Decreto Nº 48.893/2024: ação inconstitucional é um atentado contra os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais em Minas Gerais
O decreto descumpre o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), garantido pela Convenção 169 da OIT

Nos últimos anos os Povos e Comunidades Tradicionais do estado de Minas Gerais vem sofrendo investidas contra os seus direitos, principalmente daqueles que deveriam prezar pela execução das normas e legislações, incluindo acordos e decretos internacionais que salvaguardam esses povos, responsáveis pela proteção de saberes únicos que fazem parte da construção do Estado e da Nação.
Em 11 de setembro de 2024, o governo Zema aprovou o Decreto Nº 48.893/2024. Este decreto é inconstitucional e coloca em risco a biodiversidade e a vida das pessoas, sua história e a cultura tradicional dos povos. O decreto descumpre o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), garantido pela Convenção 169 da OIT.
O Decreto estabelece que o licenciamento ambiental em MG exigirá a realização da CLPI, quando afetar Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas ou demais Povos e Comunidades Tradicionais. Criando barreiras burocráticas para diminuir a resistência contra novos megaempreendimentos e empreendimentos minerários. Cabe o destaque que a Convenção 169 não precisa de regulamentação para ser aplicada.
Confira o Decreto nº 48.893/2024
A carta elaborada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT MG), e assinada por mais de trinta entidades que se posicionaram contra o decreto, aponta que ele esteja conectado com o contexto atual da política do Governo Zema, que tem total apoio ao avanço da mineração predatória, focada na exploração de áreas de Territórios Tradicionais por todo o estado.
Evidencia-se destaques críticos feitos pela Carta aberta em defesa dos povos tradicionais e da natureza, escrita pela Comissão Pastoral da Terra – CPT MG e assinada por entidades parceiras:
- Limita o direito à Consulta Prévia somente aos Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas e Comunidades e Povos Tradicionais certificadas, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Fundação Cultural Palmares ou pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de MG. De forma similar, cria definição de territórios tradicionais condicionada à sua efetiva titulação e reconhecimento pelo Estado, violando o direito à autodeterminação dos Povos e Comunidades Tradicionais.
- Nega o direito de Consulta às Comunidades e Povos Tradicionais, cujos territórios estejam localizados em áreas urbanas consolidadas. Isso afeta diretamente centenas de comunidades localizadas em zonas urbanas, como Povos de Terreiro, Indígenas em situação urbana, Acampamentos Ciganos e Comunidades Carroceiras.
- Transfere às empresas a responsabilidade de realização da Consulta, no caso de projetos da iniciativa privada. Além de violar o que determina a Convenção 169, isto poderá aumentar a violência e assédio das empresas sobre os territórios.
- O Decreto também condiciona a exigência da realização de Consulta às situações em que os territórios estejam no máximo a 3 Km de distância dos empreendimentos, ignorando os impactos sistêmicos e difusos dos empreendimentos, seja pela circulação e fluxos do ar, das águas e das espécies nos territórios.
Nos tempos atuais em que a terra pede cautela e pede que retornemos a ela o mesmo respeito e cuidado que ela tem conosco, os seus filhos e filhas, pode-se citar Nêgo Bispo “a terra dá, a terra quer”. A luta por terra e por território é primordial para o futuro da humanidade e de todas as espécies que fazem morada na terra. Os povos guardiões e defensores da terra e território seguem na luta por justiça e pela preservação da terra, seus biomas e todos os viventes. Neste sentido é urgente a revogação e anulação deste decreto.
Propostas anteriores
No Estado de Minas Gerais, tem sido rotineiro o ataque aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e Originárias, destes, cita-se um relacionado a reparação dos danos causados pela barragem da Vale S.A em Brumadinho: o rodoanel. Que poderá prejudicar cerca de 23 municípios da região metropolitana, incluindo diferentes seguimentos de Povos e Comunidades Tradicionais.
