Construção popular: entrevista com coordenação da Cáritas MG aponta próximos passos do Anexo I.1
Após homologação, Entidade Gestora do Anexo I.1 prevê encontros com atingidos para consolidação da Proposta Definitiva de gestão dos recursos
O Anexo I.1, os Projetos de Demandas das Comunidades, deu passos importantes. O início da gestão e, consequentemente, dos projetos e linhas de crédito e microcrédito se aproxima após a homologação pelo juiz e o aceite da Entidade Gestora.
Para falar sobre o assunto, entrevistamos Anna Crystina Alvarenga, da coordenação colegiada da Cáritas Regional Minas Gerais, responsável por coordenar o Anexo I.1.
A Entidade Gestora homologada foi a parceria formada pelas candidatas Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, Associação Nacional dos Atingidos por Barragens – ANAB, Instituto Conexões Sustentáveis – Conexsus, Instituto E-Dinheiro Brasil.
De acordo com a coordenadora da Cáritas, até o final do ano será feito um processo robusto de construção e reflexões sobre a Proposta Básica de gestão dos recursos, apresentada pela parceria que compõe a Entidade Gestora, e consolidação da Proposta Definitiva, em diálogo com as pessoas atingidas.
“A ideia é que a gente tenha encontros robustos, encontros amplos, que a gente consiga fazer um processo de mobilização intensa e ampla da Bacia como todo. Então, a ideia é que tenha encontros de Bacia, como já teve em alguns outros momentos, encontros regionais, onde que a gente vai poder aprofundar item a item da Proposta Prévia e assim sair, tirar consensos, tirar consolidação do entendimento coletivo das pessoas”, afirmou Anna Crystina.

A escolha da entidade gestora foi realizada em primeiro de março de 2023 e divulgada no Comunicado 10 das Instituições de Justiça. No dia 23 de agosto, o Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte decidiu pela homologação da entidade gestora escolhida.
Construção em 90 dias
Com a homologação e aceite, será dado o prazo de 90 dias para a construção participativa com as pessoas atingidas, com apoio das ATIs, de uma proposta definitiva de gestão dos recursos a ser apresentada pela Entidade Gestora.
Confira aqui e acesse o Produto A, documento com o acúmulo do processo participativo e com indicação de sugestões ao Comitê de Compromitentes a respeito de possibilidades de Gestão dos recursos do Anexo I.1. O documento foi entregue às IJs pelas ATIs em junho 2022.
Cabe lembrar que a seleção da Entidade Gestora diz respeito apenas a uma primeira parcela do Anexo I.1, de R$ 300 milhões, que corresponde a 10% do valor total de 3 bilhões destinado ao Anexo.
A proposta definitiva será enviada para as IJs e, caso seja aceita, poderá ser iniciada a gestão do Anexo 1.1 e construção, pelas pessoas atingidas, dos projetos, linhas de crédito e de microcrédito para reparação dos danos e desenvolvimento das comunidades atingidas.
Compromisso com Transparência

Anna Cristina também contou que a Entidade Gestora pretende garantir ferramentas e metodologias que deem condição para as pessoas atingidas acessarem as informações sobre a gestão dos recursos a qualquer momento ou a qualquer tempo.
“O primeiro compromisso está na gênese, no princípio do próprio Anexo 1.1, que é ser Popular, ser uma construção Popular, ser uma construção coletiva, participativa, genuinamente saindo das pessoas. Ela tem que ser uma execução extremamente responsável com os recursos que são das pessoas, sobretudo na transparência, porque toda Proposta Prévia e, também, a nossa missão e a nossa condução enquanto Cáritas nesses últimos 67 anos se baseia na transparência, se baseia na condição de garantir que todas as nossas ações, tanto físicas quanto financeiras, elas estejam disponíveis, disponibilizadas pra entendimento, fiscalização, consulta”, disse a coordenadora da Cáritas em Entrevista.
Confira a entrevista na íntegra:

Aedas: O Anexo I.1 tem sido considerado uma conquista da luta coletiva das pessoas atingidas, pois é a única parte do Acordo que prevê a participação das comunidades em todas as fases do processo. Como a Cáritas recebe esse desafio de ser a Entidade Gestora e quais são as ações e projetos já devolvidos com pessoas atingidas?
