Escutar as demandas e construir políticas públicas efetivas são passos fundamentais para uma reparação justa e integral

Foto: Felipe Cunha/Aedas

Mais de seis anos após o desastre-crime ocorrido em Brumadinho e que atingiu a Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias, os danos na saúde marcam o cotidiano das comunidades. Por isso, compreender esses danos, escutar as demandas e construir políticas públicas efetivas são passos fundamentais para uma reparação justa e integral.  

Para isso, a equipe de comunicação da Aedas entrevistou Cláudia Simões, da equipe de Marcadores Sociais das Diferenças (MSD), sobre os desafios e as ações voltadas para a saúde no processo de reparação. 

Leia a entrevista abaixo:

Claudia, você poderia nos explicar sobre o documento “Levantamento de danos à saúde em territórios atingidos assessorados pela Aedas”?

Claro! Esse documento foi elaborado pela Aedas a partir de um pedido da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, por meio de um grupo de trabalho que está construindo o Plano Estadual de Atenção à Saúde de Populações Atingidas por Desastres Minerários e Residentes em Regiões Minerárias.  

Na última reunião desse grupo, em dezembro de 2024, foi solicitado que as Assessorias Técnicas Independentes compartilhassem informações já levantadas sobre como as pessoas atingidas percebem os danos na saúde em seus territórios.  

Diante disso, nós, da Aedas, organizamos e sistematizamos dados que já vinham sendo coletados nos nossos projetos, especialmente por meio das consultorias de levantamento de danos socioambientais e à saúde e no contato direto com as pessoas atingidas nos espaços participativos ou por meio virtual. Em Itatiaiuçu, também utilizamos informações do diagnóstico socioeconômico que realizamos por lá. O resultado desse esforço coletivo é o documento que agora foi publicado e está disponível para leitura. 

E quais os principais problemas de saúde física e mental identificados nas populações atingidas da Região 1, que inclui Brumadinho, contido neste levantamento que a Aedas construiu?  

Para fins de organização e análise, fazemos uma separação didática entre saúde física e saúde mental, mas é importante lembrar que, na realidade, esses aspectos estão profundamente interligados. No levantamento realizado pela Aedas em Brumadinho, as pessoas atingidas relataram diversos problemas de saúde física, como o agravamento de doenças crônicas, como pressão alta, diabetes, problemas respiratórios e dores musculares ou articulares. Também houve relatos de surgimento ou piora de alergias, problemas de pele e alterações gastrointestinais. Esses sintomas, muitas vezes, estão associados à preocupação com a qualidade da água, do ar e dos alimentos, e ao contato com rejeitos.  

Já no campo da saúde mental, os danos são profundos e contínuos. Muitas pessoas relataram sentimentos de tristeza, medo, angústia, insônia, ansiedade e crises de pânico. Também é comum a sensação de insegurança, desamparo, perda do sentido de pertencimento e até mesmo dificuldades para planejar o futuro. Esses sofrimentos estão ligados às perdas materiais, à ruptura do modo de vida, à falta de respostas sobre reparação e à incerteza sobre o futuro. 

Ressalto que a separação entre saúde física e saúde mental pode ser útil para fins didáticos, apenas para ajudar na compreensão da manifestação dos sintomas. No entanto, é fundamental ressaltar que, na realidade, corpo e mente estão profundamente conectados, e que os sofrimentos não se apresentam de forma separada. Por isso, mesmo que essa divisão seja usada como ferramenta explicativa, o cuidado em saúde precisa sempre partir de uma perspectiva integral, que leve em conta as múltiplas dimensões da vida das pessoas e suas relações com o território. 

E na Região 2, quais foram os principais danos relatados pela população? 

Na Região 2, que envolve os municípios de Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Igarapé, Betim, Juatuba e Mateus Leme, os danos à saúde relatados pelas pessoas atingidas também são muito significativos. Quanto aos sintomas que se expressam na saúde física, os relatos mais frequentes envolvem agravamento de doenças como hipertensão, diabetes, problemas respiratórios e de pele. Muitas pessoas também relataram dores no corpo e surgimento de sintomas relacionados ao estresse, como palpitações, insônia e alterações gastrointestinais. Além disso, há preocupações constantes com a qualidade da água e possíveis contaminações, o que gera insegurança no dia a dia. 

