Estudos da Unesp sobre a qualidade da água do Rio Paraopeba têm preocupado população atingida
A equipe técnica da Aedas, a partir da solicitação das pessoas atingidas, fez a leitura dos estudos em questão, leia abaixo

Margens do Rio Paraopeba em Brumadinho, fotografado da Rua Amianto | Foto: Felipe Cunha – Aedas
No dia 14 de junho de 2023 o jornal da Universidade Estadual Paulista (Unesp) publicou a matéria “Com tratamento adequado, água de rio afetado pela ruptura da barragem de Brumadinho já poderia ser empregada para fins de abastecimento, dizem pesquisadores”. Nela é feita a divulgação de dois artigos científicos desenvolvidos com base no Projeto ENTIRE, que compõe as ações do Anexo II do Acordo Judicial de Reparação firmado em fevereiro de 2021 entre o Estado de Minas Gerais, as Instituições de Justiça e a mineradora Vale S.A.
A equipe técnica da Aedas, a partir da solicitação de pessoas atingidas fez a leitura dos trabalhos em questão.
A presente matéria traz uma breve explicação sobre o conteúdo dos artigos, de forma a auxiliar a população atingida no entendimento sobre o assunto.
O que é o Projeto ENTIRE?
O Projeto ENTIRE busca construir uma base de dados de monitoramento das águas superficiais e subterrâneas, além de realizar análise dos resíduos presentes nos solos de áreas atingidas pelo rompimento das barragens da Mina Córrego do Feijão.
Tem como objetivo realizar pesquisas de avaliação e monitoramento de substâncias químicas com potencial contaminante ao meio ambiente.
As atividades ocorrem a partir da colaboração entre universidades brasileiras, órgãos públicos do Estado de Minas Gerais, como o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) e recebe a cooperação científica com instituições internacionais, como universidades estrangeiras.
Em teoria, o Projeto ENTIRE busca fazer uma verificação independente do monitoramento conduzido pela Vale S.A., para gerar dados que possam ser usados em análises comparativas e, possivelmente, confirmar, negar ou complementar as informações fornecidas pela empresa.
O Projeto é acompanhado pela AECOM, empresa responsável pela auditoria independente dos estudos socioambientais na Bacia do Rio Paraopeba, além dos órgãos ambientais e de saúde envolvidos nas discussões do processo de reparação.
Entenda os estudos divulgados na matéria da Unesp

Rio Paraopeba | Imagem de drone – Aicó Culturas
O primeiro artigo mencionado na matéria foi publicado em março de 2023 na revista internacional Applied Geochemistry (Geoquímica Aplicada) tem como título “Geochemistry and contamination of sediments and water in rivers affected by the rupture of tailings dams (Brumadinho, Brazil)” – “Geoquímica e contaminação de sedimentos e água em rios afetados pelo rompimento de barragens de rejeitos (Brumadinho, Brasil)”.
O objetivo central do estudo foi identificar os impactos gerados em áreas atingidas pelo rompimento e fornecer informações que auxiliem na compreensão sobre a extensão da contaminação ao longo da bacia.
O estudo utilizou dados do Plano Emergencial de Monitoramento das Águas e Sedimentos, feito pela Vale S.A. Os dados foram cedidos após Acordo entre a empresa, Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e celebração de contrato entre a empresa e as universidades responsáveis pelo Projeto ENTIRE – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Portugal), Instituto Federal do Triângulo Mineiro e Universidade Estadual Paulista (Brasil). Também foram utilizados dados de coletas da empresa Arcadis, que incluíam granulometria (tamanho das partículas) e caracterização química dos rejeitos e sedimentos.
Os dados foram analisados a partir de 31 parâmetros de qualidade dos rejeitos, da água e dos sedimentos, a partir de amostras coletadas pela Vale e pela Arcadis semanalmente durante três anos seguidos, entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2022, em quatro locais de monitoramento – área de controle à montante, área atingida, área do reservatório da termoelétrica Igarapé e áreas naturais à jusante.
As amostras coletadas pelas empresas foram examinadas em laboratório para determinação da concentração de metais pesados presentes na água, como ferro (Fe), manganês (Mn), alumínio (Al), arsênio (As), chumbo (Pb) e fósforo (P).
