Final de semana de festa e celebração da fé em Nossa senhora do Rosário
Festa da Abolição e Festa dos Pretos e Pretas Velhas marcam final de semana em Betim

Em Citrolândia, a Irmandade Nossa Senhora do Rosário celebrou, na última sexta-feira, o 13 de maio com a Festa da Abolição. O festejo compõe o calendário de atividades na tradição do Congado em louvor à Nossa Senhora do Rosário e é realizado em referência à abolição da escravatura no Brasil. A comunidade negra, em suas diversas frentes, segue buscando reconstruir o significado do 13 de maio, direcionando o protagonismo do fim da escravidão, a luta das pessoas negras, escravizadas e livres. A partir disso, buscam consolidar o 13 de maio como uma data de luta pelo combate ao racismo e suas violências que continuam vitimando a população negra.
Depois de dois anos sem realizar a Festa da Abolição devido a pandemia de covid-19, integrantes da irmandade não esconderam a emoção de poder reencontrar amigos e amigas e louvar em agradecimento à Nossa Senhora do Rosário. Beatriz Borges, coordenadora da equipe de Povos e Comunidades Tradicionais da Aedas na região 2, esteve presente, junto a outros integrantes da equipe.
A vice-presidente do congado, Marta Miguel, compartilhou o sentimento de alegria e gratidão por poder retomar as atividades da irmandade. “Eu me sinto muito emocionada, depois de anos com essa pandemia do jeito que estava, todo mundo pegou covid lá em casa, então o que aconteceu hoje aqui, eu imaginava que não ia ver essa apresentação tão linda que foi hoje. Eu pensei “eu não vou passar dessa”, e fico muito emocionada por vê que depois de dois anos, nós do congado estamos juntos”.



A Rainha Conga, a senhora Maria Laurencia ou Mariinha, como é carinhosamente conhecida, além de cofundadora da irmandade é, também, responsável por fazer as roupas que são usadas pelos membros durante as festas. Dona Mariinha, falou sobre a importância de retomar as atividades depois do rompimento, do isolamento pela covid e mais recentemente, da inundação da Senzala, sede da irmandade. “Depois da pandemia a gente ficou com a casa fechada. Foram dois anos de casa fechada. Quando termina a pandemia e a gente pensa assim: ‘vamos voltar!’ O que acontece? A enchente! Infelizmente, foi um rio de sangue e um rio de lágrimas porque, além da água, inundou a nossa casa de lama e uma lama que grudou nas paredes e no piso. Nós perdemos tudo! Mas, como a nossa mãe é poderosa, nós não perdemos a força”, relatou a Rainha Conga.
Tradição e o futuro
Quando questionada sobre como a irmandade tem cuidado para que as novas gerações se aproximem e faça parte da irmandade, a Rainha Conga respondeu “Cada criança que chega, a gente espera ela se manifestar. Quando ela manifesta o desejo de participar, a gente corre, porque você tem que correr no tempo para não deixar que a cabecinha dela desvie. Eu tenho capitã na guarda que foi consagrada com 6 meses de idade. Também tem aqueles meus reis que são da terceira idade, que eu também sou, mas tem aqueles que tem mais necessidade de atenção”, lembra Mariinha.
Atualmente o congado do Rosário conta com 37 membros. Desses, 4 são crianças e 17 jovens. Camila Anjos, de 23 anos, é bandeireira da guarda e falou um pouco da sua experiência de o que a motiva continuar. “Cheguei na guarda por volta dos meus 17 anos e foi através da minha família, pois a tradição é famílias. Tem várias famílias reunidas por aqui. O que me motiva a continuar é a fé, a tradição, a devoção e o amor por nossa senhora do Rosário,” contou.



Dona Mariinha contou a junção entre a sabedoria dos mais velhos e a sagacidade da juventude é que mantém o grupo firme. “Eu preciso da inteligência e da força do mais novo, mas eu também preciso da sabedoria do mais velho, porque quando a gente vê rugas no rosto de um senhor idoso, são marcas da sabedoria, são experiências passadas e é assim que a gente leva,” finalizou.
A capela
A sede da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, a Senzala, sofreu graves danos em sua estrutura em decorrência das chuvas ocorridas em janeiro deste ano. Também a barca, que tem um papel tão importante na simbologia da festa: o de transportar a imagem de Nossa Senhora do Rosário do rio Paraopeba, foi totalmente destruída. A irmandade está se auto-organizando para reconstruir o que foi perdido materialmente e caso você tenha interesse em ajudar, pode entrar em contato pelo do perfil da Irmandade no Instagram através do @reinadodacolonia ou pelo whatsapp do Capitão da Guarda André Bueno (31)99407-7552.