Na saúde mental, o sofrimento se expressa de várias formas: tristeza constante, ansiedade, sensação de abandono, medo de novas tragédias e muita dificuldade em confiar nas instituições. Em alguns casos, as pessoas relatam até sintomas de depressão e crises de pânico. Um ponto que aparece com força na Região 2 é o sentimento de invisibilidade — como se o rompimento tivesse atingido diretamente só Brumadinho, quando, na verdade, a lama e seus danos chegaram também aos rios, às casas, à rotina e à saúde de muitas famílias desses municípios. 

Quais são as dificuldades relatadas pelas pessoas atingidas no acesso aos serviços de saúde depois do desastre-crime?  

A dificuldade no acesso aos serviços de saúde foi mencionada nas consultorias de levantamento de danos à saúde feitas nas Regiões 1 e 2. Entre os principais problemas citados estão a sobrecarga do sistema de saúde, a falta de médicos especialistas, a falta de medicamentos, o baixo acolhimento por parte das equipes e a má qualidade dos atendimentos. Na Região 1, por exemplo, foi apontada também a falta de reorganização do sistema de saúde local para dar conta das novas demandas surgidas com o desastre-crime.  

O que a gente percebe, ouvindo as comunidades, é que o sistema de saúde está sobrecarregado e não foi preparado para acolher e encaminhar adequadamente as demandas dessas populações, que são muito específicas e complexas. 

Isso reforça a importância de se pensar políticas públicas específicas e estruturadas, como o Plano Estadual para atenção integral à saúde e o Protocolo de Assistência à Saúde de populações atingidas, para garantir que os serviços estejam equipados e as equipes bem-preparadas para receberem as pessoas que vivem cercadas pela mineração. 

O que é o Grupo de Trabalho de Saúde, chamado GT saúde, coordenado pela Secretaria de Estado de Saúde e com participação das pessoas atingidas?  

O Grupo de Trabalho — que a gente chama de GT Saúde — foi criado a partir de uma deliberação da Comissão Intergestores Bipartite do SUS em Minas Gerais, do dia 21 de agosto de 2024. Essa Comissão reúne representantes da Secretaria de Estado de Saúde e das secretarias municipais, e foi ela que aprovou a criação do GT como uma estratégia para construir o Plano Estadual para Atenção voltada especificamente para as populações atingidas por mineração e desastres minerários. 

O GT é composto por representantes da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, do Conselho Estadual de Saúde, do Ministério da Saúde, de instituições como a Fundação Estadual do Meio Ambiente, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e representantes dos municípios atingidos da Bacia do Rio Doce e da bacia do Paraopeba. Ou seja, ele é um espaço importante de diálogo e construção coletiva, onde as vozes dos territórios são levadas em conta para pensar ações mais efetivas na área saúde. 

A principal missão desse Grupo é elaborar o Plano Estadual de Atenção Integral à Saúde das Populações Atingidas por desastres minerários e residentes em regiões minerárias. Um plano que leve em consideração os danos reais vividos pelas comunidades e que proponha ações concretas para melhorar o acesso ao cuidado em saúde em todo o estado. 

Cabe ressaltar que a Aedas formalmente não compõe o GT, mas acompanhamos as reuniões com o intuito de auxiliar a participação informada dos representantes das regiões assessoradas e contribuir com informações que qualifiquem a elaboração do Plano.  

E o que é esse Plano, chamado de “Plano Estadual para Atenção Integral à Saúde das Populações Atingidas por Desastres Minerários e Residentes em áreas Minerárias”? Como que ele pode ajudar no acesso à saúde das pessoas atingidas? 

O Plano Estadual para Atenção Integral à Saúde das Populações Atingidas por Desastres Minerários e Residentes em Áreas Minerárias é um documento orientador, elaborado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, que busca garantir que o cuidado em saúde chegue de forma mais justa e completa às pessoas que vivem em territórios atingidos pela mineração. 