AC: Acho que é importante dizer da grande expectativa, mas também da grande alegria que está sendo para nós todas poder receber esse grande desafio, que é essa execução do Anexo 1.1, que é um grande sonho do território, um grande sonho da Bacia, e uma ação inédita no Brasil, quem sabe no mundo, de uma atuação tão grande, tão robusta, mas que ela responde verdadeiramente a missão da Cáritas, que é a tentativa, a busca da construção da sociedade do bem viver junto às pessoas em situação de vulnerabilidade, em situação de afetação, em situação de perda dos seus direitos. Essa é a nossa missão e a gente tem alegria de poder cumprir essa missão junto a esse povo.
Eu sou Anna Crystina Alvarenga, hoje eu componho a coordenação colegiada da Cáritas Regional Minas Gerais e vou atuar como coordenação geral do Anexo 1.1 junto com uma equipe ampla, mas também com as parcerias.
A Cáritas é uma confederação internacional de organizações humanitárias da Igreja Católica. No Brasil somos um organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e estamos há 67 anos atuando na defesa dos Direitos Humanos e na luta na construção de uma sociedade justa, solidária e sustentável.
Aedas: Qual a experiência da Cáritas na atuação junto com as pessoas atingidas pela Mineração, em Minas Gerais?
AC: Em relação à atuação nossa com pessoas atingidas, afetadas pelos grandes empreendimentos minerários, já atuamos durante anos no território de Conceição do Mato Dentro, com grupos a partir de implementação de projetos culturais, produtivos, de projetos de fortalecimento de grupos de mulheres, de jovens nesse território afetado/atingido pela mineração, onde ainda atuamos como Assessoria Técnica Independente (ATI) assessorando duas comunidades atingidas pela mineração naquele território.
Ainda como Assessoria Técnica Independente, somos a primeira instituição a atuar nesse escopo no território de Mariana, no território afetado/atingido pelo rompimento da barragem, em 2015.
Ainda dentro dessa atuação, nesse escopo de atuação com atingidos pela mineração ou atingidos por crimes socioambientais, estivemos juntos à Arquidiocese de Belo Horizonte no território de Brumadinho logo após o rompimento, em apoio humanitário, inicialmente, mas também em apoio metodológico para implementação dos projetos também, no mesmo formato que atuamos em Conceição do Mato Dentro, de implementação de projetos culturais, produtivos, socioambientais e, enfim, uma atuação de apoio a Igreja naquele território.
Aedas: Como a Entidade Gestora tem se organizado desde a escolha pelas Instituições de Justiça, em março?
AC: Desde o resultado, desde a publicação do resultado, em março de 2023, início desse ano, a Cáritas junto com a parceira vem atuando dentro dos limites possíveis até a Homologação judicial, até a formalização e oficialização da homologação. Esse período, de março até agora, foi um período de muito estudo, de muito aprofundamento, de diálogo com as Instituições de Justiça, de diálogo com as próprias ATIs nesse intuito de nos aproximar e nos aprofundar no contexto do território. Foi um período também de construção de caminhos metodológicos possíveis, de acordo com o contexto do território, para construir de fato um processo participativo junto com as comunidades agora no período de 90 dias.
Aedas: Quais os passos que a Entidade Gestora deve realizar agora que foi homologada?
AC: Finalmente a Cáritas foi homologada. A partir do momento que a gente recebe o recurso pra execução desses 90 dias, que é exatamente esse momento de entrar definitivamente no território e a partir do acúmulo que já se tem junto às pessoas atingidas via ATI, via outros processos organizativos que as pessoas construíram durante esses anos, a ideia é que a gente construa um processo robusto, a partir de metodologias participativas na construção, na apresentação mais aprofundada da proposta prévia, na readequação se necessário da proposta prévia e por fim na validação pra finalmente iniciar o processo de dois anos desse início de execução do Anexo 1.1.
Aedas: Como a Entidade Gestora incorporou as contribuições das pessoas atingidas na Proposta Prévia que será apresentada?