Além disso antes do Decreto Nº48.893/2024, houve um ensaio com o mesmo tipo, só que em forma de Resolução, qual seja a RESOLUÇÃO CONJUNTA SEDESE/SEMAD Nº01 DE 04 DE ABRIL DE 2022, tendo sido REVOGADA pela RESOLUÇÃO Nº02, em 23 de maio de 2023, devido a sua inconstitucionalidade e tentativo de instrumentalizar a consulta livre.
Para entender o Decreto mencionado, apresenta-se a reflexão de como chegou-se no mesmo, tendo sido primeiro ensaiado tal violação via ato administrativo, também inconstitucional, a tal resolução conjunta, que inicialmente foi publicada no Jornal do Estado de Minas Gerais, a Resolução Conjunta SEDESE/SEMAD nº 02/2023 teve como objetivo disciplinar diretamente a revogação integral da Resolução Conjunta SEDESE/SEMAD nº 01/2022.
A priori a Resolução Conjunta SEDESE/SEMAD nº 01/2022 regulamentava, no âmbito do Estado de Minas Gerais, a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) de Povos e Comunidades Tradicionais, cada vez que fossem previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, ou seja, estabelecia a CPLI como requisito para emissão da licença ambiental de atividades ou empreendimentos, devendo ocorrer antes da formalização do processo de licenciamento ambiental. A nova Resolução Conjunta SEDESE/SEMAD nº02/2023, que ANULA a anterior está em vigor desde o dia 31 de junho de 2023 (quarta-feira), data de sua publicação.
Por que é inconstitucional?
Em resumo, há um vício de iniciativa, ou seja, é um projeto de lei proposto por quem não tem competência para tal, tratando-se de inconstitucionalidade formal subjetiva ou vício de competência na Resolução: a incompetência absoluta do Estado de Minas Gerais para tratar de questão que envolva os direitos coletivos indígenas, posto que esses são abarcados na categoria “Povos e Comunidades Tradicionais”. Além do fato de que nossa CF/88 é categórica ao dispor, em seu art. 22, inciso XIV, que compete privativamente à União legislar sobre populações indígenas.
Como bem pontuado pela NOTA TÉCNICA SOBRE A RESOLUÇÃO CONJUNTA SEDESE/SEMAD Nº 01, DE 04 DE ABRIL DE 2022 QUE REGULAMENTA A CONSULTA PRÉVIA, LIVRE E INFORMADA, ainda que estejamos diante de um ato administrativo e não uma medida legislativa, é uníssono o entendimento que a palavra “legislar” é admitida na Constituição em seu sentido amplo, podendo ser substituída por “estatuir, preceituar”, não se restringindo apenas a atos do Poder Legislativo, em respeito a uma leitura atualizada conforme a Constituição de 1988 da Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), inclusive prevista na legislação brasileira desde os tempos do Império, mas mais recentemente é baseada na Lei 5371/1967, que funda a Fundação Nacional do Índio e determina que é esse o órgão capaz de “estabelecer as diretrizes e garantir o cumprimento da política indigenista” (artigo 1º, I), além da própria Constituição Federal (artigos 22, XI, e 109, XI e 231).
Como sinalizado no início dessa comunicação, os Povos e Comunidades Tradicionais no Estado de Minas Gerais tem tido direitos violados pelo Estado, as defensoras e defensores desses territórios, também são guardiões da natureza, veem que o território é mais do que terra, é cultura, identidade, e sustentabilidade para povos de trajetórias e ancestralidade.

A povaria PCT como povos originários, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, povos de terreiro, ciganos, entre outros, são resguardados por diversas legislações, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT que garante a esses Povos o direito à Consulta Livre, Prévia, Informada, Consentida e de Boa fé, sobre todas as ações de governos, empresas ou empreendimentos que possam impactar suas comunidades, territórios e modos de vida.
Texto: Maria da Conceição – Equipe PCT
Referências