Pessoas atingidas poderão contar com o acompanhamento pelas ATIs nas atividades que estão incluídas no Processo Judicial 

Sessão realizada em 27 de fevereiro | Diego Cota – Aedas

Por 3 votos a 0, desembargadores da 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) rejeitaram o pedido da mineradora Vale e garantiram a dupla fonte de custeio das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que atuam na Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias. O julgamento foi realizado nesta quinta-feira (27/02), em Belo Horizonte. 

A turma de desembargadores deu continuidade ao julgamento iniciado no dia 13/02, que teve como objeto o Embargo de Declaração da Vale S.A. O recurso foi interposto contra a decisão que determinou a divisão da dupla fonte de custeio das ATIs. 

A mineradora Vale S.A. é contra a divisão dos recursos destinados ao custeio das ATIs para atuarem com fontes distintas no âmbito do Acordo Judicial de Reparação e do Processo, que inclui questões não amparadas pelo Acordo, como demandas emergenciais, o acompanhamento da danos supervenientes, dos individuais homogêneos e os Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE). 

Durante a sessão, o desembargador Carlos Henrique Perpétuo Braga proferiu seu voto: “Estou acompanhando integralmente o relator”, afirmou. Segundo ele, “por unanimidade, nos termos do voto do relator, foram acolhidos parcialmente os embargos de declaração”. 

Isso significa que se mantém a decisão de que parte do valor destinado às ATIs segue sendo para o acompanhamento do processo como um todo e não apenas do Acordo, de modo que a Vale deverá custear essas atividades relacionadas ao processo judicial.  

Gabriela Soares, da equipe de Estratégias Jurídicas da Reparação da Aedas, destacou o reconhecimento do direito à ATI no voto dos desembargadores. “O voto – que acompanhou os demais desembargadores – reconheceu o direito de as pessoas atingidas serem assessoradas nas atividades relacionadas ao processo judicial e que a Vale vai ter de custear as ATIs para além do valor que ela já pagou referente às atividades do Acordo”, explicou. 

Sessão realizada em 27 de fevereiro | Diego Cota – Aedas

Estiveram presentes na Sessão os doutores Bernardo de Vasconcelos Moreira, pela mineradora Vale; Felipe Augusto Cardoso Soledade, defensor público pelo embargado; e Bráulio Santos Rabelo de Araújo, também defensor público pelo embargado. 

Em diálogo com as pessoas atingidas que se mobilizaram em frente ao TJMG, o defensor público Bráulio Santos Rabelo de Araújo explicou sobre os entendimentos que, segundo ele, estão estabilizados pela Segunda Instância. 

“Foi decidido que as ATIs têm competência para trabalhar tanto no âmbito do Acordo como no âmbito do Processo. Isso a gente entende que está estabilizado aqui no TJMG – Segunda Instância. A empresa ainda pode recorrer e levar para instâncias superiores. Tudo isso com a ressalva de não ter lido o voto integral, que pode conter mais detalhes”, ponderou. 

Além desse duplo escopo de atuação da ATI, há ainda o entendimento acerca dos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE). “Para o tribunal se estabilizou que o acompanhamento dos estudos de saúde deve ser feito no âmbito do processo. Então, as ATIs podem acompanhar no âmbito do processo sem se valer dos recursos do acordo pra fazer esse acompanhamento”, disse. 

De acordo com o defensor, o ponto que ainda requer uma análise mais aprofundada no texto da decisão é referente ao percentual dos recursos para custeio das ATIs. “Havia um pedido da Vale para que houvesse a aplicação de um percentual que a CAMF estabeleceu num momento anterior, que isso regesse o plano de trabalho das ATIs. Isso não deu para ficar claro sobre qual que foi a decisão do tribunal, se ele vai aplicar esse percentual ou não”, explicou. 

O defensor público Felipe Augusto Cardoso Soledade garantiu que as IJs vão analisar a decisão completa dos desembargadores para compreender como será o custeio. “A gente ainda vai estudar melhor a decisão para saber até onde vai o custeio das ATIs dentro do processo com dinheiro diferente àquele que estava previsto no Acordo e até onde vai o dinheiro do Acordo”, disse. 

É importante ressaltar que a mineradora Vale S.A. ainda pode recorrer dessa decisão. 

O que dizem as pessoas atingidas?

A atingida Paré, do Tejuco, em Brumadinho, com o defensor público Bráulio Santos no final da sessão do dia 27 de fevereiro | Foto: Diego Cota – Aedas

Atingida da comunidade Tejuco, de Brumadinho, Paré acompanhou no plenário o voto do desembargador Carlos Henrique Perpétuo Braga. “Estou muito feliz pela resposta que eles deram, da assessoria continuar com a gente. A gente precisa muito, mais do que nunca, que eles continuem com a gente. Estou muito satisfeita com a resposta que eles deram”, afirmou. 

