Dentre os produtos, diversas espécies de hortaliças, flores, plantas medicinais e frutíferas listadas por agricultoras atingidas. 

Um desastre ambiental e social, como o rompimento da Barragem da Vale S.A., tem capacidade de alterar o equilíbrio produtivo e financeiro de milhares de famílias, afetando profundamente a saúde mental e física de seus membros. 

Na Região 2, um estudo buscou analisar os danos provocados aos animais e à agricultura nos municípios de Betim, Juatuba, Mário Campos, São Joaquim de Bicas e Igarapé. A Região, como um todo, se estende mais de 650 quilômetros quadrados, reunindo uma população de aproximadamente 564 mil habitantes. 

O estudo foi realizado pela Fundação Apolônio Sales de Desenvolvimento Educacional (FADURPE). Os relatos das mulheres sobre os impactos do rompimento da barragem, a partir da agricultura e da criação animal, também foram analisados pela consultoria. 

mamão agricultura
Fotos: Valmir Macêdo/Aedas

“A visão da mulher na questão da renda, da sobrecarga de trabalho, da soberania alimentar, da venda de um produto de porta em porta ou da troca com um vizinho, essa relação também foi quebrada com o rompimento” 

explica Airlys Ramos, técnica da Aedas na equipe de Economia, Trabalho e Renda.
Mapas da Sociobiodiversidade 

Foram realizados 35 mapas da sociobiodiversidade nas oficinas de levantamento de danos nos cinco municípios da Região 2. Nesses mapas, as agricultoras desenharam como eram seus sistemas produtivos antes do rompimento da barragem e como ficaram após o rompimento.  

A partir do uso dessa técnica, foram identificadas mais de 122 variedades de produtos animais e vegetais. Essas foram algumas das variedades que as agricultoras plantavam e que tiveram perda total da produção. 

HORTALIÇAS 

Aipim, arroz branco, batata-doce roxa, batata-doce branca, capim, cará, fava branca, fava rajada, feijão branco, feijão carioca, feijão mulatinho, feijão rajado, feijão vermelho, inhame de umbigo, mandioca, milho comum, milho branco, milho pipoca. 

FLORES 

Gérbera, margarida, rosa amarela, rosa vermelha, rosa. 

PLANTAS MEDICINAS 

Açafrão, alecrim, alfavaca, babosa, bardana, boldo, boldo do chile, camomila, canela de velho, erva-cidreira, flor de algodão, funcho,  hortelã miúda, hortelã pimenta, macela, manjericão, melão de são caetano, ora-pro-nobis, pariri, pinhão roxo, poejo. 

FRUTÍFERAS 

Abacate manteiga, açaí, acerola, amora, banana 3 quinas, banana caturra, banana caturrinha, cagaita, caju, caqui, coco, fruta pão, goiaba branca, goiaba vermelha, graviola, jaca, laranja amarga, laranja bahia, limão capeta, limão comum, mamão formosa, manga coquinho, manga rosa, manga tommy, mexerica, pera, pinha, pitanga, romã. 

Insegurança na qualidade  

A estigmatização em relação à contaminação dos produtos é outro fator que gerou impacto negativo na atividade agrícola. Nesse sentido, diversas famílias relataram a perda de clientes em decorrência do estigma da contaminação, em que as pessoas dizem ter medo de comprar os produtos da região pois acreditam que estão contaminados fazem mal à saúde. 

 

PRODUTO-5-RESULTADOS PARCIAIS (Clique para acessar)
PRODUTO-6-RESULTADO FINAL (Clique para acessar)
Danos aos animais 

Do total de 68 pessoas entrevistadas na Região 02, o estudo apontou que 55 delas, ou seja, a maioria, possuía animais de produção. A avicultura é a criação animal mais presente nos municípios da Região 02, com destaque para a criação de galinhas. A bovinocultura compõe o segundo tipo de criação animal para produção mais presente nos municípios. Já em terceiro lugar, encontra-se a suinocultura, a criação de porcos.

galo agricultura

“Na situação atual, elas [atingidas entrevistadas] afirmam que desapareceram os peixes, morreram muitos animais e plantas e ainda que tudo isso atingiu diretamente a criação de animais para produção e os animais domésticos, bem como os produtos de origem animal, comprometendo severamente a segurança e a soberania alimentar”, aponta trecho do estudo. 
 

O estudo organizou os impactos causados em seis grandes “eixos” de danos  

1 – Danos ao rio e outras águas: um vetor perene de danos; 

2-  Danos ao trabalho, à renda e à economia de autossustento; 

3- Danos ao tecido social, composto pelas formas de ser, fazer e viver de uma comunidade. 

4-  Danos à imagem e à identidade; a estigmatização (fama negativa) em relação à contaminação dos produtos da agricultura. 

5- Danos do ecossistema perceptíveis às pessoas atingidas; e 

6- Danos coletivos à saúde por conta da interrupção dos trabalhos da agricultura. 

Moradores atingidos às margens do Rio Paraopeba na Região 2. Foto: Rurian Valentino/Aedas
Quando as pesquisas ocorreram 

O início dos trabalhos de campo ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 2021, de maneira presencial, envolvendo visitas às comunidades, pequenas entrevistas com pessoas atingidas e cinco oficinas nos municípios da R2. Após esse período, de março a novembro, as demais atividades previstas para acontecerem de forma presencial foram suspensas pelas medidas de isolamento social de enfrentamento à Covid-19.  

vaca agricultura
Rio da Vida 

O Rio da Vida é uma adaptação da técnica da Linha do Tempo, cujo objetivo é identificar os marcos de mudanças na vida de um coletivo durante um determinado período. No caso da Região 02, o uso dessa técnica contribuiu para o entendimento das mudanças na vida das pessoas a partir da percepção das mulheres sobre o antes e o depois do rompimento da barragem. 

