É no espaço físico […] que se consegue estabelecer relações entre o mundo e as pessoas, transformando-o em um pano de fundo no qual se inserem emoções […] nessa dimensão o espaço é entendido como algo conjugado ao ambiente e vice-versa*.

No dia 14 de abril, a Comissão de Atingidos e Atingidas de Itatiaiuçu, a Aedas e a equipe da Assessoria Técnica Peabiru realizaram uma visita ao Centro de Cultura e Artesanato Laudelina Marcondes, localizada no bairro Córrego do Feijão, em Brumadinho. Com o intuito de conhecer o centro de cultura, o trabalho e as atividades realizadas, as pessoas atingidas de Itatiaiuçu caminharam, conversaram, fizeram fotos e conheceram o ambiente.

O Centro de Cultura é um espaço criativo da região, uma das áreas mais atingidas pelo rompimento da barragem Córrego do Feijão da Vale, em 2019. O local recebe atividades culturais, oficinas de criação de produtos artesanais e artísticos. Para as pessoas atingidas, a visita foi um momento de inspiração para o desenvolvimento do Plano Popular do Centro Comunitário de Atingidos e Atingidas de Itatiaiuçu.  A criação do Centro Comunitário é uma das medidas de reparação coletiva que foi proposta pelas comunidades atingidas e está dentro do Segundo Termo de Acordo Complementar (TAC2), que deve ser assinado nos próximos meses. 

A visita ao Centro de Cultura

Reflexão, inspiração e estranheza foram alguns sentimentos presentes durante a visita ao Centro de Cultura: “a visita que a gente fez lá no Córrego do Feijão foi uma visita muito boa, saiu da zona de conforto porque de certa forma aqui a barragem não teve um rompimento, mas teve acionamento. A gente vive numa lama invisível e lá a lama é visível”, confidenciou a atingida Luzia Soares.

De acordo com o arquiteto e urbanista da Peabiru, Caio Santo Amore, a visita da Comissão à praça e aos equipamentos comunitários (cozinha industrial, restaurante, mercado e centro de cultura), foi uma forma encontrada para a construção de repertório comum entre as pessoas atingidas. “A visita foi acompanhada por gestores dos espaços, atingidos pelo desastre de 2019. Nas trocas de experiências com a Comissão de Itatiaiuçu, foi possível compreender mais do que nossos olhos e corpos viram e viveram naquele espaço, observá-lo de maneira crítica, para além do encantamento que a boa arquitetura poderia provocar”, explicou.

Caminhar pelo Centro também gerou inquietação e sensações desconcertadas. A atingida Luzia contou que “foi boa a visita, mas a comunidade é muito vazia, praça sem gente, é muita coisa boa e poucas pessoas para poder aproveitar”. 

Para a atingida Fabiana Lima a ida ao Centro de Cultura foi ainda intrigante e reflexiva. “A visita foi muito interessante, divertida até! Fica bem perceptível os danos ambientais causados na paisagem em volta, as obras de reparações que foram feitas são muitas bonitas, os projetos arquitetônicos, mas senti falta de pessoas para desfrutar daqueles espaços, embora seja um local bonito, agradável, com o rompimento da barragem muitas famílias se mudaram do local”, desabafou.

Os espaços vazios, a falta de pessoas despertou nas pessoas atingidas presentes o desejo de um Centro Comunitário que atraia as pessoas e que as comunidades atingidas se sintam pertencentes ao espaço, gerando assim uma nova realidade para Itatiaiuçu. “Eu desejo que com essas medidas de reparação que está pra acontecer aqui, as pessoas possam desejar permanecer no local, usufruindo dos espaços que vão proporcionar pra nós”, afirmou Fabiana.

A atingida Luzia Soares também comentou sobre os anseios para o Centro Comunitário de Itatiaiuçu: “É muita coisa boa para gente copiar de lá, a praça de lá ficou muito bonita, bem original como a gente sonhava, com um salão para a comunidade, espaço multiuso para todos usarem quando for preciso,  uma reunião, uma assembleia. E nós temos pessoas que vão usufruir das benfeitorias no futuro”, pontuou.

Reflexões sobre a visita

Ao retornar para Itatiaiuçu, as pessoas atingidas participaram de uma reunião para compartilhar como foi o dia, expressar seus sentimentos e reflexões. “Na dinâmica proposta, as membras e membros da comissão fizeram fotos e compuseram para cada imagem pequenos poemas, que cumpriram o objetivo de atribuir-lhes palavras. A brincadeira (séria!) nos permitiu falar daqueles espaços criticamente”, contou Caio Santo Amore da Peabiru. 

A proposta foi transformar sensações em palavras e promover um olhar crítico sobre os espaços visitados. Durante a reunião, a equipe da Peabiru mostrou uma síntese das oficinas realizadas em fevereiro nas comunidades de Pinheiros e Vieiras, além de exemplos de centros comunitários autogeridos em outros estados. 

“Apresentamos centros comunitários na Região Metropolitana de São Paulo, construídos no contexto de programas públicos de produção habitacional em autogestão e de urbanização de favelas. São casos em que esses edifícios têm de fato gestão própria das associações ou compartilhada com órgãos públicos. Com isso demonstramos que a edificação não é quase nada se não houver de fato atividade e povo para executá-las dentro desses edifícios”, concluiu Caio. 

 *Fragmento do livro Sabores, cores, sons, aromas. A organização dos espaços na educação infantil de Maria da Graça de Souza Horn.