Comunidade indígena Krim Orutu Puri destaca danos causados por rompimento de Fundão e luta por reconhecimento no Leste de Minas
A comunidade indígena Krim Orutu, da etnia Pury de Minas Gerais, localizada no município de Resplendor, à margem esquerda do rio Doce, no Leste de Minas, se organiza de forma histórica na luta por reconhecimento e preservação da cultura indígena. Desde o rompimento da barragem de Fundão (2015), de responsabilidade das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton, o processo de entendimento dos danos causados e a compreensão do que é necessário para a reparação e preservação da memória e sobrevivência indígenas, também se tornaram parte da busca perene desta comunidade.
Acompanhados pela assessoria técnica da Aedas, os Pury da comunidade Krim Orutu realizam processos de organização de demandas através de espaços participativos, como na articulação do Grupo de Atingidos e Atingidas (GAA), bem como no acompanhamento através de visitas técnicas, a última realizada em maio.

“Esse crime da barragem, eles não só tiraram nosso território, como impactaram o nosso grande Rio, nos trazendo danos irreparáveis e até hoje nós não fomos reparados pelos danos que nos causaram. Com isso tudo, a gente vem criando mais força de resistência sobre nosso artesanato, sobre nossa cultura”, explica a cacica da comunidade, Duamá Puoná Xipu Puri.
Duamá Puoná Xipu Puri é liderança da comunidade que se reúne na residência da cacica, mas eles reivindicam um local. Sem território, eles estão espalhados pelo Leste de Minas, especialmente por Resplendor. Como povos originários, a comunidade Krim Orutu possui forte ligação com o Rio Doce e todo o meio ambiente da região, no entanto, depois que a avalanche de mais de 40 milhões de metros cúbicos de lama tóxica invadiu o rio Doce, os Pury da comunidade Krim Orutu convivem com os danos deixados que atingem seus rituais, alimentação e a cultura do povo.
“A gente não tem condição de fazer os nossos banhos, que a gente tinha essa tradição no rio. A gente continua sem banhar. Os peixes como a gente comia de costume, a gente não pode comer”, detalha.

Sendo parte da Resistência Pury no Leste de Minas, os Krim se organizam para resgatar a língua Pury e atuam para a preservação de plantas e sementes também usadas no artesanato.
Conheça mais sobre as práticas com sementes e plantas dos Krim
Sementes, cascas, plantas e peles são elementos com grande valor para a comunidade indígena Krim Orutu. Com este material, eles produzem saias usadas em rituais, bijuterias, redes, entre outros.

Das plantas, por exemplo, retiram matéria-prima para a confecção de saias. Segundo as lideranças da comunidade, a confecção da saia Pury, feita com fibras de plantas, é também utilizada na confecção de vassouras rústicas.
Além disso, Puoná Xipu explica que têm identificado cada vez mais dificuldade de acesso a semente chamada de ‘olho de boi’ (Mucuna urens), matéria-prima com alto valor religioso.
“Essa daqui está extinta mesmo [semente olho de boi]. A gente vai tentar fazer as mudas para poder não perder os olhos de boi. Esse olho de boi é muito sagrado para nós também. É uma semente que só dá na beira do rio. A gente colhia lá. A gente ia lá e colhia uma quantidade enorme porque dá aquelas ramas por rio afora, hoje tem uma área que está cerca que a gente nem pode ir lá, então assim, essas sementes estão extintas. A gente vai tentar fazer muda delas para gente estar plantando, para poder ter”, aponta a cacica.

Outras sementes:
Pau-brasil (Paubrasilia enchinata), é usada, intercalando com outros tipos de sementes, para fazer colares e pulseiras para seu artesanato.

Bambuí, conhecido popularmente como Cana-da-India (Phyllostachys aurea), tem suas fibras utilizadas para a confecção das saias Pury.
Conta-de-lágrima (Coix lacryma-jobi L.) também é utilizada no artesanato, para confecção de colares, pulseiras e outros tipos de enfeites.
Visita Técnica aprofunda metodologias participativas
Escutar as pessoas atingidas, levar informações sobre o processo de reparação e entender as necessidades e demandas das comunidades atingidas são parte dos pilares da atuação da assessoria técnica nos territórios atingidos. Com a comunidade indígena Krim Orutu, esse processo de escuta ativa tem acontecido também como parte de um trabalho de documentação de seus costumes.

Segundo o antropólogo da equipe de Área Temática de Povos e Comunidades Tradicionais, Pedro Portella, a visita acontece com o objetivo coletar dados e entender a ligação desta comunidade Pury com a terra e natureza.
“Realizamos a visita técnica para a coleta de dados sobre a comunidade com enfoque nos aspectos culturais e etnobotânicos. Foi aprofundada a cosmologia Pury, e a territorialidade do grupo em relação ao bioma Cerrado, Rio Doce e sociedade circundante. As práticas tradicionais desse povo indígena durante o puerpério, os rituais que envolvem cantos e danças, a confecção de adornos que dependem das espécies botânicas locais. Tudo isso pensado sob os danos do rompimento, de como todo esse universo indígena foi afetado depois do crime socioambiental”, afirma.
Pedro ainda acrescenta que os danos da ocupação de terra indígena, no caso dos Krim, tornam difícil a sobrevivência etnocultural desta comunidade:
“Nesse diálogo com os Pury descobrimos também que a Vale S.A. ocupa uma área sagrada e ancestral desse povo indígena, vital para a coleta de diversas espécies que garantem sua sobrevivência etnocultural e alimentícia. Outro aspecto foi o enfraquecimento e extinção de espécies da fauna e da flora ocasionado pelo crime do rompimento”.
Além disso, na ocasião foi identificada a necessidade de articular outras visitas técnicas, mas desta vez com as Instituições de Justiça, e outros atores público como ministérios e órgãos governamentais, em especial Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Câmara Técnica de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais.
Texto: Mariana Duarte/ Equipe de Comunicação da Aedas Médio Rio Doce