Os resultados mostraram que, de fato, o Rio Paraopeba sofreu um nítido aumento de diversos contaminantes relacionados à exploração mineral, que persistem mesmo após três anos do rompimento até a data dos dados obtidos pelas equipes responsáveis pelo estudo.
Também foi verificado um processo de dissolução de minerais portadores de manganês (Mn) nas áreas atingidas e nas áreas do reservatório da termoelétrica Igarapé, localizada no município de Juatuba.
Adicionalmente, os resultados evidenciaram maiores concentrações de manganês (Mn) e ferro (Fe), nas áreas atingidas em comparação com outras zonas, tanto em termos totais quanto dissolvidos, com um aumento mais pronunciado desses elementos durante o período chuvoso.

Rio Paraopeba passando por Brumadinho (R1) | Aicó Culturas
O segundo artigo apresentado na matéria, foi publicado em outubro de 2021 na revista internacional Science of The Total Environment (Ciências do Ambiente Integral) e tem como título “Prognosis of metal concentrations in sediments and water of Paraopeba River following the collapse of B1 tailings dam in Brumadinho (Minas Gerais, Brazil)” – “Prognóstico de concentrações de metais em sedimentos e água do Rio Paraopeba após o rompimento da barragem de rejeitos B1 em Brumadinho (Minas Gerais, Brasil)”.
O estudo teve como objetivos:
1) avaliar a contaminação do Rio Paraopeba com rejeitos de ferro (Fe) e manganês (Mn), desde o encontro dele com o Ribeirão Ferro-carvão até o encontro com o Rio São Franciso, aproximadamente 340km abaixo da barragem B1;
2) avaliar a evolução da contaminação nos primeiros dois anos após o rompimento da barragem;
3) fornecer uma estimativa de quando a qualidade da água do rio retornaria às condições anteriores ao rompimento da barragem.
Para realização do estudo foram utilizados dados de sedimentos e qualidade da água de 27 dos 65 pontos de amostragem da Vale S.A ao longo dos rios Paraopeba e São Francisco, referentes ao “Plano de monitorização de emergência das águas superficiais e da qualidade dos sedimentos”.
As amostras foram coletadas diariamente pela Vale, de 25 de janeiro de 2019 (dia do rompimento), a 24 de março de 2020 e nelas foram avaliados 270 parâmetros diferentes. Os 27 pontos utilizados como referência para o estudo estão localizados ao longo de um trecho de 340 km do Rio Paraopeba até a confluência com o rio São Francisco.
O estudo analisou apenas 6 dos 270 parâmetros de qualidade da água: ferro dissolvido (Fe), alumínio (Al) e manganês (Mn); pH (nível de acidez ou alcalinidade de uma solução); sólidos suspensos e sedimentados.
A presença de metais funciona como indicador da contaminação da água.
O pH é utilizado para avaliar o impacto da acidez da água na concentração dos metais.
Os sólidos em suspensão e sedimentados são usados para examinar a interação entre a água e partes do sedimento.
A partir da relação entre a concentração de ferro (Fe) e alumínio (Al) nas amostras de sedimento coletadas o estudo apontou presença de rejeitos ao longo da bacia que, para a análise, foi dividida em setores denominados de “Anômalo”, para as regiões onde a relação entre ferro (Fe) e alumínio (Al) era maior e, portanto, com características mais próximas aos rejeitos; “Transição” onde essa relação era média e “Natural” onde a relação era baixa, sendo mais próxima à composição média dos ambientes sem rejeitos da região.
Também foram considerados para fins de comparação duas amostras coletadas em uma região acima do local do rompimento da barragem.
Em relação ao local do rompimento os setores considerados “Anômalo” foi até 63,3 KM, “Transição” foi de 63,3 KM até 115,8 Km e “Natural” foi de 115,8km a 341,6km respectivamente. Os pesquisadores consideraram que a relação entre manganês (Mn) e alumínio (Al) seguiram o mesmo padrão.
As conclusões do estudo indicam a influência dos rejeitos principalmente até os 115,8 km abaixo do local do rompimento, argumentando que o reservatório da termoelétrica Igarapé contribuiu para reter uma parte dos rejeitos.