AC: Pelo formato do Edital, a Proposta Prévia não foi construída de forma participativa, mas a Cáritas considerou todo acúmulo produzido pelas pessoas atingidas, junto a suas ATIs, para construção dessa Proposta Prévia. Foi um processo de muito estudo, de muita elaboração e considerando todos esses produtos produzidos por essas pessoas, sobretudo o Produto A, onde que teve todo um esforço, toda uma dedicação das pessoas atingidas nesses últimos dois anos na construção de um melhor entendimento pra gestão do Anexo 1.1. Então, a Proposta Prévia é totalmente baseada em todo o esforço e dedicação que as pessoas produziram e se dedicaram nesses últimos dois anos. E agora nesse processo de construção da proposta definitiva, e consolidação dessa proposta definitiva, o ponto de partida será todo esse esforço, todos esses acúmulos e documentos e estudos que as pessoas já produziram.
Aedas: Qual é a expectativa para os próximos meses e como está sendo pensado o trabalho com as pessoas atingidas no território?
AC: A expectativa é que após o recebimento do recurso teremos aí cerca de 90 dias, ou seja, daqui até o final do ano por aí, novembro dezembro, pra esse processo robusto de construção, diálogos, reflexões e consolidação da Proposta Definitiva. A ideia é que a gente tenha encontros robustos, encontros amplos, que a gente consiga fazer um processo de mobilização intensa e ampla da Bacia como todo. Então, a ideia é que tenha encontros de Bacia, como já teve em alguns outros momentos, encontros regionais, onde que a gente vai poder aprofundar item a item da Proposta Prévia e assim sair, tirar consensos, tirar consolidação do entendimento coletivo das pessoas. Então, seria basicamente grandes encontros, que a gente pode chamar de encontros de bacia ou assembleias, mas também encontros regionais pra aprofundamento e também escuta de grupos específicos, se assim for necessário, assim como de grupos de Povos e Comunidades Tradicionais, grupos vulnerabilizados, mulheres, jovens, pessoas PCDs, enfim a garantia da escuta da grande representatividade que existe na Bacia.
Nesses encontros a ideia é que a gente apresente o que a gente propôs, como que o anexo será executado na prática, como que vai ser o arcabouço da Estrutura de Governança, o que está sendo proposto como fluxo de projetos, de recebimento dos projetos, avaliação e aprovação dos projetos. A ideia é que a gente apresente uma proposta de como que o Crédito, Microcrédito e outras formas de acesso a crédito. A proposta que a gente tem pra que isso aconteça pra que as pessoas acessem esses recursos, mas é uma proposta. A ideia é que as pessoas visualizem essa proposta e construa seus entendimentos, se faz sentido, se não faz sentido, se precisa adequar, quais são das adequações, quais são de fato o melhor caminho pra execução participativa, ou seja, de maior apropriação das pessoas para que garanta mesmo o envolvimento efetivo e de qualidade das pessoas atingidas.
Aedas: Como a Entidade Gestora vai garantir que o Anexo 1.1 seja transparente?
AC: A Proposta Prévia ela traz grandes compromissos, ela apresenta que a gente tem que cumprir esses grandes compromissos. O primeiro compromisso está na gênese, no princípio do próprio Anexo 1.1, que é ser Popular, ser uma construção Popular, ser uma construção coletiva, participativa, genuinamente saindo das pessoas. Ela tem que ser uma execução extremamente responsável com os recursos que são das pessoas, sobretudo na transparência, porque toda Proposta Prévia e também a nossa missão e a nossa condução enquanto Cáritas nesses últimos 67 anos se baseia na transparência, se baseia na condição de garantir que todas as nossas ações, tanto físicas quanto financeiras, elas estejam disponíveis, disponibilizadas pra entendimento, fiscalização, consulta. Então, a ideia é que a gente tenha ferramentas e metodologias que garantam que as pessoas tenham condição de acessar as informações a qualquer momento ou a qualquer tempo.
Aedas: O que a Cáritas vê como desafio para a execução do Anexo 1.1?
AC: Na verdade, o desafio é também uma grande expectativa de que a gente faça, garanta uma gestão verdadeiramente participativa e que se garanta um processo robusto de reparação dos danos das pessoas atingidas nesse território atingido, nesse território ferido. Então, assim, na verdade o desafio é uma grande expectativa que a gente acredita que só vai ser possível num grande pacto de atuação coletiva.
Texto: Valmir Macêdo e Diego Cota