Juiz inaugura procedimento de liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos no caso do rompimento da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho
A decisão tem como objetivo identificar os danos individuais que foram causados após o desastre-crime

No último dia 18 de dezembro de 2023, o juiz, Dr. Murilo Silvio de Abreu, acolheu o pedido das Instituições de Justiça, e as diversas solicitações de lideranças das pessoas atingidas, para determinar o início da fase processual de liquidação dos danos individuais homogêneos no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
A decisão tem como objetivo identificar os danos individuais que foram causados após o desastre-crime de modo a possibilitar a criação de uma matriz de danos que reconheça quais foram os danos causados, quais os critérios e provas para se reconhecer uma pessoa enquanto atingida e quais os valores das indenizações.
Esse é um passo importante para que cada pessoa atingida possa ser reparada individualmente pelos danos sofridos, independentemente da execução das demais obrigações da Vale em relação aos direitos coletivos, assumidas no Acordo Judicial firmado em fevereiro de 2021.
Confira a decisão abaixo:
Relembre o caso
Desde 09 de julho de 2019, o Poder Judiciário reconheceu a responsabilidade da Vale de reparar todos os danos causados pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho, sejam eles danos coletivos ou individuais.
Em fevereiro de 2021, o Estado de Minas Gerais e as Instituições de Justiça celebraram um acordo global com a Vale para definir os critérios de reparação dos danos coletivos, que são tratados dentro de anexos específicos. No entanto, os danos individuais, ou seja, aqueles que cada pessoa sofreu de forma particular, seguiram sem um encaminhamento dentro do processo coletivo.
Em agosto de 2022, o Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais pediram que fosse determinada a apuração específica desses danos individuais, através de um procedimento que é chamado de liquidação. Nesse procedimento, o objetivo é identificar de fato quais foram os danos individuais identificados no território, quais as pessoas atingidas e os valores indenizatórios.
Esse pedido foi aceito em 14 de março de 2023, quando o mesmo magistrado, Dr. Juiz Murilo Silvio de Abreu, determinou a instauração da liquidação, a determinação de novos estudos a serem conduzidos pela UFMG e a garantia do trabalho das Assessorias Técnicas Independentes.
Como a Vale atuou
A Vale se utilizou de uma manobra do processo judicial para interromper o seguimento da liquidação, alegando, principalmente, que não havia sido intimada, ou seja, ouvida antes da decisão.
Em razão disso o Tribunal de Justiça de Minas Gerais suspendeu a decisão de liquidação, entendendo ter havido ali uma irregularidade processual que não respeitou o contraditório, ou seja, a oportunidade de manifestação de todas as partes.
Diante de tal cenário, o juiz se retratou da decisão, reconhecendo a existência da irregularidade processual e determinando que a Vale então fosse intimada a se manifestar. A Vale apresentou os seus argumentos e, diante do que foi apresentado, veio essa nova decisão.
O que a decisão definiu?
O juiz confrontou os principais pontos apresentados pela Vale e manteve a determinação do procedimento de liquidação coletiva, a efetivação da UFMG como perícia técnica e a garantia dos trabalhos das Assessorias Técnicas Independentes no procedimento da elaboração da matriz de danos.
- A liquidação não é o último passo para as indenizações. Mas, afinal, o que é a liquidação?
Até então a Vale havia sido apenas condenada a indenizar todos os danos, mas, não se sabe ainda que danos são esses e quem poderá ser indenizado, nem mesmo qual o valor da indenização, as formas de comprovação que serão aceitas. A liquidação é uma etapa dentro do processo judicial que existe para definir exatamente quais foram os danos, quais as pessoas atingidas, quais os meios de prova e quais os valores das indenizações.
Em referida decisão, o juiz deixou também evidente que o que está sendo instaurado não é ainda a fase de execução dos danos individuais, ou seja, após essa etapa da liquidação coletiva, será necessária uma outra etapa, denominada execução, para que então as pessoas atingidas acessem os valores a serem pagos.
- Por que a liquidação coletiva é importante para o direito das pessoas atingidas?
Desde a decisão do processo coletivo que reconheceu a responsabilidade de reparação dos danos pela Vale, as pessoas atingidas podem ajuizar ações individuais em busca de indenizações. No entanto, em muitas dessas ações individuais, não existem critérios muito objetivos e claros sobre a reparação, em muitos casos os danos não são reconhecidos, as provas não são aceitas e as pessoas atingidas vem tendo seu direito à reparação individual frustrado.
Com a liquidação coletiva, são criados, dentro do processo coletivo, critérios objetivos que permitem a identificação dos danos das pessoas atingidas, quais as formas de comprovação e os valores das indenizações, facilitando ao próprio poder judiciário analisar os milhares de casos individuais de uma forma otimizada, eficiente e mais rápida.
