Comissão da Câmara Federal debate com atingidos e ATI acordo firmado entre a Vale e o governo de MG
Na tarde desta quinta-feira (11), foi realizada nova audiência pública da Comissão Externa da Câmara Federal que apura o acordo entre a mineradora Vale S/A e o governo do estado de Minas Gerais. O acordo indenizatório firmado na última quinta-feira (04) no valor de R$ 37,6 bilhões, se refere à reparação dos danos socioambientais e socioeconômicos provocados pelo rompimento da barragem em Brumadinho.
A reunião contou com a participação dos parlamentares federais Rogério Correia (PT), Áurea Carolina (PSOL), Domingos Sávio (PSDB) e Padre João (PT). A Assembleia Legislativa de Minas Gerais esteve representada pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT). Estiveram, ainda, representações das Instituições de Justiça, moradores das cinco regiões da bacia do Paraopeba, vereadores dos municípios atingidos, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão Brumadinho (Avabrum) e as assessorias técnicas independentes Aedas, Nacab e Instituto Guaicuy.

Em sua fala de saudação, a deputada Áurea Carolina lembrou que, na última quarta-feira (10), representantes dos atingidos pelo rompimento, movimentos populares, a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (Anab), o Centro de Alternativas Socioeconômicas do Cerrado (Casec), o PT e o Psol, entraram com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a homologação do acordo motivados pela exclusão dos atingidos na negociação e pelo valor acordado estar aquém do inicialmente previsto (R$ 54,6 bilhões). “As populações atingidas sofrem um dano direto na celebração desse acordo”, frisou Áurea.
O coordenador da Comissão, deputado Rogério Correia, chamou a atenção para a reincidência do desastre de Brumadinho, precedido pelo da barragem de Mariana, e destacou a necessidade de reiterar no Senado Federal a aprovação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). O deputado fez, ainda, uma análise preliminar, discutindo sobre os principais pontos do acordo, discorrendo a respeito dos recursos a serem distribuídos e dos programas de reparação Socioambiental e Socioeconômica.
Ao final de sua análise, Rogério Correia considerou que, na prática, os atingidos terão pouco poder decisório na escolha de projetos e na execução do acordo, de maneira que a participação das famílias se dará, em linhas gerais, sem direito a voto e sem poder de veto. “Em conclusão, está-se diante de um acordo que poderá não cumprir seus objetivos de reparar integralmente os danos socioambientais e socioeconômicos infligidos às famílias e às regiões atingidas pelo desastre da Vale em Brumadinho, ao mesmo tempo em que destina recursos abundantes a outros setores sem relação com a tragédia”, concluiu o deputado em sua apresentação.
Na sequência, a palavra foi passada ao Procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Junior, signatário do acordo representando o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O procurador justificou a assinatura do acordo por acreditar que uma postergação do processo na Justiça, ainda que com o objetivo de negociar um valor mais alto, traria incertezas e poderia ser positiva para a mineradora. Jarbas Soares afirmou, ainda, que as Instituições de Justiça estarão vigilantes para que o que foi negociado seja cumprido e que serão criados núcleos de acompanhamento de apoio aos atingidos, socioambiental, fiscalização, execução dos recursos e criminal.
Representando a população atingida da Região 1, Fernanda Perdigão, participante da Comissão de Atingidos e Atingidas e membra do Comitê Popular da Zona Rural de Brumadinho, afirmou que “não existe justiça se não existir a participação dos atingidos” e criticou termos do acordo que não atendem às necessidades diretas das famílias, como o projeto do Rodoanel Metropolitano. Fernanda frisou, ainda, que não há no acordo nenhuma garantia à não repetição de violações. A moradora de Juatuba Joelizia Feitosa, representante dos municípios da Região 2, afirmou que os atingidos não são contra um acordo, mas são contra o processo feito em sigilo e negando o acesso à informação.
Natália de Oliveira, integrante da Avabrum, participou da reunião como porta-voz das famílias das vítimas fatais do rompimento. Ela reforçou que um acordo sem participação não tem como ser satisfatório e que “vidas não se reparam”. O dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), José Geraldo, reforçou a importância da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) protocolada no STF questionando a constitucionalidade do acordo. “Nós partimos do pressuposto da centralidade, da dor, do papel dos atingidos”, enfatizou.
Enquanto Assessoria Técnica Independente (ATI) das Regiões 1 e 2 da Bacia do Paraopeba, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) esteve presente na reunião. A coordenadora do projeto na região 1, Ísis Táboas, afirmou que, na ocasião de assinatura do acordo, havia um abismo entre o que era dito pela empresa Vale e pelas autoridades dentro do Tribunal de Justiça e o que o povo atingido pelo desastre da empresa Vale reivindicava ao lado de fora do Palácio da Justiça. “Negociar um acordo judicial de elevada intensidade à revelia dos diretamente interessados é um atentado contra diversos princípios e regras constitucionais, destaco alguns: o princípio democrático, a dignidade da pessoa humana, a tripartição das funções estatais, a publicidade dos atos processuais, o devido processo legal, a publicidade dos atos da administração pública, bem como os princípios e regras atinentes ao orçamento público”, explicou Ísis.
A coordenadora da Aedas em Brumadinho lembrou, ainda, que foi construído um manifesto pelas comissões de atingidos de toda a bacia do Paraopeba, reivindicando a participação das famílias atingidas e que havia instrumentos já preparados que poderiam ter sidos consultados, como por exemplo, a Matriz de Medidas Reparatórias Emergenciais, produzida pela Aedas. Por fim, Ísis destacou que há acordos anteriores que vêm sendo descumpridos pela empresa Vale, como o de fornecimento de água e do pagamento de auxílio emergencial. “Em relação ao auxílio, a Aedas encaminhou cerca de 12 mil relatos com bloqueios e problemas no recebimento, e no caso da água inúmeros relatórios e denúncias foram encaminhados à COPASA, ao Comitê Pró-brumadinho e à defensoria pública, por exemplo”, citou.
Confira a íntegra da audiência: