Moradores e entidades ligadas à área do patrimônio cobram ações de preservação do conjunto arquitetônico da comunidade.  

Uma enorme cratera assustou os moradores de Citrolândia e ameaçou um dos maiores símbolos da Colônia Santa Isabel, o Portal da Colônia, uma construção quase centenária tombada em nível municipal desde 1998. No final de janeiro, a prefeitura de Betim foi notificada da erosão e, atualmente, toneladas de areia estão sendo despejadas no local, às margens da rodovia estadual que interliga os municípios Mário Campos e Betim.  

O Portal faz parte de um conjunto de construções arquitetônicas neoclássicas da Colônia Santa Isabel, fundada em 1928 para receber e tratar pessoas acometidas pela Hanseníase. Atualmente, a Colônia é o lar das famílias de antigos pacientes e também de outras pessoas que passaram a residir no local, na região de Citrolândia, no município de Betim, um dos municípios atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 2019. 

Hélio Dutra é morador e representante da Associação Comunitária de Moradores da Colônia Santa Isabel. Ele chegou a registrar a cratera com o celular. No vídeo que circulou nas redes sociais, Hélio pediu apoio das autoridades para que o buraco não destruísse o Portal, que é símbolo da região e um importante patrimônio para o movimento de combate à hanseníase no Brasil.  

“Correndo risco da gente perder esse patrimônio histórico em decorrência dessa enorme cratera, próxima ao Portal, a poucos metros do Portal. E nós estamos aqui pedindo socorro ao DER (Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem), ao governo do Estado, ao Patrimônio Histórico de Betim, através da Secretaria Municipal de Cultura e Arte, para que possamos proteger esse patrimônio histórico que representa a Colônia Santa Isabel”, contou o atingido. 

Conselho internacional lança nota 

O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), organismo internacional da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), lançou nota alertando sobre o valor arquitetônico e patrimonial do Portal, bem como, do conjunto de outras construções históricas da Colônia Santa Isabel. 

Na nota, o Conselho chamou atenção para o que classificou como “quadro de abandono” do bem patrimonial que é tombado pelo Município. 

“Temos recebido informações muito sérias a respeito dos problemas enfrentados pela Colônia Santa Isabel, em Betim, bem tombado pelo Município e de grande importância para a memória sanitarista não só local, mas também no nível nacional. São problemas de várias ordens, desde a erosão na MG-155, ao lado do portal da referida instituição até graves problemas estruturais devido às enchentes e lama configurando um quadro de abandono a bem protegido”, afirma o Conselho na nota. 

Estragos das chuvas em 2023 

Para Alenice Baeta, arqueóloga e historiadora da equipe de Patrimônio Cultural, Esporte e Lazer da Aedas, a cratera é um sinal da força das chuvas de 2023 em um território atingido pelo rompimento e pela extração de minério. Ela apontou que é necessário um projeto de revitalização patrimonial na Colônia Santa Isabel e uma proteção vigorosa do estado.  A passagem permanente de caminhões na estrada com carga pesada, inclusive de minério, próximo ao portal também pode causar, com o tempo, problemas estruturais e poluição para a estrutura do Portal.    

“É preciso ter uma maior atenção para a questão sociocultural e ambiental, tendo em vista que é uma área alagável pela proximidade do rio e é um território que tem uma história muito vulnerável, desde a sua origem”, pontuou. 

Foto mostra a dimensão da cratera às margens da rodovia, bem próxima ao Portal. Foto: Reprodução WhatsApp

De acordo com a historiadora, muito já se perdeu em relação ao sítio histórico original da Colônia, como casas, prédios e benfeitorias. “Muito importante criar mecanismos de proteção eficazes de proteção e valorização das memórias das famílias e dos seus moradores, garantindo o bem viver desta população. Trata-se de um rico e complexo território do Vale do Rio Paraopeba”, informou Alenice. 

A Colônia Santa Isabel também é palco de muita luta contra o preconceito. Na sua 29ª edição em janeiro de 2023, o Concerto Contra o Preconceito resgatou a história da comunidade e o combate à discriminação.

“O Concerto contra o Preconceito é realizado de maneira anual e foi interrompido em 2019 devido ao rompimento da barragem e em seguida pelas enchentes causadas pelo assoreamento do rio após desastre socioecológico. Em 2022 o evento foi realizado de maneira híbrida devido a pandemia e finalmente em 2023 retorna de maneira presencial. A cratera próxima ao portal histórico se abriu menos de uma semana do encerramento desse importante evento e evidenciando mais uma vez as consequências do rompimento da barragem da Vale ao povo de Colônia”, contou Nathália Ferreira, socióloga da equipe de Patrimônio Cultural, Esporte e Lazer da Aedas na Região 2.

Patrimônio da Colônia está em mapa feito pela Aedas 

A Plataforma Digital “Localize: mapa dos danos ao turismo, cultura, esporte e lazer na Região 02 do vale do Rio Paraopeba” apresenta as referências do Patrimônio Cultural, os lugares, atividades e serviços do Turismo, Esporte e Lazer, situados nos municípios da Região 02 da bacia do Rio Paraopeba.  

Ao acessar a Plataforma é possível interagir com o site realizando buscas por municípios, referências culturais, lugares, atividades e serviços de esporte, lazer e turismo, nessa região. 

Conjunto Colônia de Santa Isabel 

Além do Portal de entrada, a Colônia Santa Isabel abriga o Cine Teatro Glória e o seu conjunto urbano com vários prédios históricos. O Sítio Histórico Colônia Santa Isabel está situado à beira do rio Paraopeba e completou 100 anos desde o lançamento de sua pedra fundamental, em 24 de dezembro, em 1922, na antiga Fazenda do Motta. 

A colônia era composta por ruas largas, casas de médicos, enfermeiros, prédio, pavilhões, igreja, necrotério, cemitério, zonas de plantio, dentre outras benfeitorias. 

“As antigas ruas da Colônia Santa Isabel guardam um tempo de muito estigma, segregação e sofrimento para a maioria de seus antigos moradores. Na década de 1930, chegou a abrigar quase 4.000 pacientes, que foram obrigados a sobreviver por décadas apartados, segregados e em confinamento”, contou Alenice. 

Texto: Valmir Macêdo