Investimento em infraestrutura para valorização do entorno dos bairros e planejamento e regularização fundiária dos municípios atingidos estão entre os pontos mais citados pelas comunidades atingidas das cidades das regiões 1 e 2 da bacia do Paraopeba, quando questionadas sobre o que deve ser mitigado, reparado ou compensado com urgência para evitar que os danos provocados pela mineradora Vale se tornem ainda mais graves. O desastre sociotecnológico em Brumadinho, que completa dois anos neste mês, desencadeou um processo de vulnerabilização social que provocou o deslocamento compulsório e a alteração das condições de existência das comunidades do entorno do Rio Paraopeba.

A extensão dos danos em relação à moradia, infraestrutura e patrimônio é considerada alta ou muito alta por 67% dos núcleos familiares da região 1 (Brumadinho) e 68% na região 2 (Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas). Esse é um dados que demonstram a extensão dos prejuízos que necessitam de medidas urgentes e que estão listados na Matriz de Medidas Reparatórias Emergenciais da R1 e da R2. Os documentos foram elaborados com protagonismo das pessoas atingidas e apoio da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) que atua como Assessoria Técnica Independente (ATI) nas duas regiões.

O Rio Paraopeba passa no fundo da casa de Lilian Gonçalves dos Santos, de 43 anos, moradora do bairro Francelinos, em Juatuba. Ela conta que o seu modo de vida mudou completamente após o rompimento da barragem da Vale. “Mudou tudo, a vida ficou péssima. Para você vender sua casa não tem como, ninguém valoriza mais”, conta Lilian. “A gente pescava, plantava, criava minhocas e hoje ninguém mais quer comprar por medo de contaminação. Só devolvendo o Rio nossa vida vai voltar ao normal”, lamenta. A desvalorização imobiliária é uma das principais consequências negativas provocadas pela mineradora Vale.

Diferencial da Matriz

Além de caracterizar os danos, o diferencial da Matriz é apontar saídas para resolução dos principais problemas vivenciados pelas pessoas atingidas. “O direito à moradia também é o direito de reinventar a cidade, reinventar o nosso bairro, participar da construção do ambiente onde a gente mora”, explicou o coordenador da área temática na região 2, Bruno Kassabian. “O direito à moradia também é o direito de acessar os serviços básicos. Estar em um lugar que a gente tenha acesso à energia elétrica, ao saneamento, ao transporte público, ao lazer, à cultura, das escolas, das creches, dos hospitais”, acrescentou.

Uma das propostas é sobre o investimento em infraestrutura para revalorização do entorno dos bairros e comunidades atingidas, como melhoria na iluminação pública, calçamento, construção de parques e áreas de lazer. Também foram levantados o pagamento de compensação financeira às pessoas que tiveram de deixar suas casas em decorrência do desastre e a realocação de famílias que não querem permanecer no local. Parte das famílias que viviam da pesca e de outras atividades que foram prejudicadas pelo rompimento pedem que sejam realocadas em localidades às margens de rios limpos.

Sobre o direito à moradia

A violação do direito à moradia compromete o estabelecimento de residência e a vinculação com o território, sinais nítidos do processo de precarização ao qual estão submetidas milhares de pessoas que, de uma hora para outra, se viram submetidas ao rompimento de seus vínculos, experiências sociais e patrimônio, por exemplo. A garantia do conceito de moradia digna e adequada como referência está referendada como condição de dignidade pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Constituição Federal e Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, entre outras legislações e entidades.

Atentos e atentas a essas garantias e a partir da própria realidade, atingidos e atingidas, em parceria com a Aedas, apontam na Matriz caminhos possíveis e legítimos para a solução de problemas decorrentes do rompimento da barragem, situações acarretadas ou agravadas pelo fluxo de lama, pela contaminação do Rio Paraopeba ou ainda dos impactos na infraestrutura do ambiente natural e construído.

O documento reúne 219 medidas tecnicamente fundamentadas, que devem ser implementadas de forma integrada e complementar nas comunidades, bairros e municípios atingidos. O conteúdo é resultado de um amplo processo de diálogo, trocas e, sobretudo, de protagonismo do povo atingido. Ao longo dos últimos meses, participaram de espaços coletivos articulados pela Aedas cerca de 2.445 pessoas atingidas, em 374 Grupos de Atingidos (GAAs) e 107 Rodas de Diálogo (RDs), com participação de 61 comunidades da região.

Confira a Matriz da R1 na íntegra:

Confira a Matriz da R2 na íntegra: