Equipe de Educação e Serviços Socioassistenciais (EduSsa)
As/aos professoras/es das escolas atingidas, em 27 municípios da Bacia do Paraopeba e do Lago de Três Marias, em especial, as/os profissionais da Região 1 e 2, que os quintais-escolas sejam reparados integralmente, que haja memória e justiça pelas 272 joias, e por todas/os as/os educadoras/es que continuam buscando transformar a realidade na sala de aula, enquanto “lugar de aprendizado”.

O poeta Manoel de Barros, em seu texto O apanhador de desperdícios, contempla um mundo sem pressa, aquilo que não ganha destaque em nosso recorte visual. O minucioso que nos escapa, como o sotaque das águas, a velocidade das tartarugas, ou os colossais quintais. Geralmente, ao percebermos nossa forma de estar no mundo, o olhar para o passado e para o presente, se direciona para amizades, família, comunidades interpretativas, veredas laborais, porém, ainda é raro delegarmos boa parte da nossa constituição enquanto sujeitos/as à escola. Então, qual seria o papel da instituição escolar e das/os professoras/es, educadoras/es, no ser e estar no mundo?
Escavando o passado a gente encontra o corpulento quintal-escola. A primeira imagem que busco é o recreio, as latinhas de refrigerante transformadas em bola, a correria profana, a bola de gude, o tazo, o bate-bate, o pique-pega, o morto-vivo. A escola é, sobretudo, um espaço educativo corpóreo-sensorial e possui disciplinas voltadas para desenvolver tais fruições. Também possui aulas direcionadas às inteligências racionais, linguísticas, ambientais, das humanidades e vulnerabilidades. Nossos princípios de cidadania e democracia são ali basilares. Onde podemos nos equivocar por vezes, e, recomeçar, a partir da ação-reflexão Freiriana lendo o mundo, e a palavra, e assim, o transformando.
Cavando esse quintal-escola, aquele mundão inteiro que nos moldou e nos molda, encontramos rastros permanentes formados em sala de aula e nos espaços educativos que a circundam, constituído por educandos/as, escritas, palavras, cheiros, olhares, escutas, silêncios, paredes e seus penduricalhos, ato cerimonial conduzido por professores/as. É uma das primeiras linhas na nossa formação para o mundo.
É esse profissional que cede seus conhecimentos para as gerações que ingressam em suas salas. O filósofo Jorge Larrosa (2017) diz que é um afã que pode ser sintetizado como uma vitalidade melancólica. Vitalidade pela relação estabelecida com as novas gerações que confeccionam um outro mundo possível; melancólico por estar numa geração que contempla o desaparecimento desse mesmo mundo. Um penoso trajeto de trabalho permeado pela gangorra dialética que é o nascimento e a morte; a comédia e a tragédia. Trazendo esta prosa para o que está no fundo desse nosso quintal, no qual estamos imersos, qual seja, a escola no território de mineração, somos convocadas/dos a refletir sobre a atividade docente em Território minerário atingido pelo rompimento de barragem.
Nossos quintais-escolas são impactados pela história e os domínios que a atravessa. Pois, a economia e as suas faces tecnológicas e científicas destroem o meio ambiente, as relações e as condições materiais de vida humana (Cf. Hobsbawm, 2005, p. 562). Com esse entendimento, podemos enxergar nesses territórios, danos as várias dimensões da vida e de suas formas diversas de experimentação e construção social, cultural, educacional.
Sabendo que nesses enredos, o empregar-se nas empresas mineradoras, torna-se alternativas centrais na perspectiva do trabalho na formação educacional. É imprescindível que não permitamos que as ações educativas se findem em mera mercadoria, mas em práticas focadas na educação libertária que é: “quando todos tomam a posse do conhecimento como se fosse este uma plantação em que todos temos de trabalhar”, (HOOKS, 2017, p. 26). Trabalhar a partir do conhecimento e compreensão da realidade.

Sabemos que as atividades docentes são afetadas diretamente pelo rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão da Vale S.A., nos projetos educativos, no aprendizado formal, e, humanos, nos saberes informais e não formais. Sendo necessário ler o mundo, e com isso, o transformar e se transformar nesse movimento, pois “ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra” (FREIRE, 2010, p. 77).
É, portanto, no fazer diário de ensinar, e aprender, no contato direto com crianças, adolescentes, jovens e adultos/as, que esses profissionais (re)conhecem os sujeitos em suas fases geracionais afetados pelo rompimento, evidenciando a dimensão histórica e como a minério dependência “[…]destrói, domina, controla e explora os corpos e os territórios de que precisam, moldando-os para manter-se a reproduzir.” (ARÁOZ, 2020, p 133).
O quintal-escola, de projeções e sonhos, são também escombros de lama da mineração que geram consequências diretas à prática pedagógica e à comunidade escolar.
Mas como todo o quintal carrega em si plantações de transformações, através da Pedagogia da Lama, demarcamos que outros agenciamentos se apresentaram mediante a realidade imposta. Nesta conjuntura, os/as professores/as encontram coragem e generosidade como condicionantes que permitem subverterem as adversidades cotidianas e moderarem um processo pedagógico pautado na resistência e na esperança (Cf. CAMPOS e HONORATO, 2022, p. 2). Desencadeando práticas de enfrentamento à incidência minerária no território, como as já supracitadas, relação de dependência com a empresa mineradora, de violência publicitária e de promessas de futuro pautadas por investidas “educativas”.
Respondendo pedagogicamente a partir da memória e identidade das pessoas atingidas; no reconhecimento territorial; na segurança e soberania alimentar; nas práticas pedagógicas que valorizam importância do Rio que ainda corre (Cf. p.6);
As/aos professoras/es das escolas atingidas, em 27 municípios da Bacia do Paraopeba e do Lago de Três Marias, em especial, as/os profissionais da Região 1 e 2, que os quintais-escolas sejam reparados integralmente, que haja memória e justiça pelas 272 joias, e por todas/os as/os educadoras/es que continuam buscando transformar a realidade na sala de aula, enquanto “lugar de aprendizado” (HOOKS, 2017, p.216).
Referências
[1] ARÁOZ, Horácio Machado. Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. São Paulo: Editora Elefante, 2020.
[2] CAMPOS, Alessandra Bernardes Faria; HONORATO, Juscimara Santos. As professoras e a pedagogia da lama. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte, Vol. 5, Número Especial – Educação e desastres minerários, janeiro, 2022, ISSN 2526-1126. Disponível em: < http://pensaraeducacao.com.br/rbeducacaobasica/wp-content/uploads/sites/5/2022/01/AS-PROFESSORAS-E-A-PEDAGOGIA-DA-LAMA.pdf>. Acesso em: 03/05/2022.
[3] HOBSBAWM, E. A era dos extremos. O breve século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
[4] HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. – 2. ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.
[5] MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
Vídeo:
[6] ABCEDÁRIO com Jorge Larrosa Bondía. Youtube, 10 de jul de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5FtY1psRoS4&t=1151s. Acesso em 10/10/2022.