O objetivo do Plano é fortalecer a articulação das políticas públicas de saúde em todo o estado, levando em conta o contexto específico de quem vive em regiões mineradas ou foi atingido por desastres como o rompimento de barragens. Ou seja, ele propõe um olhar integral, que inclui desde o atendimento básico, como os postos de saúde, até o atendimento especializado e hospitalar, além de ações de promoção da saúde e vigilância em saúde ambiental. 

Um dos pontos mais importantes do Plano é o chamado Plano Operativo, que vai detalhar quais ações precisam ser colocadas em prática e como isso será feito nos diferentes municípios. A expectativa é que, com isso, o acesso à saúde melhore, e as pessoas atingidas consigam atendimento mais adequado, de acordo com suas necessidades reais. 

Além disso, o Plano prevê que sua execução será monitorada a cada quatro meses, com base em ferramentas do SUS, e que haverá participação da sociedade nesse processo. Isso é muito importante porque cria um espaço de controle social, ou seja, um espaço para que as comunidades também acompanhem e cobrem a aplicação do que foi planejado. 

Então, esse Plano é um avanço importante e pode se tornar uma ferramenta concreta para melhorar a saúde e a vida das pessoas atingidas pela mineração em Minas Gerais. 

Você poderia nos lembrar o que é o Protocolo de Saúde das Pessoas Atingidas e qual é seu principal objetivo?

Primeiramente, o que a gente vem chamando apenas de “Protocolo de Saúde” é o “Protocolo de Assistência à Saúde aos Casos de Exposição a Substâncias Químicas Decorrentes da Atividade Minerária”. É um documento elaborado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais com o objetivo de orientar as equipes de saúde sobre como identificar, atender e acompanhar pessoas que possam ter sido expostas a substâncias químicas liberadas pela atividade minerária, como acontece em casos de rompimento ou risco de rompimento de barragens. O protocolo traz diretrizes importantes para qualificar o atendimento nas unidades de saúde, indicando como deve ser feito o acolhimento, o registro e o acompanhamento dos sintomas relacionados a essa exposição. Ou seja, o protocolo busca garantir uma resposta mais estruturada do SUS, orientando os profissionais da saúde básica, especializada e hospitalar sobre como agir nesses casos.  

Por isso, ele é uma ferramenta estratégica para fortalecer a vigilância em saúde ambiental, garantir o direito das pessoas atingidas ao cuidado e para produzir dados que ajudem na formulação de políticas públicas mais eficazes para os territórios minerários. 

É importante lembrar que esse protocolo é uma pauta de luta antiga, que vem desde o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, em 2015. E só agora, quase 10 anos depois é que ele está sendo de fato estruturado. Esse fato é um alerta, pois a demora nas ações em saúde pode ser fatal para as pessoas expostas a essas substâncias químicas produzidas pela mineração.   

Como ele foi construído e quem participou da sua elaboração?  

A construção do Protocolo de Saúde teve como marco inicial a publicação da resolução de nº 9113, do dia 7 de novembro de 2023, pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Essa resolução tornou pública uma Nota Técnica (nº 5/SES/SUBPAS/2023), que define estratégias e diretrizes para organizar e qualificar, no âmbito do SUS, o atendimento aos casos de exposição a substâncias químicas associadas à atividade minerária. 

Como desdobramento, foi criado um Grupo de Trabalho composto por técnicos da própria Secretaria e outros atores convidados, com o objetivo de desenvolver uma base técnica e teórica que proponha ações de cuidado e acompanhamento desses casos, além de estudar a viabilidade do Protocolo.  

O levantamento técnico realizado pelo GT tem sido debatido com o Ministério da Saúde, com a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) e com outros especialistas. Além disso, estão sendo conduzidas avaliações complementares, como estudos de custo e efetividade.  

É importante ressaltar que não se trata do mesmo grupo de trabalho que está estruturando o Plano Estadual. São ações distintas executadas pela mesma Secretaria. 

Em que etapa ou fase o Protocolo de Saúde está atualmente? Já foi validado com os órgãos públicos e a comunidade?  

