Os GAAs são espaços organizados e coordenados em conjunto com as comunidades atingidas com apoio da Assessoria Técnica Independente (ATI). As discussões levantadas são transformadas em documentos para serem entregues às autoridades e/ou esferas de poder responsáveis. 

“Como eu sou mãe, tenho filhos novos, a gente fica preocupada com o que vai ser o dia de amanhã”. É com esta frase que Valéria Aparecida de Sousa, moradora de São Sebastião da Barra, distrito de Iapu, externa sua preocupação sobre dois temas que lhe fizeram ir, pela primeira vez, a uma reunião de Grupos de Atingidos e Atingidas (GAA) da Aedas: a qualidade da água (Relatórios da AECOM) e o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE). Assim como ela, centenas de pessoas estiveram presentes no 3º Ciclo dos GAAs da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), realizado no último mês de março, com 89 reuniões efetivadas entre as regiões do Vale do Aço e Leste de Minas. 

Valéria, que trabalha atualmente como confeiteira, avalia que os GAA são espaços importantes para que informações cheguem à população atingida. “É muito bom, muito interessante. Tem muitas coisas que nós não “sabia” e hoje a gente ficou sabendo. Aqui em São Sebastião da Barra está acontecendo muitas coisas. As pessoas estão reclamando de coceira no corpo, então se tá reclamando de coceira no corpo o que a água tá fazendo com nosso organismo?”, questiona.

Valéria Aparecida de Sousa durante participação no GAA. Foto: Mariana Duarte

Como pessoa atingida pelo rompimento da barragem de Fundão e tendo a vida profundamente alterada desde então, ela lamenta não ter tido, anteriormente, nenhuma informação sobre a existência do Auxílio Financeiro Emergencial. “É um prejuízo enorme não só para mim, mas para a comunidade toda. Porque em São Sebastião da Barra, que eu sei, acho que ninguém recebeu esse auxílio. E até então “nós” ficou sabendo que está fechado e não pode fazer. Então é uma perda, né? Perdemos uma coisa que podia suprir algumas perdas que nós tivemos e não tem como receber mais”, pontua. 

É por isso que, como parte da metodologia participativa da Aedas, os GAAs são organizados e coordenados pelas comunidades com apoio da Assessoria Técnica Independente (ATI). As discussões levantadas pela população atingida são transformadas em documento, oportunidade em que propostas de reparação aos danos são identificadas como comuns ou não à Bacia do Rio Doce e, após isso, escritas para ser entregues às autoridades e/ou esferas de poder responsáveis. 

Nesta rodada, as reclamações sobre o não recebimento do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), qualidade e insegurança da água fornecida aos municípios atingidos, direito à moradia, abalo à renda e morosidade na reparação integral dos danos causados pelas empresas Samarco, Vale e BHP Billiton fizeram parte das discussões ocorridas dentro dos  GAAs realizados pela Aedas ao longo de 15 municípios assessorados. 

Para Clarissa Machado Pais, Coordenadora Geral de Mobilização do programa Médio Rio Doce no Leste de Minas, as reuniões realizadas foram importantes para que a Aedas pudesse pensar encaminhamentos de demandas coletivas. “Quando essas reuniões de grupos de atingidos e atingidas acontecem de maneira massiva, por município, por comunidade, a gente consegue ter um retrato mais bem desenhado sobre quais são de fato as principais demandas, que estão naquele momento, latentes nas comunidades e nos municípios. Então, isso faz com que a gente consiga pensar o encaminhamento dessas demandas de maneira coletiva, porque o escopo da ATI é para trabalhar através de demandas comunitárias, através da coletivização das demandas”, explica. 

Ainda de acordo com a coordenadora, esta nova rodada de GAA serviu especialmente para refletir mais sobre a pauta da água. “Um destaque importante desses GAAs no Leste, acredito que foi a pauta da água que coincide com essa movimentação do Eixo 9. A gente visualiza em Conselheiro Pena, Itueta, em Resplendor, em Aimorés, essa pauta da água muito forte e acaba coincidido com a movimentação do Eixo 9 e com as outras decisões que falam sobre contaminação que existe nos territórios. Foi importante a gente visualizar que isso não é demanda de uma só comunidade ou município”, finaliza. 

Dano à água 

A água que chega às torneiras dos moradores da sede de Itueta, ao distrito de Quatituba, Cachoeira Escura (Belo Oriente) e Vila Neitzel (Itueta) está escura, barrenta, com forte cheiro de cloro ou apresentando ferrugem, desabafam as pessoas atingidas. Apesar de locais diferentes, o problema, afirmam, teve início após o desastre-crime de Fundão onde diversas famílias ao longo da bacia do Rio Doce tiveram que mudar os seus modos de vida para lidar com os danos trazidos após a chegada da lama de rejeitos. 