- A determinação de novas perícias e a nomeação da UFMG
A Vale já se manifestou contra o prosseguimento da liquidação coletiva, alegando que já existem estudos em andamento, por isso o juiz não deveria determinar novos estudos. Além disso, ela argumentou que pelos estudos estarem em andamento, o juiz não deveria começar uma nova fase do processo.
No entanto, a decisão do Dr. Murilo, determina não somente ser possível, mas também necessário o início da fase de liquidação coletiva, já que os estudos em andamento provavelmente serão aproveitados ainda na liquidação coletiva e, além disso, são insuficientes para o que se pretende alcançar com a liquidação coletiva, sendo as novas investigações complementares. O juiz entendeu que não há qualquer impedimento para a fase de liquidação coletiva e para a determinação de novos estudos.
- A garantia dos trabalhos das Assessorias Técnicas Independentes
Outro fato importante foi a garantia do trabalho específico das ATIs para a fase de liquidação coletiva, para atuarem como assistentes técnicos do Ministério Público e de Defensoria Pública, em prol do direito de reparação individual das pessoas atingidas.
Para tanto, foi determinado que as ATIs farão um Plano de Trabalho da Liquidação e que caberá à Vale o custeio dessas atividades, sem que, quaisquer valores sejam retirados do Acordo Judicial.
- A criação de uma Matriz de Danos
Uma matriz de danos é o resultado final da fase de liquidação coletiva, é um instrumento que deve prever todas as informações importantes sobre os danos individuais identificados nos territórios atingidos, suas particularidades e condições. A matriz de danos permite que cada pessoa atingida reconheça seus direitos, os danos sofridos e que devem ser indenizados e quais os valores adequados para cada um dos danos.
A matriz de danos deve ser um instrumento conjunto, construído a partir do diálogo e dos trabalhos realizados ao longo da fase de liquidação coletiva e que, segundo o juiz, viabilizará a reparação célere e integral dos danos.
Além disso, o papel das ATIs como assistentes técnicas das Instituições de Justiça foi evidenciado pelo juízo como importante para contribuir na construção da matriz de danos.
Nesse sentido, foi determinado:
a) a nomeação do Projeto Brumadinho – UFMG como perito oficial da fase de liquidação dos direitos individuais;
b) caso a UFMG aceite a nomeação, o juiz marcará audiência para que as partes possam apresentar suas manifestações iniciais sobre a metodologia da liquidação coletiva;
c) após a elaboração da metodologia básica, será concedido prazo para a apresentação de plano de trabalho específico para a fase de liquidação de sentença pelas entidades Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), Instituto Guaicuy e Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab), ora nomeadas assistentes técnicas do Ministério Público e da Defensoria Pública.
- A plataforma eletrônica
O juiz ainda determinou que pretende criar uma plataforma eletrônica que irá integrar a fase de elaboração da Matriz de Danos com a fase de execução da sentença. Ou seja, por meio da plataforma, após o levantamento e valoração dos danos, cada interessado poderá fornecer dados e documentos necessários para comprovação e pedir a indenização devida de forma simplificada e rápida.
O Juiz afirmou que a Matriz de Danos deve ser construída com a participação das partes e com atuação de um perito judicial que deve garantir a “necessária imparcialidade para formação justa e adequada” desse sistema de liquidação.
- A Inversão do ônus da prova
Outro ponto importante tratado na decisão do dia 18/12/2023 é sobre a determinação de inversão do ônus da prova. Esse é um termo jurídico que significa que em casos de análise se uma pessoa é atingida ou não, se os seus danos devem ser indenizados ou não, quem tem que provar é a própria Vale e não as pessoas atingidas. Para isso, no entanto é necessário que sejam apresentadas formas de comprovação mínimas por cada pessoa atingida.
Essa é importante conquista em favor das pessoas atingidas e garante minimamente o equilíbrio de forças diante de um crime sem precedentes causados pela mineradora.
- Não aceitação de novas partes no processo
O juiz também se manifestou sobre um pedido da Associação dos Atingidos pela Barragem de Brumadinho (ABB) e a Comissão de Atingidos de Três Marias para ingressarem no processo sob o fundamento de que as Assessorias Técnicas Independentes instauradas em cada uma das 05 regiões da Bacia do Paraopeba, cumprem um papel de dialogar com as pessoas atingidas na interlocução com as Instituições de Justiça, que são parte legítima para representar as pessoas atingidas no processo coletivo.
Próximos passos
Com a decisão, foi determinado que o Projeto Brumadinho – UFMG se manifeste se aceita o cargo de perito oficial durante a fase de liquidação. Em caso de aceite, será determinada a realização de uma audiência para que as partes apresentem suas manifestações sobre os caminhos técnicos e metodológicos que pretendem acionar. Após isso, será concedido o prazo para que as Assessorias Técnicas Independentes se apresentem seus planos de trabalho específicos para a fase de liquidação coletiva.
Matéria atualizada em 19 de dezembro, às 17h12