A importância de reconhecer as crianças e adolescentes como sujeitos atingidos é fundamental para o processo da reparação integral dos danos causados pela mineração.

Foto: Luana Farias | Aedas

“ceis” já pararam pra ouvir alguma vez o sonho dos meninos/das
meninas? é tudo coisa de centímetros
um pirulito
um picolé
um pai
uma mãe
um chinelo que lhe caiba nos pés
Menimelimetros – Luz Ribeiro
(alterações nossas)

No dia 12 de outubro, celebramos o Dia das Crianças, uma ocasião que nos permite não apenas comemorar a infância, mas também destacar os direitos assegurados por lei às crianças e adolescentes em nosso país.

Essa celebração levanta questões importantes relacionadas à violação das legislações destinadas à proteção das infâncias e juventudes, especialmente no contexto das crianças e adolescentes atingidos por barragens.

Um exemplo dessas violações diz respeito ao direito à participação e ao reconhecimento. As crianças e os adolescentes não são devidamente reconhecidos como atingidos, o que resulta na negação de seu direito à participação no processo da reparação integral das perdas e danos decorrentes do desastre-crime, nesse caso, causados pela mineradora Vale S.A com o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, ocorrido em janeiro de 2019, em Brumadinho.

Essa falta de reconhecimento também deixa nítido como a sociedade adultocêntrica (crença ideológica de que os adultos são socialmente superiores às crianças. A partir dele, pressupõe-se que os adultos sempre têm razão, têm mais conhecimento e devem ser obedecidos cegamente pelos mais novos, pois sabem mais sobre a vida) não reconhece as crianças como sujeitos de direitos e faz com que tenhamos a necessidade de reforçar, enfatizar e promover a conscientização sobre seus direitos, uma conquista obtida por meio de lutas em âmbitos internacional, nacional e local.

Existem leis, mas será que elas são realmente aplicadas?

Foto esq: Scarlet Souza. Foto dir: Julimagda Medeiros | Aedas

Mesmo decorridos 35 anos desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 e 33 anos desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), continua sendo de suma importância a ampla disseminação do conhecimento acerca dos mecanismos de proteção das infâncias e adolescências, reconhecendo-as como sujeitos de direitos.

Além disso, é imperativo que haja um monitoramento dos órgãos encarregados para garantir a efetiva aplicação dessas legislações, as quais frequentemente permanecem meramente conceituais, sem se materializarem em ações práticas que assegurem os direitos das crianças e dos adolescentes.

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Art. 227, Constituição Federal)

“a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processos de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis” (Art. 15, Estatuto da Criança e do Adolescente)

Portanto, a proteção dos direitos das crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade, como aquelas atingidas pela mineração, reveste-se de uma importância crucial. Quando olhamos para a diversidade geográfica, é preciso reconhecer que essas crianças vivem em diferentes realidades, cada uma com suas culturas, religiões e modos de vida.

Marcadores como raça, gênero e classe desempenham um papel significativo na construção das experiências de vida das crianças e adolescentes, e na maneira de como eles enfrentam e resistem aos atingimentos da mineração e suas consequências. Mesmo quando medidas de reparação são implementadas, os direitos desses jovens muitas vezes continuam sendo violados, enfatizando a necessidade de uma abordagem mais ampla e inclusiva na proteção de suas vidas e bem-estar.

Danos ao rio e como isso atinge as crianças e adolescentes

Foto: Diego Cotta | Aedas

O rompimento causou inúmeros danos no território que repercutiram e repercutem diretamente na vida das crianças e adolescentes, deixando consequências marcantes em suas identidades e em seus cotidianos. Isso inclui a perda de laços afetivos com o rio, que servia como espaço comunitário, lazer, liberdade e encontros, além da relação com a pesca e agricultura de suas famílias.

A contaminação desse ambiente atingiu a sociabilidade, cultura, tradições e brincadeiras das crianças, adolescentes e comunidade em geral, impactando todas as áreas de desenvolvimento desses indivíduos.

A importância de reconhecer as crianças e adolescentes como sujeitos atingidos, assegurando a sua participação e escuta, é fundamental para o processo da reparação integral dos danos causados pela mineração.

Minha Ciranda não é minha só. Ela é de todos nós!

