Estudo confirma a presença de bactérias resistentes a antibióticos no Rio Paraopeba
A Aedas entrevistou Luana Prata, atingida da comunidade de Palhano, em Brumadinho, que atua como pesquisadora há 20 anos, mestre e doutora em patologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fundadora do Núcleo de Pesquisa Clínica nos Hospitais de Belo Horizonte, para compartilhar suas impressões acerca do estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e publicado este ano de 2023.

Entre os danos mais evidentes causados pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, pertencente a Vale S.A, em Brumadinho, estão as alterações da relação da população atingida com o Rio Paraopeba.
Após o rompimento, o poder público proibiu o uso e consumo da água e do pescado, bem como a realização de atividades de lazer e manifestações culturais e religiosas no rio. Essa proibição mudou drasticamente o modo de viver das comunidades ao redor do Rio Paraopeba.
A Aedas possui estudos realizados por consultorias contratadas de levantamento de danos ambientais e potenciais riscos à saúde humana nas comunidades de Brumadinho, cujos relatórios estão disponíveis em nosso site.
O medo da contaminação por metais pesados pelo contato com a água, lama e consumo de pescado do Rio Paraopeba está entre as principais preocupações da população atingida. A esse receio, soma-se agora a notícia, amplamente divulgada pela mídia, sobre o estudo produzido por um grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro que identificou a existência de “superbactérias” nas águas do Rio Paraopeba.
O termo “superbactérias” é utilizado porque o estudo, publicado na revista científica Science of the Total Environment, mostrou que o rompimento induziu o crescimento de bactérias no Rio Paraopeba e o aumento da resistência a antibióticos de uso frequente na clínica médica como Amoxicilina/Clavulanato, Meropenem, entre outros.
Os resultados da pesquisa, realizada logo após o desastre-crime, confirmaram que todas as amostras coletadas evidenciam que as bactérias isoladas são resistentes a pelo menos um antibiótico.
Para a revista Piauí, o oceanólogo Fabiano Thompson, da UFRJ, um dos autores do artigo, apontou uma conexão direta do rejeito despejado nas águas com o problema em questão: “A lama induziu o aumento da resistência aos antibióticos no Rio Paraopeba (…) Aquele ambiente é propício para a amplificação dessa resistência.”, afirmou.
Confira a Entrevista

Em entrevista, Dra. Luana Prata, atingida da comunidade de Palhano, em Brumadinho, compartilhou suas impressões sobre o estudo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), publicado neste ano na revista internacional de Ciência Ambiental.
Aedas: No seu entendimento, por que bactérias presentes no Rio Paraopeba mostraram resistência aos antibióticos depois do rompimento?
Dra Luana Prata: Atualmente, a resistência das bactérias aos antibióticos é um problema global. Essa resistência é decorrente das mutações adquiridas pelas bactérias devido a diversos fatores, como por exemplo o meio em que se habita. Na literatura científica, estudos demonstram que a poluição das águas dos rios por metais aumenta a resistência das bactérias aos antibióticos, pois ambientes ricos em metais pesados resultam em mutações genéticas e aumento da expressão de genes bacterianos resistentes a metais e aos antibióticos (Yi e colaboradores em 2022; Gupta e colaboradores 2023). A poluição por metais pode exacerbar a expressão de genes resistentes a BETA-lactâmicos, quinolonas, aminoglicosídeos, tetraciclinas, sulfonamidas, fenicóis, macrolídeos, glicopeptídeos e polimixinas. Entretanto, outros autores como Li em 2017 e Thomas em 2020, mostram que essa resistência a antibióticos e aos metais ocorre simultaneamente. Diante dos achados na literatura científica, Thompson no presente estudo, traz a compreensão do microbioma do rio Paraopeba e sua resistência analisada, pela primeira vez, através de avaliação metagenômica sistemática. Os resultados esclarecem que as mudanças nos perfis da comunidade dessas bactérias no rio Paraopeba foram contribuídas e induzidas pela contaminação de metais pesados (Thompson e colaboradores 2023).
Aedas: Pode existir alguma relação entre a proliferação das “superbactérias” com as enchentes na Bacia do Rio Paraopeba?
LP: Não importa a causa, as enchentes costumam provocar o aparecimento de doenças pois transbordam rios e carregam consigo a lama, o lixo e o esgoto para dentro das casas e meios comunitários aumentando os riscos de contágio. A transmissão acontece por meio de contato com a pele, mucosas (boca, nariz, olhos e mucosas de genitais), ingestão de alimentos e líquidos contaminados. Há doenças comuns decorrentes de enchentes como a leptospirose, diarreias causadas por infecção por Escherichia coli, febre tifóide e hepatites. No meu entendimento, após o rompimento da barragem e na compreensão dos estudos científicos publicados recentemente, as enchentes levam a água juntamente com os metais pesados e os patógenos presentes em contato direto com a vida humana e animal podendo contaminar mais facilmente. Portanto, as enchentes podem acelerar o processo de contaminação por contato direto.
Aedas: Na sua compreensão, qual o risco e por quais meios que a população atingida e a vida silvestre têm de contaminação pelas “superbactérias”?