Betim: Festa para Pretos e Pretas velhas volta para a praça Milton Campos
No último domingo (15), a Tenda Espírita Cabocla Janaína e a Tenda Cigana Guerreiros De Ogum promoveram a 5ª Festa dos Pretos Velhos e Pretas Velhas na Praça Milton Campos centro de Betim. O evento teve como objetivo promover a união entre terreiros de Betim e região e ocupar o espaço público, aproximando a umbanda das pessoas e desmistificando inverdades e preconceitos. Na última edição da festa, cerca de 21 terreiros, 12 atabaques e muita gente estiveram presente na praça Milton Campos.
Segundo a Erika D’Oxóssi, a festa foi um pedido da entidade Rosa Negra, que surgiu para aconselhar a casa a ampliar suas atividades, dessa forma promover a umbanda para as pessoas que não são da religião, potencializando ações conjuntas e solidariedade entre as casas. “A dona Rosa Negra veio para o terreiro. A gente teve esse presente e ela falou com nós. Explicou pra gente que o preconceito existe lá fora, mas ele está entranhado dentro de nós e dentro de nossas casas, quando deixamos de ir à rua, deixamos de nos paramentar, de apresentar o nosso trabalho para as pessoas”.

O público afro-religioso é o mais atingido pelas manifestações de intolerância religiosa, o que demonstra como o racismo no Brasil ainda é profundo. “Eu passei por muitos preconceitos dentro da minha religião, muitos expurgos. Eu tinha que aguentar muita coisa calada e não sabia por que que eu tinha que aguentar, mas por medo eu aguentava, meus filhos quando crianças sofreram, e recentemente minha nora sofreu dentro da faculdade”, relatou Erika D’Oxóssi.
Diante dessa realidade, a matriarca da Tenda Cabocla Janaína, Erika D’Oxóssi contou que está dialogando com outros grupos para a criação de uma Federal Funcional, com nome FERNAD MG – Federação das Religiões de Matriz Afro-brasileiras de Minas Gerais – que visa, entre outras coisas, criar um comitê jurídico, comitês de infraestrutura, educação, formação profissional, saúde e meio ambiente para atuação de forma gratuita.
A proposta da Federação é que as pessoas se aproximem e ofereçam seus serviços pelo bem coletivo. Isso dialoga diretamente com um dos pilares da umbanda que é a caridade. “Nunca tivemos onde buscar uma ajuda, uma ajuda de verdade daquelas pessoas que olham o seu problema. Ele pode ser pequeno para mim, mas para você é gigante, então eu vou lutar por ele para resolver ele junto com você. A gente não tem essa representatividade né?!”, declarou Erika D’Oxóssi.



As marcas do rompimento
Erika D’Oxóssi compartilhou uma memória da realização da segunda edição da festa dos pretos e pretas velhas que aconteceu no mesmo ano em que a barragem rompeu no Córrego do Feijão. “A gente sentiu o nosso orixá chorar, tanto que na segunda festa que nós fizemos, a abertura foi em homenagem as pessoas que morreram e que até hoje não foram encontradas”, declarou.
O Rio Paraopeba era um veículo de transformação, de referendar os orixás, um patrimônio para religião que era muito utilizado. O Babalorixá Pablo D’Ogum, declarou “nós sempre utilizamos as águas do rio para fazer os fundamentos, os batismos, lavagem de cabeça, Ori, em Brumadinho e Itatiaiuçu, então [o rompimento] atrapalhou bastante sim, não tem como mensurar não, porque além do prejuízo ambiental veio prejuízo financeiro, porque agora temos que nos deslocar para lugares mais longe para acessar água limpa”.
A festa foi finalizada com uma grande roda no centro da Praça Milton Campos, com feijoada, canjiquinha e refrigerante para todos e todas as pessoas.
Texto: Jaqueline dos Santos