para que nunca mais se repita!  

Anastácia do Carmo Silva, 55 anos, ia completar 50 quando o desastre-crime aconteceu. Seu filho, Cleiton Luiz, umas das joias, estava prestes a fazer 30. Ambos nasceram em Brumadinho.  

Antes do rompimento, Anastácia levava uma vida tranquila. Costureira desde os 12 anos, era também dona de casa e mãe dedicada. Ela afirma: “Nasci para ser mãe. Sempre tive prazer em fazer almoço e jantar para os meus filhos.” Foi mãe de dois filhos, Cleiton e Arthur e descreve sua dedicação: “Preparava as refeições sempre com suco e produtos naturais. Mesmo com a correria e o trabalho árduo, sempre fui uma mãe cuidadosa e preocupada com a alimentação deles”. 

Anastácia não tinha conhecimento sobre barragens e, em relação à Vale, sentia-se segura: “A Vale passava para os familiares e para o mundo a ideia de que a segurança vinha em primeiro lugar. Eu nem imaginava que a barragem fosse como era e que representasse tantos riscos”.

No dia do rompimento, ao receber ligações sobre o ocorrido, ela não ficou nervosa: “Imaginei que poderia haver alguns feridos, mas nunca pensei que seria aquela avalanche de rejeitos. Só tive consciência de que meu filho não estava mais vivo nove dias depois. Achava que ele tinha conseguido correr, porque ele era muito preparado, fazia trilha, andava de bicicleta. Pensava que ele poderia estar ilhado em algum lugar”.

Foi ao ver reportagens e entender a força com que a lama de rejeitos desceu que a ficha caiu, embora ela relutasse em acreditar: “Quando vi aquele pontilhão arrancado, fiquei em choque. Até hoje, ao passar por ali, sinto um espanto enorme. Uma estrutura tão forte, que suportava locomotivas carregadas de minério, foi cortada como se uma tesoura passasse por um galho de folha. É algo fora do parâmetro. Para quem tem sensibilidade, é uma dor imensa”.

Sobre a mineração, Anastácia critica a condução das práticas de trabalho: “A mineração mata pessoas e degrada a natureza. O que mais me entristece é ver que a justiça fecha os olhos para as atrocidades que a mineração causa e sempre causou. A justiça poderia cobrar, punir e exigir mudanças, mas não faz isso. É revoltante ver uma empresa do porte da Vale, com tantos recursos financeiros, não gastar o necessário para garantir a segurança das pessoas e proteger a natureza. O dinheiro que foi pago aos governos e prefeituras após a tragédia poderia ter sido usado para evitar o que aconteceu”.

Anastácia também desabafa sobre como as famílias são tratadas: “A preocupação com a gente, familiares, é mínima. Somos tratados como nada, assim como nossos entes queridos que foram assassinados”.

Com um lamento profundo, diz: “Como mãe de uma joia, meu corpo está vivo, mas minha alma está morta. Ainda assim, preciso continuar. Tenho outro filho, mãe, irmã…, mas meu filho não estava à venda, e nenhum valor trará os nossos filhos de volta”.

O Cleiton sempre foi um menino habilidoso e coração generoso. Desde criança, vivia entre ferramentas, sonhando alto enquanto consertava em sua oficina. Cresceu na mecânica, trabalhou em empreiteiras, na MRS, e tornou-se técnico mecânico industrial. Ele acumulava experiências e saberes como quem constrói um futuro sólido, degrau por degrau.  

Quando o desastre-crime ocorreu, ele estava no 6º período de engenharia e era funcionário na Vale. Tinha um currículo extenso, mas era seu coração que o tornava verdadeiramente grande. Cleiton era tranquilo, amigo de todos, mas não escondia que a fome o deixava impaciente — “Só isso me tira do sério”, ele brincava.  

O prazer dele, como filho, era cuidar. “Lembro com emoção quando me entregava o ticket-alimentação da Vale: Mãe, é para te ajudar nas despesas. Quero que você descanse mais.” Essa era umas de suas formas de demonstrar amor.  

“Cleiton nasceu quando eu tinha 20 anos. Ele foi meu parceiro, meu amigo, meu ajudante, o alicerce da nossa casa. A tragédia levou meu filho e deixou em mim um vazio que nunca será preenchido. Poderia falar do Cleiton o dia todo, porque sua essência vive em mim”.  

“É o próprio Cleiton que me dá forças para continuar, junto com o Artur, meu outro filho, que precisa de mim aqui”. Anastácia acredita que, se ela se mantiver forte, o Cleiton seguirá sua trajetória lá onde está. “Ele gostaria de me ver caminhando em frente, com coragem e firmeza. É difícil, mas eu tento, todos os dias”.

Anastácia encontrou força na dor e na união. Hoje, ela é associada à Avabrum e segue na luta com outras entidades e famílias que compartilham a mesma ferida. “Eu sonho muito com a justiça. Digo sonhar porque, em seis anos, ainda não a vimos acontecer”.  

A luta de Anastácia vai além de sua própria dor. Ela luta por justiça para proteger outras vidas, para impedir que mais tragédias se repitam. “Se não houver justiça, haverá mais mortes. A mineração segue a todo vapor. Ela tem dinheiro para pagar por qualquer vida, então por que vai se preocupar?”.

Anastácia vê o Brasil como um país maravilhoso, mas marcado por desigualdades profundas. “Aqui, quem tem dinheiro manda. Quem tem dinheiro pode matar, pode degradar o meio ambiente, e nada acontece. Mas, se uma pessoa simples cortar uma árvore no quintal, será punida”.

Com esperança e determinação, ela clama por uma justiça verdadeira. “Que a justiça seja justa. Que não veja o tamanho da conta bancária, mas sim o peso das ações. Que cuide das vidas e da natureza com o respeito que merecem”. 

“Acredito que essas pessoas devem ser punidas com o rigor da lei. Se eu sei que uma pedra pode cair e te matar, é minha responsabilidade te tirar daquele lugar. Mas eles não fizeram isso. Aquelas pessoas davam o sangue por aquela empresa, e acabaram entregando suas próprias vidas. Foi como um tiro, ou melhor, uma facada cravada em nossos peitos, assistir à empresa seguir em frente, acumulando mais lucro às custas de tanto sofrimento”, finaliza Anastácia.  

Veja a versão em vídeo:

Texto e Fotos: Felipe Cunha – Aedas