Atualmente, o Protocolo de Saúde está na fase de construção e validação por meio de consultas públicas. A primeira Consulta Pública foi realizada entre os dias 20 de maio e 20 de agosto de 2024, e teve como objetivo receber contribuições da sociedade sobre o conteúdo do Protocolo. Essa etapa é um importante mecanismo de participação social, com caráter consultivo e aberto a qualquer pessoa interessada no tema. 

Após a análise das contribuições recebidas nessa primeira fase, uma segunda Consulta Pública foi aberta entre fevereiro e abril de 2025, permitindo o aprofundamento do debate e o aprimoramento do texto. Portanto, o Protocolo ainda está em processo de consolidação, passando por ajustes com base nas contribuições do público em geral e especialistas.  

A Aedas promoveu um debate sobre a consulta pública com as Comissões de Atingidos (as) das Regiões 1 e 2, que resultou em um documento elaborado pela nossa equipe técnica com as contribuições e sugestões das pessoas atingidas. Esse documento foi entregue à SES e as contribuições foram registradas na última consulta pública. 

De que maneira as informações coletadas pelas equipes da Aedas ajudam na construção de políticas públicas? Esses dados são compartilhados com os órgãos responsáveis? Se sim, que órgãos são esses?  

As informações que coletamos nos territórios com as comunidades atingidas são fundamentais para a construção de políticas públicas, porque mostram de forma concreta como o rompimento ou a ameaça de rompimento de barragens atinge a saúde das pessoas atingidas. 

Nas análises feitas pelas equipes da Aedas, tanto na bacia do Paraopeba quanto na do Rio Doce, e em Itatiaiuçu, que convive com o risco sem ter tido um rompimento, identificamos problemas recorrentes: dermatites, alergias, problemas respiratórios, renais e gastrointestinais, além do aumento no uso abusivo de álcool e outras drogas. E, principalmente, um crescimento expressivo nos casos de sofrimento e adoecimento mental — como ansiedade, depressão e crises de pânico. 

Esses dados mostram que o dano à saúde não depende só de a lama chegar fisicamente. O medo, a insegurança, a incerteza, a ruptura dos modos de vida — tudo isso já é suficiente para causar danos profundos. Isso amplia nosso olhar para além dos territórios diretamente atingidos pela lama, e nos faz pensar em todas as regiões mineradas de Minas Gerais, o estado mais minerado do país. E aí entra a importância de políticas públicas específicas, que reconheçam essa realidade e atendam essas populações de forma integral. 

Essas informações que a Aedas levanta são, sim, compartilhadas com os órgãos responsáveis. No caso desse levantamento mais recente, os dados foram enviados à Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, especialmente ao Núcleo de Ações Reparatórias, que até então coordenava o Grupo de Trabalho responsável por construir o Plano Estadual de Atenção Integral à Saúde das Populações Atingidas. 

Ou seja, os dados ajudam a dar visibilidade ao que as comunidades estão vivendo e podem servir de base para a criação de políticas públicas mais justas e eficazes. 

Qual a importância de continuar esse acompanhamento técnico e participativo nas comunidades atingidas em relação à saúde? 

A continuidade do acompanhamento técnico e participativo nas comunidades atingidas é fundamental para o processo de reparação, especialmente quando a gente fala em saúde. Isso porque os danos do rompimento ou ameaça de rompimento de barragens não acabam em semanas ou meses. Eles são profundos, duradouros e muitas vezes silenciosos. 

O acompanhamento técnico garante que as necessidades das comunidades atingidas sejam de fato ouvidas e levadas em conta. Ele ajuda a identificar problemas que, às vezes, não aparecem nos dados oficiais, mas que estão ali no cotidiano, como o medo constante quanto ao uso da água e do solo, as falhas na cobertura socioassistencial, novos danos que surgem com obras de reparação ou até mesmo o preconceito contra as pessoas atingidas.  

E o acompanhamento participativo é essencial porque coloca as próprias comunidades no centro da discussão, respeitando o princípio de centralidade do sofrimento da vítima. É a partir da escuta, da construção coletiva e do protagonismo das pessoas atingidas que conseguimos entender o que precisa ser feito e cobrar que as políticas públicas sejam mais adequadas à realidade dos territórios. 