Além do Rio da Vida e do Mapa da Sociobiodiversidade, o estudo também utilizou Cadernetas Agroecológicas no levantamento de dados. 

Mãe e filha durante espaço participativo da Aedas em Betim, na Região 2. Foto: Valmir Macêdo/Aedas
Danos às mulheres 

Os relatos das mulheres sobre os impactos do rompimento da barragem nos campos da produção de alimentos e geração de renda, a partir da agricultura e da criação animal, ocuparam um espaço na identificação e observação dos danos. De acordo com o estudo, foi possível incluir questões subjetivas de grande capacidade de geração de danos, apontadas pelas mulheres, presentes na região depois do rompimento, que, somadas às questões objetivas, finalmente possibilitaram a elaboração de um quadro mais aproximado das dimensões da tragédia. 

Algumas demandas emergenciais levantadas 

Análises sobre a qualidade das águas (rios, córregos permanentes, lagos, açudes e poços);  

Análises sobre a qualidade do solo;  

Análises sobre a qualidade do ar. 

Aumento da oferta de água pela Vale S.A. para dessedentação de animais. 

Aumento da oferta de água para beber e uso doméstico 

Aumento no fornecimento de sementes e adubos. 

Fornecimento de vacinas, remédios e suplementos. 

Campanha de esclarecimento à população objetivando desfazer a estigmatização contra os produtos da região. 

Recadastramento, para atualizar, não somente quantidade e qualidade dos danos, mas para incluir novos titulares de direitos a reparações e benefícios. 

Ressarcimento integral dos danos 

Ideias para recuperação econômica da agricultura e pecuária  

• Assentamento das famílias de agricultores e agricultoras que cultivavam as terras como meeiras, ou em posses precárias, às margens do Rio Paraopeba em lotes com condições de produção; 

• abertura de crédito subsidiado para moradores locais e pequenos comércios, de modo a investir na recuperação dos seus modos de vida e sistemas de geração de renda; 

• estímulos à recuperação do comércio de mercadorias produzidas localmente -estímulos fiscais para comerciantes adquirirem os produtos produzidos pelas unidades de produção local, que estejam livres de contaminação por elementos tóxicos; 

• elaboração deum plano municipal de produção agroecológica de alimentos e campanhas de consumo consciente para recuperação de níveis adequados de segurança alimentar e superação do estigma da contaminação de alimentos; 

• elaboração de um Programa de recuperação das vias de acesso e outras obras públicas, com emprego de mão de obra local para geração de postos de trabalho em nível local; 

• fortalecimento de circuitos curtos de comercialização, com investimentos em feiras da agricultura familiar, formação de Comunidades que sustentam a agricultura (CSA), Sistemas Participativos de Garantia (SPG) e redes de comercialização online; 

• estímulos à produção e à comercialização de ovos e galinhas de capoeira em sistemas agroecológicos; 

• elaboração de Programas transitórios de compensação de perdas para recomposição de preços ao produtor sem onerar o consumidor (subsídio programado). 

Incentivos para a recuperação da atividade do turismo e recreação 

• Treinamento e capacitação para hotelaria e atividades correlatas para aproveitamento do potencial de turismo rural, turismo de aventura, e turismo de natureza (ecoturismo); 

• subsídios e créditos subsidiados para ampliação dos equipamentos de turismo, como pousadas, restaurantes, ambientação urbana, etc. 

Investimentos em segurança  

• Reforço ao patrulhamento para prevenção de saques e vandalismo; 

• instalação de sistemas de informação e tecnologia para coibir práticas de poluição e crimes ambientais. 

Incentivos à educação, para prevenção da violência e promoção da paz 

• Investimento em educação de base com alimentação adequada vinculadas à produção local de alimentos; 

• educação para qualificação profissional da juventude e para requalificação profissional visando as mudanças após o fim da mineração; 

• campanhas educativas sobre preservação do patrimônio imaterial da sociedade; 

• inserção, nos currículos escolares, de tópicos sobre os impactos da atividade de mineração e os riscos a elas associados. 

Outros investimentos relacionados às políticas públicas para a população local 

• Investimentos na descentralização de fontes de captação e armazenamento de água em tanques para água da chuva, poços em aquíferos livres de contaminação, preservação de nascentes de água, aliados a um monitoramento permanente da qualidade das fontes em parceria com a COPASA; 

• campanhas de prevenção e combate a zoonoses, de adoção de animais, vacinação e castração gratuita, para animais de companhia da população; 

• investimentos em estruturas de saúde para tratamento da população afetada e medidas de saúde preventivas diante do impacto da mineração; 

• ampliação do controle social sobre a aplicação dos royalties da mineração (Conselho Municipal de Controle dos Royalties); 

• Elaboração de um Plano de diversificação econômica para o período pós-mineração; 

• Decretação de feriado municipal em memória e homenagem às vítimas da Vale S.A. 

Este material faz parte de uma coletânea de sínteses, extraídas de estudos e levantamentos dos danos realizadas pelas consultorias contratadas pela Aedas na Região 2.
Acesse também o estudo dos danos à agricultura e animais na Região 1 (Brumadinho) da Bacia do Paraopeba.

Texto: Valmir Macêdo com informações da equipe de Economia, Trabalho e Renda da Região 2