GAA de Vila Neitzel, zona rural norte de Itueta. Foto: Thiago Matos

Na Vila Neitzel, zona rural norte de Itueta, o GAA, abordou o abastecimento de água na comunidade, danos à renda e à saúde, necessidade de Auxílio Financeiro Emergencial para os atingidos (as) da comunidade e a necessidade de pavimentação das estradas da região. “A água nós temos que coar num pano jeans bem grosso. Por dois dias você pode usar o pano. Entre dois e três dias. Daí ele [o pano] saí sujo. Imundo.”, desabafa Maria da Conceição, dona de casa que não possui acesso a água tratada. 

GAA de Vila Neitzel, zona rural norte de Itueta. Foto: Thiago Matos

A falta de transparência sobre a análise da água e sobre a fonte de captação da água fornecida também gera desconfiança entre os moradores da sede de Itueta. “Quase toda semana falta água. As roupinhas do bebê ficam tudo manchada… A Renova nunca vem coletar a água para fazer análise durante o período de chuva ou quando a água está barrenta”, desabafa Wellington Costa. 

Relatórios da AECOM Brasil  

No Vale do Aço, o 3º Ciclo dos Grupos de Atingidos e Atingidas (GAAs) levou discussões importantes sobre temas que geram dúvidas entre as pessoas atingidas, como os relatórios da AECOM Brasil (qualidade da água) e a pauta o Auxílio Financeiro Emergencial (AFE).   

Estes relatórios ganharam bastante repercussão nos municípios da Bacia do Rio Doce após fala do procurador da República, Carlos Bruno da Silva, durante audiência pública na Câmara dos Deputados realizado no dia 19 de dezembro. Na oportunidade, Carlos Bruno fez uma fala incisiva, destacando que uma variedade de frutas, legumes, raízes e animais estão contaminados por metais pesados. Você pode conferir sobre esse tema, clicando aqui.  

“Quero saber mais a respeito dos alimentos contaminados. Eu tenho medo [dos alimentos] porque ninguém sabe de onde que está vindo, a gente tem criança pequena, aí a gente fica com medo”, disse Mislaine Inácio de Cachoeira Escura, distrito de Belo Oriente-MG.    

Mislaine Inácio durante participação no GAA de Cachoeira Escura. Foto: Mariana Duarte

O relatório divulgado pela AECOM Brasil tem mais de 500 páginas de estudos é denso e com linguagem rebuscada, o que faz que as pessoas atingidas fiquem confusas sobre seus conteúdos. Com o apoio da assessoria técnica o assunto ganhou contornos explicativos, de como este estudo foi realizado, os locais de coleta de amostra e quais os principais resultados a que as pessoas atingidas precisam se atentar.  Segundo Maria Rosa, da Comissão de Atingidos(as) de Belo Oriente, a discussão desta pauta é importante para que “o pessoal fique inteirado do relatório da AECOM que foi falado a respeito da contaminação dos alimentos. As pessoas ficam inteiradas e consigam passar para outras pessoas”, aponta.    

Para a coordenadora da equipe de Mobilização do Vale do Aço, Sarah Suzan, o momento dos GAAs servem como essa oportunidade de debater com outras pessoas atingidas sobre os temas que mais geram dúvidas. “Os GAAs estão sendo esse instrumento da garantia da participação informada das pessoas. A reunião de hoje está sendo muito importante, porque as pessoas estão tirando dúvidas, trazendo seus questionamentos e estão também colocando suas opiniões e até mesmo suas indignações diante do processo de reparação desses quase nove anos”, destaca.  

Dúvidas sobre AFE 

As pessoas atingidas que participaram dos GAAs também debateram sobre o Auxílio Financeiro Emergencial. O programa que, logo após o rompimento da barragem de Fundão, deveria ter tido o papel de auxiliar financeiramente as pessoas atingidas, cumprindo o papel de medida mitigatória e com caráter de subsistência, apresenta falhas e reclamações das pessoas atingidas. 

Grande destaque no GAA realizado em São Sebastião da Barra, distrito de Iapu (MG), o AFE é motivo de preocupação para os moradores do território, especialmente por desconhecerem que possuem o direito de solicitar o auxílio. O assunto tomou mais força porque, recentemente, a Fundação Renova passou a mandar cartas com negativas ao auxílio para muitas pessoas. Por isso, neste GAA, as dúvidas iam desde o que seria a carta, seu conteúdo, até se havia problema não ter recebido ou nunca ter tido acesso. 

Sobre este tema, a Aedas deve entregar em breve às entidades responsáveis uma listagem, através de dados colhidos pelo Registro Familiar, com as pessoas atingidas que não tiveram acesso ao AFE ou tiveram o auxílio cancelado, mesmo atendendo aos critérios, para que estas possam ter o seu direito de acesso ao AFE reestabelecido. 

Quer participar? 

Caso as pessoas atingidas atingida não estejam em algum grupo de atingidos/as, basta procurar o/a mobilizadora de referência da sua região:  

Whatsapp: Vale do Aço: (31) 971172388 / Leste de Minas: (33) 999753875 

Texto: Mariana Duarte e Thiago Matos – Comunicação Programa Aedas Médio Rio Doce