Outra questão importante foi a identificação da capacidade dos metais transitarem entre o fundo do rio e sua corrente, dependendo das condições ambientais.
Os pesquisadores também dizem ter verificado um efeito de diluição do ferro a partir da contribuição dos afluentes do Rio Paraopeba, o que diminui sua concentração nos períodos chuvosos ao longo do rio. Avaliam que este é um fator que contribui para o retorno do rio ao seu estado anterior ao rompimento e que a alcalinidade da água também diminui a concentração de ferro.
Por fim, a partir da utilização de modelos matemáticos, entendem que o retorno do rio a sua condição pré-rompimento demoraria entre 7 e 11 anos. Apesar disso, consideram os resultados como preliminares por terem usado uma série de dados de curto prazo.
Os resultados ainda não são conclusivos e as recomendações de não utilização das águas do Rio Paraopeba se mantém

Rio Paraopeba em São Joaquim de Bicas (Região 2) | Foto: Rurian Valentino
Embora a matéria do jornal da Unesp tenha afirmado a possibilidade da utilização da água do Rio Paraopeba com tratamento adequado durante os períodos de seca, o que os estudos verificaram é que no período de seca existe uma diminuição na concentração dos metais encontrados na água, quando comparado ao período chuvoso. Isso não significa que a água possa ser de fato utilizada, pois o estudo não apontou exatamente qual seria o “tratamento adequado”, qual a diferença deste tratamento para o tratamento convencional ou quem seria responsável por realizar tal tratamento.
Quanto à recuperação do Rio Paraopeba, a previsão de 7 a 11 anos apresenta limitações e incertezas, tanto em relação à estimativa de tempo necessário para recuperação do rio, quanto aos usos futuros, como apontado pelo próprio estudo.
Por fim, é importante lembrar que os pesquisadores indicaram que será elaborado um terceiro artigo científico, com o objetivo de revisar os dados dos dois estudos já publicados, ou seja, os resultados serão reavaliados.
Entendemos também que o título da matéria veiculada pelo jornal da Unesp pode levar a um entendimento equivocado quanto aos resultados dos estudos apresentados, tendo colocado em destaque uma percepção dos pesquisadores, que não representa a recomendação dos órgãos ambientais responsáveis por avaliar e indicar os usos seguros da água. Essa situação é ainda mais relevante quando levamos em consideração que, muitas vezes, matérias de jornal, rádios, televisão, entre outros, são as únicas fontes de informação acessíveis à população com relação aos processos de reparação.
Assim, a população deve continuar seguindo as orientações dos órgãos ambientais, sobretudo do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), responsável pela gestão das águas em Minas Gerais. No último Boletim Informativo do Cidadão (nº 48, de maio de 2023), o IGAM mantém recomendação da não utilização da água do Rio Paraopeba no trecho entre Brumadinho e o município de Pompéu, localizado a aproximadamente 250 km de distância do rompimento.
Os Boletins Informativos publicados pelo IGAM podem ser acessados aqui: http://repositorioigam.meioambiente.mg.gov.br/handle/123456789/4299
Atingidos pedem participação e transparência nas ações da reparação socioambiental do Anexo II do Acordo Judicial, relembre:
Os Coletivos de Reparação Socioambiental são grupos formados por pessoas atingidas das Regiões 1 e 2 da Bacia do Rio Paraopeba, incluindo os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs).
Seus objetivos são avaliar, discutir, construir criticamente e coletivizar o debate sobre a elaboração, desenvolvimento e avaliação do Plano de Reparação Socioambiental da Bacia do Paraopeba, atualmente em elaboração pela empresa Arcadis.
No final do ano de 2022 esses Coletivos enviaram aos Compromitentes do Acordo Judicial, uma Carta-manifesto com críticas sobre o processo de desenvolvimento do Plano de Reparação Socioambiental (PRSA), junto ao Produto K, solicitado pelas Instituições de Justiça e com solicitações para garantia da participação, acesso à informação e transparência das ações de reparação socioambiental.
Tal carta, até a data de publicação da presente matéria, não foi respondida.
Texto: Operativo Reparação Socioambiental – Aedas Paraopeba