Fotografia do final do encontro em frente ao posto de saúde no Parque da Cachoeira

A Aedas acompanhou, na manhã da última quarta-feira, (12), um encontro realizado entre representantes da Igreja da Inglaterra e Diocese Anglicana do Brasil, lideranças de Associações Comunitárias, moradores das comunidades de Brumadinho, integrante associada da Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão) e Familiares de Vítimas Fatais do rompimento.  

A visita ocorreu no Parque da Cachoeira, comunidade de Brumadinho, localizada na Zona Quente, epicentro do desastre-crime do rompimento da Barragem B-I e soterramento das Barragens B-IV e B-IV-A da Mina Córrego do Feijão, pertencente à Vale S.A., ocorrido em 25 de janeiro de 2019. 

No encontro, estavam presentes o Bispo David Urquhart, que faz parte da Church of England (Igreja da Inglaterra) e acompanha em nível global a questão da mineração; Marinez Bassoto, Bispa Diocesana da Diocese Anglicana da Amazônia da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil e envolvida na luta por justiça climática; Angélica Amanda Andrade, familiar de vítima fatal e integrante associada da Avabrum na luta por justiça, memória, encontro e não repetição; Silas Fialho, liderança comunitária do Parque da Cachoeira; Frank Versiani, morador e liderança comunitária do bairro São Conrado, em Brumadinho; Márcio Rodrigues, liderança da comunidade do Tejuco; Rafaela Neves, advogada e moradora de Brumadinho; integrantes do projeto NAAÇÃO e Helena Taliberti e Vagner Diniz, familiares de joias e fundadores do Instituto Camila e Luiz Taliberti. 

A iniciativa do Bispo da Igreja da Inglaterra em visitar Brumadinho começou quando o desastre-crime completou um ano, em 2020, oportunidade em que conheceu Angélica, familiar de vítima fatal e integrante associada da Avabrum, em um evento na Inglaterra. Entretanto, devido à pandemia, não foi possível realizar a visita prevista para que ele pudesse visitar o local atingido pela mineração naquele ano. 

Neste ano, por ocasião dos 4 anos do rompimento, Angélica esteve novamente em Londres. Lá, foi anunciado que o Bispo visitaria o Brasil. Angélica articulou sua visita com a comunidade de Brumadinho, cujo objetivo foi realizar uma escuta ativa entre o Bispo, visitantes e as pessoas atingidas para “conhecer a realidade dos territórios para que ele [bispo] e a Igreja Anglicana contribua da melhor maneira possível na causa”, relata Angélica.

Durante a visita, os atingidos e familiares de vítimas fatais relataram como tem sido viver em busca de justiça, encontro, memória e não repetição e com os danos socioambientais decorrentes da mineração.  

Angélica Amanda (integrante associada da Avabrum), Silas Fialho (Parque da Cachoeira) e Larissa Moura (Parque da Cachoeira)

Para Silas Fialho, liderança comunitária do Parque da Cachoeira, “Brumadinho era uma família. Nós que somos daqui, ou perdeu algum parente, ou amigo, ou conhecido. Estamos nessa luta por justiça. Temos uma missão que é não deixar o crime da Vale cair no esquecimento e reconstruir uma cidade onde a ganância e o capitalismo acabou com a vida de várias pessoas. Enquanto houver resistência, há esperança. Esperança é a única coisa que a Vale não consegue comprar.” E reforçou a importância da mudança no modelo da mineração predatória. “Temos que ser conscientes nos diálogos”. Apontando contradições sobre o discurso de que a mineração produz empregos e que deve envolver atores com poder de encampar alterações legislativas. 

Márcio Rodrigues, presidente da Associação de Moradores do Tejuco, relatou que “O caos tomou conta da cidade de Brumadinho. A cidade não é mais a mesma. O atingido sabe a dor e a tristeza de ser o que é. É bom receber pessoas de fora para que elas vejam a nossa realidade. A mídia e a propaganda na TV são bonitas, diz que está reparando, mas até as obras de reparação trazem mais caos para a nossa cidade, mais danos aos moradores e sem respeito algum com a comunidade. Vem um monte de trabalhador de fora. Sem contar os altos índices de suicídio e adoecimento. Nós, como lideranças, somos cobrados por repassar informações e levar algo para minimizar a dor das pessoas.” 