Para Geisa Tomé, atingida de Citrolândia, Betim, a decisão vai favorecer o acompanhamento da ATI em questões que não estão inseridas no Acordo. “É de grande importância, porque tem várias outras coisas que a gente precisa dela – a ATI – e ela não pode nos acompanhar por causa do limite do Acordo, como as questões das enchentes”, destacou. 

“A ATI nos dá um suporte muito bom em questão de nos acompanhar no território, de levar nossas demandas para as Instituições de Justiça. Então é de grande importância, sem eles nós não somos nada”, disse. 

Esse tema é importante no sentido do reconhecimento do direito à ATI como forma de garantir a participação informada e assistência técnica das Instituições de Justiça nas atividades do processo judicial. 

Pessoas atingidas e técnicos da Aedas ao final da sessão | Foto: Diego Cota – Aedas

Relembre

Como foi a primeira parte do julgamento 

No dia 13 de fevereiro, o desembargador relator André Leite Praça acolheu parcialmente o recurso da Vale reconhecendo que houve um julgamento além do que foi pedido quanto ao percentual de custeio das ATIs para as atividades referentes ao Processo. Na ocasião, ele votou pela manutenção da decisão da primeira instância proferida pelo juiz Murilo Silvio de Abreu. 

Em seguida, o desembargador Marcus Vinícius Mendes do Valle também proferiu voto favorável, acompanhando o entendimento do relator. Já o desembargador Carlos Henrique Perpétuo Braga, presidente da sessão, pediu vista do processo. 

Realizado na quinta-feira (13/02), a primeira parte do julgamento contou com dois votos favoráveis à dupla fonte de custeio das ATIs e um pedido de vistas. 

O entendimento da Primeira Instância 

Em 24 de novembro de 2023, o Dr. Murilo Silvio de Abreu, juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, que acompanha o caso de reparação dos danos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, proferiu decisão sobre temas que afetam diretamente o direito das pessoas atingidas da Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias. 

Entre elas, esteve o reconhecimento da dupla fonte de custeio para as atividades de Assessoria Técnica Independente (ATIs). Uma relacionada ao Acordo, que deve ser financiada com recursos previstos no próprio Acordo – na Cláusula 4.4.11. E outra relacionada a temas específicos do processo judicial, como as atividades da reparação dos danos supervenientes, individuais e individuais homogêneos. 

O juiz então aprovou “a utilização de percentuais para a alocação dos custos e despesas na proporção de 30% para as atividades relativas ao processo e 70% para as atividades relativas ao Acordo Judicial”. 

Essa outra fonte de custeio – 30% dos custos e despesas das ATIs – teria como objetivo financiar o acompanhamento das demandas emergenciais de água e alimentação animal, dos Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE) e perícias, além dos danos individuais, garantindo que as pessoas atingidas tenham o direito à ATI garantido nesse âmbito da reparação. 

O andamento da pauta na Segunda Instância 

Desde o início de 2024, a mineradora Vale tenta barrar a dupla fonte de custeio das ATIs e limitar o direito dos atingidos apenas às atividades relacionadas ao Acordo Judicial. Em último julgamento de recurso da Vale contra a decisão da primeira instância, realizado em agosto de 2024, foi aberta uma divergência sobre a dupla fonte de custeio, a partir do voto do desembargador Marcus Vinícius. 

Ele definiu que a repartição dos custos entre as atividades contidas nos planos de trabalhos – Acordo e Processo – deve passar por homologação judicial, podendo as partes interessadas (Vale e Instituições de Justiça) se pronunciarem sobre os valores. Devido a essa decisão, a Vale apresentou embargos de declaração. 

O que a mineradora alegou em seu último recurso 

Em 16 de setembro de 2024, a Vale S.A. opôs um embargo de declaração contra a decisão dos desembargadores proferida em agosto de 2024. O argumento da mineradora é que a decisão é contraditória e incorre em erro, pois ampliou o custeio esperado e, em tese, apresentaria um cenário de incertezas. 

Ela apontou também haver contradição no entendimento da natureza dos Estudos de Riscos (ERSHRE) e pede que seja reconhecida a natureza difusa e coletiva, razão pela qual defende que os custos das atividades de acompanhamentos dos Estudos de Riscos devem estar vinculados ao valor do teto do Acordo. Deste modo, a Vale pediu modificação da decisão do TJMG, porque, segundo argumenta, os desembargadores julgaram além do que foi solicitado pela empresa. 


Texto: Equipe EJR, Diego Cota e Felipe Cunha