Por isso, manter esse trabalho de escuta, diálogo e sistematização dos danos é uma forma de garantir que a reparação seja de fato construída junto aos atingidos e atingidas. É também um caminho para fortalecer a saúde como um direito e construir justiça social a partir de um esforço coletivo. 

De que maneira os danos ambientais provocados pelo rompimento da barragem atingem diretamente a saúde física e mental das pessoas atingidas? Poderia explicar essa correlação dos danos ambientais com os danos à saúde?  

Essa correlação é, na verdade, bastante simples de entender: nós existimos no meio ambiente e vivemos em constante interação com ele e com as pessoas que o habitam, por meio dos nossos sentidos — como o tato, a visão, o olfato, a audição e o paladar. Tudo que está ao nosso redor influencia nossos corpos e, consequentemente, nossa saúde. Estar em um ambiente saudável favorece o bem-estar físico e mental. Por outro lado, ambientes poluídos ou contaminados representam riscos à saúde, seja pela respiração, pelo contato com a pele, ou pela ingestão de água e alimentos. 

No caso do rompimento da barragem de rejeitos da Vale, uma grande quantidade de elementos químicos foi lançada no meio ambiente. Muitos desses contaminantes ainda permanecem na calha do rio, no solo que foi inundado, na água e nos peixes. Quando as pessoas têm contato com esses elementos, seja ao plantar, pescar, tomar banho de rio ou simplesmente viver nesses territórios, elas estão expostas a essas substâncias tóxicas. A exposição contínua pode atingir o organismo, e é ainda mais grave no caso das crianças, que estão em fase de desenvolvimento, possuem menos peso corporal, mas estão sujeitas a mesma carga de contaminantes que os adultos. 

Além disso, mesmo quando não há rompimento de barragem, a própria presença da mineração já provoca alterações no meio ambiente e na vida das pessoas ao redor. Por isso, o Plano Estadual que está sendo construído pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais considera tanto os territórios diretamente atingidos por desastres socioambientais quanto aqueles que estão em áreas minerárias. 

No âmbito do Acordo de Reparação, quais são as medidas voltadas à saúde das pessoas atingidas? Existe algum anexo específico sobre esse tema no Acordo?

No âmbito do Acordo de Reparação, não há um anexo exclusivo para tratar dos danos à saúde, mas foram previstos projetos de fortalecimento da rede pública de saúde nos anexos 1.3 e 1.4. Neles, estão previstas ações como o fortalecimento da atenção primária e da rede psicossocial, obras de melhorias em unidades de atendimento, aquisição de equipamentos e capacitação de profissionais.  

É importante destacar que a existência desses recursos do acordo não significa, necessariamente, que as comunidades atingidas se sintam realmente reparadas. Muitas vezes, ouvimos das próprias pessoas atingidas que os recursos não estão sendo utilizados, de fato, em benefício das áreas atingidas. Isso revela um dos principais reflexos de um acordo construído sem a participação efetiva da população. 

Além disso, o Acordo prevê a realização dos Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico. Esses estudos foram solicitados pelos órgãos públicos de saúde e meio ambiente de Minas Gerais, em parceria com as instituições de justiça, e estão sendo conduzidos por consultorias especializadas, custeadas pela empresa Vale S.A e auditadas pela empresa AECOM. 

O objetivo dos estudos é avaliar os riscos à saúde das pessoas e ao meio ambiente causados pela presença de rejeitos no solo e nas águas do rio Paraopeba, além de propor estratégias integradas de intervenção nos territórios atingidos. 

A Aedas acompanha de forma técnica e participativa a execução dessas medidas, promovendo a escuta das comunidades assessoradas e fortalecendo a participação social no processo reparatório. 

Você mencionou os Estudos de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico que estão sendo realizados a partir de um projeto especial no âmbito do Acordo de Reparação. Você poderia explicar melhor o que são esses estudos, o que está sendo feito e como a Aedas acompanha esse processo junto às pessoas atingidas? 

Os Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico são estudos técnicos previstos no Acordo de Reparação, com o objetivo de identificar se há riscos à saúde das pessoas e ao meio ambiente por causa da presença do rejeito da barragem da Vale no solo e nas águas do Rio Paraopeba. A partir disso, os estudos devem apontar estratégias integradas de cuidado, proteção e reparação para os territórios atingidos. 

