Após um ano sem a peregrinação para a “Santinha do Cerradão” no Tejuco, bairro da cidade de Brumadinho, a população finalmente voltou ao ritual no último dia 12 de outubro, data em que também se comemora o Dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Mas, apesar do movimento de fé dos fiéis, a peregrinação foi marcada pelos danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Vale, em janeiro de 2019.

A peregrinação não aconteceu em 2019 por conta da lama que tomou conta de parte do percurso e impossibilitou a caminhada realizada pelos fiéis, além do luto pelas pessoas da região. Naquela data, os fiéis foram levados ao santuário nos ônibus que a Vale disponibilizou para o trajeto. No ano seguinte, em 2020, por conta do momento pandêmico e das restrições que o momento pedia, a festa também não aconteceu.

Neste ano, 2021, os moradores e moradoras devotos/as firmaram um acordo junto à Vale, que a empresa iria levar as pessoas atingidas de um lugar previamente marcado até o local da Santinha. No entanto, o combinado não foi cumprido. Segundo os atingidos e atingidas, a van que faria o transporte atrasou em quase 1 hora e não foi ofertada estrutura para espera no local de concentração. Se chovesse não haveria cobertura, o que deixou o grupo em situação de vulnerabilidade.

Em seguida, os fiéis também contaram que sofreram abordagem dos seguranças da Vale e do Corpo de Bombeiros, mas não houve represálias. Após o ato religioso em frente à santa, a população retornou, alguns na van e outros caminhando pelo percurso interditado pela mineradora. Há um trecho no trajeto próximo de onde passou a lama e onde foram encontradas vítimas fatais do rompimento.

Para a equipe de mobilização da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), a festa pode ser definida como “muito bonita”, pois remete à padroeira do Brasil e também ao dia das crianças, que também participam. “A festa diminuiu bastante após o rompimento, houve uma desmobilização. Um dano ao processo de sociabilização, ao pertencimento da comunidade e à religiosidade popular”, comentou Moisés dos Santos, que acompanhou a festividade de perto e é membro da Assessoria Técnica.

“Essa festa é histórica para nós. Antes do rompimento, essa vinda à Santa era uma beleza. A gente vinha de cinco horas da manhã, estacionava aqui [em frente ao local que a imagem está], ficava aqui o dia inteiro, tinha muita gente vindo e voltando. A gente rezava, enfeitava. Era uma maravilha”, contou a devoto Antônio José Cardoso Filho, de 55 anos. Apontando para trás, ele relatou que havia uma nascente com água ao lado da Santa que abrilhantava o momento da reza, mas que foi destruída com o rompimento.

Apesar de todas essas dificuldades, o atingido se sente esperançoso para o futuro. “Eu espero que melhore. Falta fogueira, falta gente aqui, falta aquela alegria toda”, desabafou.

Em contraste de gerações, a jovem Thaynara Aparecida também relatou as memórias que tinha de sua infância na festa da santa. “Esse momento é muito importante porque, desde criança, minha mãe sempre me trouxe aqui. A gente fazia nossas promessas, nossas rezas e a gente vinha a pé. Mas, depois do rompimento da barragem, isso mudou”. Assim como Antônio, ela espera que os próximos dias sejam melhores. “No futuro, torço que a gente normalize a entrada do pessoal aqui da comunidade para que tudo volte a ser como era antes”.

Quem é a Santinha do Cerradão?

A tradicional peregrinação da Santinha ocorre há cerca de 50 anos em Brumadinho e começou a partir de uma aparição a um homem da comunidade. Ela recebe o nome de Cerradão por conta da localidade que está inserida, que atualmente coincide com uma área de mineração, pertencente à Vale. Conta-se que havia uma nascente de água próxima à Santa, que era visto como um lugar de cura, segundo os moradores e moradoras da comunidade.

A pessoa que deu origem e batizou a Santa morava no Tejuco e, por isso, a relação da comunidade com a religiosidade.

Em 28 de janeiro, nove dias após o rompimento da barragem em Brumadinho, um socorrista que atuava no resgate de vítimas da tragédia de Brumadinho (MG), postou um vídeo em seu perfil no Facebook, que tem comovido devotos de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. Segundo o profissional, o oratório com a santa em seu interior pertencia a uma das casas que foram devastadas. Fiéis de todo o Brasil se emocionaram com a história.