LP: Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde / Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS), a resistência antimicrobiana coloca em risco a eficácia da prevenção e do tratamento de um número cada vez maior de infecções por vírus, bactérias, fungos e parasitas. Frente ao crescimento bacteriano e sua resistência aos antibióticos após o rompimento da barragem, a vida humana e animal é colocada em risco pela contaminação ainda facilitada pelas enchentes. Como resultado da contaminação por microrganismos resistentes, os medicamentos se tornam menos eficazes e as infecções persistentes de difícil tratamento podem levar a transmissão facilitada a outras pessoas, representando uma ameaça crescente à saúde pública da população atingida.
É importante ressaltar que novos mecanismos de resistência estão surgindo e se espalham pelo mundo ameaçando a capacidade de tratamento das doenças infecciosas comuns, o que pode resultar em doenças prolongadas, incapacidade e morte. Além disso, essa resistência aumenta o custo da atenção médica com estadias mais longas em hospitais e necessidade de cuidados mais intensivos.
Aedas: Quais cuidados a população deve tomar para evitar uma possível contaminação pelas “superbactérias”?
LP: As orientações são: ficar atentos a coloração da água dos poços artesianos e/ou encanamentos; manter os recipientes de armazenamento de água sempre limpos e bem fechados; ingerir apenas água tratada filtrada ou fervida; higienizar os alimentos com água potável ou previamente fervida antes de consumi-los; utilizar calçados fechados em ambientes públicos atingidos pelas enchentes e/ou lama; evitar o contato das mãos com as mucosas dos olhos, boca e nariz antes de higienizá-las; evitar o consumo de alimentos em contato direto com a água ou irrigados pela mesma; lavar adequadamente as mãos com água corrente e sabão primordialmente após o contato com a água do rio contaminada ou contato com pessoas e/ou animais sabidamente infectados. Procurar ajuda e avaliação médica no caso de aparecimento de quaisquer sintomas assim como diarreia, irritações cutâneas, sintomas respiratórios e urinários, entre outros.
Aedas: Na sua opinião, quais medidas o poder público deve tomar para garantir a segurança da população atingida?
LP: De acordo com Thompson e colaboradores, o estudo publicado em 2023 complementando estudos realizados pelos autores anteriormente, demonstram que a disseminação de bactérias resistentes a antibióticos no rio Paraopeba é preocupante, assim como a exacerbação dos indicadores de contaminação de esgoto e da lama de rejeito. Para se obter uma medida emergencial de contato e consumo desta água é necessário e de extrema importância que se inclua os resultados de estudos do microbioma nas avaliações e monitoramento de programas do meio ambiente e da saúde pública.
Desde a publicação do estudo, as manifestações de preocupação das pessoas atingidas assessoradas pela Aedas com a possibilidade de contaminação pelo contato com a água do Rio Paraopeba aumentou expressivamente.
Tais preocupações foram pautadas na reunião realizada no último dia 18 de janeiro pelo Coletivo de Saúde e Meio Ambiente da Região 01 (Brumadinho), grupo formado por atingidos e atingidas para o debate de assuntos e questões relacionados à saúde e ao meio ambiente.
Encaminhamento do Coletivo de Saúde e Meio Ambiente
Como encaminhamento da reunião do Coletivo de Saúde e Meio Ambiente de Brumadinho, a Aedas enviou um ofício aos órgãos responsáveis da Prefeitura de Brumadinho e do Governo do Estado de Minas Gerais, além do Ministério Público Estadual de MG e a Defensoria Pública Estadual de MG. Neste documento, a Aedas apresenta as preocupações e reinvindicações da população atingida, requerendo informações sobre:
- quais medidas os órgãos de Vigilância Sanitária e Abastecimento, municipais e estaduais, estão tomando frente a publicação do recente estudo que aponta para a existência de tais bactérias no curso do Rio Paraopeba;
- quais medidas estão sendo tomadas pelos entes federativos municipais e estaduais do Sistema Único de Saúde para identificação de possíveis casos de contaminação e adoecimentos associados a tais bactérias;
- quais medidas estão sendo tomadas para evitar o uso e consumo para fins humanos, dessedentação animal, irrigação, atividades de lazer e outras com uso/consumo/contato com as águas do Rio Paraopeba, bem como para evitar a pesca, o consumo e a comercialização do pescado oriundos do rio;
- quais medidas estão sendo tomadas para evitar o contato da população atingida com as águas e a lama do Rio Paraopeba em razão das cheias no período chuvoso;
- se há previsão, solicitação ou inclusão de estudos específicos que avaliam o risco à saúde da população atingida e ao meio ambiente no rol de trabalhos do Comitê Técnico-Científico da Universidade Federal de Minas Gerais, atuante como perita do juiz; e, de forma igual no Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE) conduzido pelo Grupo EPA, conforme o Acordo Global de Reparação.
Além das informações, por meio do ofício, a Aedas apresenta a reinvindicação da população por uma reunião sobre o tema com os órgãos citados, bem como que estes respondam o ofício até 23 de janeiro de 2023.
Até a construção desta matéria não recebemos retorno dos órgãos públicos referente ao ofício enviado pela Aedas.
A entrevista com Luana Prata foi publicada na 15ª edição do Jornal Vozes do Paraopeba. Você pode conferir as outras matérias acessando a versão digital ou solicitar uma versão impressa ao mobilizador ou mobilizadora que acompanha sua comunidade.
Texto: Felipe Cunha, Lucas Rodrigues e Camila Magalhães