Frank Versiani, liderança de São Conrado, bairro da sede, perdeu vizinhos e primos no desastre-crime e anseia por punição e reparação integral. “A única esperança – que é a justiça – não estamos vendo, e já se passaram 4 anos [do rompimento]” e complementa “Precisamos de mais médicos psiquiatras e psicólogos. O PTR, as pessoas recebem diferentes valores. Uns recebem 100% e outros 50%. Somos todos atingidos de Brumadinho. Foi recebido recursos do governo e precisamos que o SUS tenha compromisso de ter e fornecer os remédios que a população está precisando e em atender e ajudar essas pessoas que estão com a saúde mental adoecida.”

Vagner Diniz e Helena Taliberti, familiares de vítimas fatais e fundadores do Instituto Camila e Luiz Taliberti

Helena Taliberti, mãe de duas joias e fundadora do Instituto Camila e Luiz Taliberti, criado em homenagem às joias que são seus filhos e sua nora, que estava grávida, expressa que seu luto não é um luto comum. Mora em São Paulo e leva a luta por justiça para lá. “É um luto coletivo. Aonde vou, não vou sozinha. Vou com as 272 vítimas. A tragédia apenas começou no dia 25 de janeiro. Não é um luto normal porque poderia ser evitado. Nós criamos um Instituto, um acervo, de todo material, artigos e estudos de impactos da mineração, que está sendo atualizado diariamente, temos o site. Isso traz para nós a certeza de que não pode ser esquecido. Quando você esquece, você autoriza a repetição! Também tem a questão da memória. Para não esquecer! Para honrar às nossas joias! Cabe a nós torná-las imortais. Os responsáveis não podem passar impunes. Nossa luta é diária e por justiça.”  

Bispo David Urquhart da Church of England

Depois de ouvir os depoimentos dos atingidos e familiares, o Bispo David prestou solidariedade e enfatizou que, para ele, a força e a luta dos familiares das joias e atingidos são encorajadoras. “A jornada que vocês estão compartilhando aqui com tanta paixão, com tanta articulação, mostra que vocês conseguem compatibilizar a mente e o coração. Como a tragédia e o sacrifício podem ser transformadas em uma nova semente que cresce. Vocês estão transformando a dor em algo novo e reconstruindo, cuidando das pessoas que ainda estão vivas, lutando contra a injustiça. Isso também se espalha pelo mundo em diferentes níveis. Estamos igualmente comprometidos. O meu coração aumentou aqui, por conta da abertura e do amor que vejo.”  

O Bispo David, envolvido na luta para remodelar o setor da mineração em uma imagem que permite o florescimento humano, declara que “a nível internacional, (…) seguirão comprometidos em espalhar a mensagem: nunca mais.” 

Marinez Bassotto, Bispa Diocesana da Diocese Anglicana da Amazônia

Marinez Bassoto, Bispa e liderança da Igreja Episcopal Anglicana no Brasil, reforça que ela e o Bispo estão presentes na intenção de ouvir os atingidos e familiares. “Ouvir com o coração e com os olhos abertos para ver e entender. Nós não voltaremos [ela, mora em Belém, o Bispo David, na Inglaterra] da mesma forma que nós chegamos aqui. Estamos voltando diferentes.” E expressa que o sentimento de dor e de força das pessoas ali presentes a faz sair com o compromisso de fazer com que a verdade sobre o rompimento e tudo aquilo que ele causou seja ouvida em outros lugares. “Saio daqui comprometida em levar essa discussão adiante, levar a outras instancias, para que no Brasil possamos refletir sobre fé e mineração. Uma mineração diferente. Uma relação diferente com o meio-ambiente. Agradeço a verdade que foi aqui colocada nas palavras.”  

O encontro foi realizado no espaço NAAÇÃO, que promove, de forma voluntária, o acolhimento de pessoas em situações de vulnerabilidade, formação de lideranças, oficinas e espaços de lazer e educação no Parque da Cachoeira. Segundo Larissa Moura, coordenadora do projeto, o NAAÇÃO acredita na busca de recomeço com foco nas crianças e na recuperação das identidades das comunidades e populações atingidas, reafirmando que Brumadinho não é só rompimento e lama. O recomeço é possível e necessário. Vamos caminhar com essa dor, com esse dano imenso, como uma cratera; mas a luta vai dar espaço para coisas novas brotarem.” 

Depois do encontro, houve um momento de conhecimento territorial em alguns pontos da comunidade da Zona Quente, como as áreas de remanso e de casas que foram atingidas pelo rompimento.  

Texto e Fotos: Felipe Cunha