Esses estudos devem ser realizados em Brumadinho e outros 28 municípios, alguns diretamente banhados pelo rio e outros que também podem ter sido atingidos. A responsabilidade pela contratação e pagamento dos estudos é da Vale, mas quem acompanha e fiscaliza são órgãos públicos como a SES e o SISEMA (Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos), a auditoria independente Aecom e as instituições de justiça.  

Atualmente, os estudos estão atrasados. A primeira fase ainda está em processo de devolutiva e foi feita pelo Grupo EPA, uma empresa que enfrentou fortes críticas por parte das comunidades atingidas, dos órgãos públicos e da auditoria. Houve problemas graves como falta de comunicação, exclusão de comunidades tradicionais, uso de linguagem técnica inacessível, pouca participação social, falhas nos métodos e nos relatórios apresentados a auditoria. Essa empresa será substituída, e uma nova está sendo contratada para dar continuidade aos estudos a partir da fase 2. 

A Aedas acompanha todo esse processo junto às pessoas atingidas por meio de reuniões, espaços participativos e da produção de documentos técnicos, como o Relatório Sintético (Produto J), um documento de considerações entregue às Instituições de Justiça 2022. Nesses documentos, denunciamos as falhas, propomos melhorias e reforçamos que a participação das pessoas atingidas é essencial. Afinal, esses estudos só têm sentido se forem feitos com transparência, com diálogo e com o respeito às realidades dos territórios. 

Para encerrar, diante de tudo que já foi levantado sobre os danos à saúde e da convivência diária das comunidades com a mineração e seus riscos, o que você acredita que ainda precisa mudar na forma como a saúde das pessoas atingidas é tratada hoje pelo poder público e pela sociedade? 

Eu acredito que ainda há um longo caminho a percorrer para que a saúde das pessoas atingidas pela mineração seja tratada com a seriedade e a complexidade que ela exige. A primeira mudança fundamental é entender que saúde não é apenas a ausência de doença. Saúde está diretamente ligada ao território, à qualidade do meio ambiente, à segurança, ao acesso à água potável, à alimentação saudável, à cultura e ao lazer. 

Hoje, o poder público ainda atua de forma muito fragmentada. Muitas vezes, saúde e meio ambiente são tratados como áreas separadas, quando na verdade estão completamente conectadas. Não existe saúde em ambiente degradado. Por isso, é urgente que as políticas públicas adotem uma visão integrada entre saúde e meio ambiente, com diálogo entre os setores e ações conjuntas, contínuas e articuladas. 

Também é essencial ouvir mais as comunidades atingidas. Quem vive diariamente os danos da mineração sabe o que mudou em seus corpos, em suas rotinas, nas suas comunidades. Esse conhecimento precisa ser respeitado e valorizado na construção das políticas de cuidado — tanto dentro do SUS quanto nas estratégias de reparação como um todo. 

Além disso, a sociedade precisa deixar de naturalizar o sofrimento das populações que vivem em regiões mineradas. Muitas vezes, os danos à saúde são invisibilizados, tratados como “efeitos colaterais” do desenvolvimento. Mas não são. A vida das pessoas atingidas importa e precisa ser prioridade. 

Por fim, é fundamental garantir monitoramento contínuo dos poluentes no meio ambiente, políticas públicas específicas e a participação ativa das pessoas atingidas nas decisões que dizem respeito às suas vidas. Reparação não pode ser feita de cima pra baixo. Ela precisa ser construída com quem vive a realidade, para que as ações sejam, de fato, justas e transformadoras. Obrigada pelo espaço!

Se preferir, ouça a entrevista em duas partes no programa “Aedas no Ar”

Aedas no Ar 172 – Saúde e reparação – Parte I

Aedas no Ar 173 – A saúde das pessoas atingidas – Parte II


Entrevistador: Felipe Cunha / equipe de Comunicação na Aedas Paraopeba

Entrevistada: Cláudia Simões / equipe Marcadores Sociais das Diferenças na Aedas Paraopeba