Desembargador entende que suspensão de ações individuais sobre saúde seria retrocesso
Espaço participativo em Brumadinho – Foto: Valmir Macedo/Aedas

O desembargador Leite Praça decidiu pela continuidade das ações individuais contra a Vale que tenham como tema abalo mental e ressarcimento de despesas médicas de atingidas e atingidas pelo rompimento da barragem da mineradora, em Brumadinho. A decisão é do dia 7 de abril de 2025.

O magistrado entende que suspender ações individuais sobre esses temas seria um retrocesso. As demais ações individuais contra a Vale devem ser suspensas até julgamento definitivo da liquidação coletiva. 

Na decisão, o desembargador decidiu que:
  • As ações individuais que versem sobre “Abalo à saúde mental”, cumulada ou não com “Ressarcimento de despesas médicas/medicamentosas”, independentemente do estágio processual em que se encontrem, não sejam afetadas pela ordem de suspensão determinada na decisão agravada, podendo prosseguir normalmente até seu julgamento final de mérito; 
  • Para as demais ações individuais, mantém-se a suspensão determinada pelo juízo de origem, com a ressalva de que as partes autoras poderão, no prazo de 30 dias, requerer o prosseguimento de suas respectivas ações, independente do julgamento da liquidação coletiva. 

O relator, Leite Praça, argumenta que a suspensão de ações individuais enquanto se processa uma ação coletiva sobre mesmo tema decorre da garantia dos princípios da economia processual, da segurança jurídica e da efetividade da prestação jurisdicional.

Este argumento está de acordo com julgamento das Cortes Superiores, que permitem a suspensão de ofício de ações individuais quando pendente o julgamento de ação coletiva sobre mesma matéria, com fundamento em princípios de otimização da prestação jurisdicional. 

Próximos passos

As ações indenizatórias que versem sobre abalo mental e ressarcimento de despesas médicas devem voltar ao andamento normal até o julgamento final. O atingido que tenha ingressado com ação individual contra a Vale e não quer que a sua ação seja suspensa deve formular pedido no processo em 30 dias. O prazo começa a contar da intimação da decisão e o requerimento deve ser feito nos próprios autos da ação individual.  Ainda cabe recurso pela Vale.  

Confira decisão na íntegra: 

Histórico 

Em março, o Juiz Dr. Murilo concedeu decisão autorizando a suspensão de todas as ações indenizatórias individuais contra a Vale em busca da reparação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais que têm como causa de pedir o rompimento das Barragens B-I, B-IV e B-IVA, da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (25/01/2019), até que sobrevenha a decisão definitiva na presente liquidação coletiva.  

A suspensão fortalece a necessidade da liquidação coletiva dos danos individuais homogêneos, tendo em vista a melhor possibilidade probatória a favor das pessoas atingidas que será concretizada com a matriz de danos.

A medida visa também a efetividade da justiça, ao valorizar princípios de celeridade e economia processual diante da quantidade excessiva de processos individuais.. A Vale ingressou com recurso Agravo contra a decisão acima citada com os seguintes argumentos: 

  • A decisão contraria os termos do Acordo de 2021;  
  • Não foram preenchidos os requisitos que autorizem a suspensão de todos os processos individuais;  
  • Não há mais prazo viável para que cada atingido peça a suspensão; que as demandas individuais são distintas, o que não justifica uma medida que impõe a suspensão coletiva dos processos;  
  • A liquidação coletiva versa sobre direitos individuais homogêneos de caráter difuso e coletivo, enquanto as ações individuais tratam de direitos personalíssimos; 
  • A decisão ignora Convênio celebrado com o TJMG que trata de perícias médias; desconsidera esforços do judiciário para realização de perícias imobiliárias para a celebração de acordos; desconsidera mutirões de conciliação que estão agendados; 
  • Alega suficiência comprobatória dos atingidos nas ações individuais;   
  • Por fim, afirma que a decisão viola a coisa julgada. 

 Quais argumentos apresentados pelo desembargador?

Quanto à alegação de diferenças entre os processos individuais, Leite Praça afirma que a teoria dos direitos individuais homogêneos não exige correspondência absoluta entre as ações, mas apenas que decorram de um fato gerado comum, no caso o rompimento da barragem de Brumadinho. Nas palavras do desembargador “o fato de cada indivíduo experimentar o dano de forma particular não afasta a homogeneidade decorrente da origem compartilhada”.

Ademais, compreende que existirá momento de individualização após o julgamento definitivo da liquidação coletiva, em que serão definidos os titulares, os danos, os meios de comprovação e o valor da indenização para cada titular, a matriz de danos. Este procedimento de individualização da indenização gerará resultados diferentes entre os interessados, sem a necessidade do ajuizamento individual de processos que provoca ações multitudinárias.  

O Desembargador também afasta a argumentação de violação da coisa julgada, especialmente quanto ao disposto no Acordo que autoriza os atingidos a utilizar meios judiciais para pleitear pelos direitos individuais, tendo em vista que “a suspensão das ações individuais não implica em negativa de acesso aos meios judiciais, mas apenas a organização do procedimento de modo a garantir a economia processual e a isonomia entre os atingidos”, prevendo, sobretudo, a possibilidade de cada atingido manifestar pela continuidade da lide individual. A medida objetiva evitar decisões conflitantes e promover tratamento isonômico a todos os atingidos pelo mesmo fato. 

A respeito da desvalorização do Convênio 038/2023, Leite Praça aduz que este foi realizado entre o TJMG e a Vale para estabelecer bases de cooperação para a realização de perícias médicas nas especialidades de psiquiatria e clínica geral, tendo em vista o alto volume de processos que versam sobre “abalo à saúde mental”, cumulado ou não com “Ressarcimento de despesas médicas/medicamentosas”, que demandam avaliação individualizada para produção de provas.

Reconhece a qualidade e a celeridade das perícias que viabilizaram a realização de sucessivos Mutirões de Conciliação, representando cerca de 90% de acordos individuais realizados e homologados.  

Tendo em vista esse avanço no tratamento das demandas individuais e o alto índice de resolução consensual de conflitos, o magistrado afirma que nas “ações relacionadas a abalo à saúde mental, que dependem de avaliação médica individualizada, a suspensão representaria um retrocesso, considerando toda a estrutura já estabelecida pelo TJMG para processar essas ações, incluindo a contratação de peritos e o convênio firmado com a Universidade Federal de Minas Gerais”.  

Para isso, considera que não há mais discussão quanto a responsabilidade da Vale de reparar todos os danos decorrentes do rompimento, e que a estrutura de perícias montadas pelo TJMG facilita o reconhecimento dos sujeitos de direito e valores indenizáveis.

De tal forma, reconhecido o evento gerador, a responsabilidade da Vale S.A, o dever de reparar os danos decorrentes desse evento, e que as ações individuais relacionadas a abalo à saúde mental já foram individualizadas em grande parte através das perícias médicas, o magistrado entende que a manutenção da suspensão representaria um retrocesso, pois prejudicaria todo o esforço institucional e os atingidos, que teriam que comprovar seus danos na liquidação coletiva.  

Leite Praça entende que a prova foi produzida de forma satisfatória nas ações individuais de abalo mental, razão pela qual manter a suspensão comprometeria a efetividade dos mecanismos de autocomposição, violaria os princípios de economia processual, eficiência e duração razoável do processo.  

Por fim o desembargador determina o prosseguimento das ações indenizatórias que versem sobre abalo mental e ressarcimento de despesas médicas, e mantém a suspensão das demais ações individuais contra a Vale.  

Texto: Equipe Estratégias Jurídicas da Reparação (EJR) – Aedas Paraopeba