Foto: Luana Farias | Aedas

a juventude corre, corre, corre
faz seus corres, corres, corres …
podia ser até flecha, adaga, lança
mas é lançado fora
vive sempre pelas margens
Menimelimetros – Luz Ribeiro (alterações nossas)

Nos espaços participativos, a equipe de pedagogia da Aedas promove o Espaço da Ciranda. Um ambiente dedicado à escuta e interação com as crianças e adolescentes, focando na abordagem lúdica e na inclusão desses sujeitos no levantamento dos danos causados pela mineração. O objetivo principal é garantir o direito a participação das crianças e compreender os danos que atingem as infâncias, considerando-as sujeitos ativos e de direitos ao longo de todo o processo de reparação integral.

Cirandas realizadas pela Aedas entre março de 2021 a agosto de 2023

Região 1: 44 espaços de Ciranda, sendo: 2 espaços na Renser, 2 espaços na Cohab e Progresso, 4 cirandas na Sede/centro de Brumadinho, 1 na Zona Quente, 1 em Casa Branca, 5 espaços no Aranha, 2 cirandas no Tejuco, 5 nos Quilombos, 1 em São José do Paraopeba, 2 nas Rurais, 1 no Córrego do Feijão, 2 em Casinhas, 3 nos Pires, 2 em São Conrado, 2 com Familiares de Vítimas Fatais, 2 em Toca de Cima, 1 em Coronel Eurico, 1 na Rua Amianto, 1 em Córrego de Almas e 1 em Melo Franco.

Região 2: 49 espaços de Ciranda, sendo: Betim, 9 comunidades, sendo 3 espaços em Monte Calvário, 4 no Assentamento Dois de Julho, 2 em Paquetá, 4 no Cruzeiro, 4 no Charneca, 1 em São José, 1 em Vila Nova, 4 no Alto Boa Vista, 2 no Sol Nascente. Igarapé, 3 comunidades, com 3 espaços em Bervely, 1 em Santa Ana, 1 em Brejo. Mário Campos, 4 comunidades, sendo 2 espaços na Reta Dois, 3 na Reta Um, 1 no Centro e 1 no Funil. Juatuba, 3 comunidades, sendo 4 espaços em Ponte Nova, 1 em Satélite, 3 na Ocupação Santa Fé/Juatuba. São Joaquim de Bicas, 4 comunidades, sendo 1 espaço em Imperador, 1 em Vale do Sol, 1 na FHEMIG e 1 em Boa Esperança.

Região 1 e 2 ao mesmo tempo: 13 espaços de Ciranda, sendo: 2 encontros com os atingidos da Bacia do Paraopeba e represa de Três Marias; Cirandas em espaços solicitados pelos parceiros como o MAB e Renser; Documentário Aedinhas no ar; Protocolo de consulta dos PCTRAMA, Eixo saúde e meio ambiente; Eixo reparação socioambiental.

Principais temas debatidos com as crianças atingidas nas Cirandas:

Racismo ambiental
Meninas de luta
Governança na Bacia
Crédito e microcrédito
Sistema de participação
Reparação integral
Impactos na saúde e meio ambiente
Direitos violados
Iimportância das ATI’s

Diversidade das crianças atingidas acompanhadas pela Aedas:

🙏🏼 Crianças familiares de vítimas fatais
🌆 Crianças dos bairros urbanos
👩🏼‍🌾 Crianças de comunidades rurais
🧱 Crianças assentadas
👧🏾 Crianças quilombolas
🛶 Crianças ribeirinhas
🥁 Crianças de terreiros

Critério racial das crianças atingidas cadastradas em nosso banco de dados via Registro Familiar

Parda: 2.627 (45.6%)
Branca: 2.052 (35.6%)
Preta: 620 (10.8%)
Outros: 407 (7.1%)
Amarela: 56 (0.9%)
Total: 5.762 crianças cadastradas
Faixa etária: 0 a 18 anos

Aedinhas no Ar

A Aedas tem um programa de rádio especialmente criado para crianças e adolescentes que foram atingidos. Você pode acessar as edições do programa em nosso canal do YouTube ou aqui no nosso site.

Galeria de fotos

Foto: Scarlet Souza | Aedas

‌Texto: Felipe Cunha com apoio da equipe de Pedagogia | Aedas

Fotos da galeria: Registros feitos por técnicos e técnicas da Aedas


Essa matéria também está disponível na edição 23 do jornal “Vozes do Paraopeba”