A Reparação Socioambiental faz parte do Anexo II do Acordo Judicial de Reparação, assinado em fevereiro de 2021

Espaço contou com a presença de atingidos de Brumadinho e dos municípios da Região 2 | Foto: Diego Cota

O Coletivo de Reparação Socioambiental, formado por atingidas e atingidos que atuam como Agentes Multiplicadores (AGMs), retomaram os encontros no último sábado (15/07). A reunião foi realizada no escritório da Assessoria Técnica Independente Aedas, em Betim. A ocasião reuniu AGMs de Brumadinho (Região 1) e dos municípios da Região 2.

O Coletivo discutiu questões referentes ao Plano de Reparação Socioambiental (PRSA), elaborado pela empresa Arcadis, que faz parte do Acordo Judicial de Reparação, assinado fevereiro de 2021.

Uma das características do Acordo de Reparação foi a não participação das pessoas atingidas na sua construção, que foi feita apenas entre a Vale, Governo de Minas Gerais e Instituições de Justiça. Umas das consequências disso é a não participação das atingidas e atingidos no PRSA Reparação Socioambiental, deixando as comunidades atingidas sujeitas a uma reparação que não leva em conta suas especificidades e realidades locais.

De acordo com a coordenadora da equipe de Socioambiental da Aedas em Brumadinho, Camila Magalhães, a retomada das reuniões do coletivo é importante para qualificar o entendimento do PRSA pelos atingidos. Para ela, o coletivo possibilita o “aprofundamento necessário para a compreensão do Plano como um todo para que, a partir daí, as pessoas atingidas possam, com o apoio da Aedas, acompanhar de forma qualificada não só o Plano de Reparação Socioambiental, contido no Anexo II.1 do acordo, como todo o Anexo II. Tal acompanhamento deve auxiliar na criação de estratégias que visem a garantia do direito à participação informada no âmbito da reparação socioambiental”, explicou.

As discussões sobre a necessidade de um PRSA mais participativo e transparente foram os principais assuntos em pauta na reunião. Para atingidas e atingidos, ele deveria incluir e ter como protagonistas a população que convive com os danos. Para a atingida Maria Santana Alves, da comunidade Vale do Sol, localizada em São Joaquim de Bicas, a Reparação Socioambiental deveria ter como fundamento a realidade de cada comunidade, ou seja, com a participação ativa dos atingidos na indicação das necessidades.

Ela comentou sobre um desequilíbrio ambiental em sua comunidade que provocou o aparecimento de muitos escorpiões e, além do risco real vivido diariamente, ela teme que uma reparação genérica não seja suficiente para sanar os danos de cada localidade. “São os moradores que conhecem e sabem da realidade. Não tem como fazer uma reparação padrão para todos, porque corre o risco de reparar uns e outros não. Lá na minha comunidade aparecem escorpiões na rua, onde a gente não está tendo liberdade nem de andar. Ou seja, tem a necessidade de ouvir as pessoas das comunidades, porque essa reparação padrão é muito relapsa para reparar todo mundo”, disse.

Foto: Diego Cota

O PRSA é elaborado pela empresa Arcadis. É dela a responsabilidade de elencar as medidas e ações que deverão ser adotadas pela mineradora Vale para a recuperação do meio ambiente ao longo da Bacia do Rio Paraopeba atingida pelo rompimento. Uma das reclamações dos atingidos é que a Arcadis nunca esteve no território para ouvir a população. Em dezembro de 2022, foi realizado pela Aedas, juntamente com outras ATIs que atuam no Paraopeba, o envio do Produto K e de uma Carta Manifesto para as Instituições de Justiça sobre a necessidade de participação e de transparência no PRSA.

No documento foram elaboradas críticas e sugestões das pessoas dos 26 municípios atingidos que buscavam a inclusão dessas demandas no Plano desenvolvido pela Arcadis. Entretanto, sete meses depois, ainda não houve resposta para as questões levantadas. Para o coordenador da equipe de Socioambiental da Aedas na Região 2, Lineu Ribeiro, a atuação do Coletivo é para além da elaboração de documentos. “O que estamos fazendo aqui não é só para anotar tudo, produzir um documento e enviar para as IJs e não ter resposta. Esse movimento é exatamente para a gente tentar garantir que os princípios da centralidade do sofrimento da vítima, da garantia de não repetição e da participação informada, sejam respeitados”, disse.

A falta de transparência do PRSA, que fere princípios como o da participação informada, tem sido uma das cobranças realizadas pelos integrantes do Coletivo, como aponta o atingido dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA) João Carlos Pio de Souza, ogã do Ilê Axé Alá Tooloribi, localizado em Juatuba.

“A gente tem cobrado transparência, que é nosso direito enquanto cidadão. Não informam nada. Há uma certa conivência das Instituições de Justiça, dos órgãos responsáveis em representação da população. Deveria haver participação e transparência em todo processo, inclusive para o controle social. Como pode haver reparação sem participação e sem os atingidos saberem onde estão sendo feitos os investimentos? Nós estamos na luta para que haja mais participação, transparência e controle social”, pontuou.

Atualmente, o único espaço para recebimento de informações pela Aedas se dá na reunião mensal da empresa AECOM, responsável pela auditoria do PRSA. Entretanto, as ATIs participam dessa reunião exclusivamente como ouvintes e não há espaço para falas, dúvidas ou intervenções. A atingida Mara Tatiana Soares, da comunidade de Francelinos, em Juatuba, fala da importância da luta dos atingidos, mas que é necessária transparência e diálogo para que ela não seja em vão.

“A luta coletiva é importante, juntamente com toda a população, com a ajuda da Aedas, mas a gente precisa de transparência, porque não adianta a gente ter a Aedas para fazer as reuniões conosco se ela não tem autonomia para repassar e trazer as respostas que a gente precisa. Aí a luta fica travada, porque a gente faz as reuniões, encaminha ofícios, mas não tem retorno. Os atingidos, nesse processo todo, não foram ouvidos, a gente não está sendo ouvido.”, declarou.

Atingidos reforçam a importância do Coletivo

Foto: Diego Cota

Os atingidos que integram o Coletivo de Reparação Socioambiental destacaram a importância do diálogo desenvolvido no espaço. Para Marcus Vinicius Resende Dias, familiar de vítima fatal da comunidade Salgado Filho, em Brumadinho, a discussão “é de suma importância, porque o socioambiental envolve um aspecto principal na reparação, que é a saúde das pessoas e das comunidades atingidas. Então, ao debater essa questão do Socioambiental, do que está previsto no acordo e de como isso está sendo executado na reparação, as pessoas levantam as necessidades, apresentam as demandas, os problemas, com anseio de que a gente registre e adote medidas para solucionar os danos que advieram do rompimento da barragem”, disse.

Já João Pio destaca a efetividade para o fortalecimento da luta. “O Coletivo é fundamental para nos encontrarmos, fortalecermos politicamente e trocarmos informações, ideias e novas proposições de encaminhamentos para a luta, mas sobretudo para que a gente tenha as informações alinhadas. O Coletivo fortalece a questão organizativa, pois isso nós atingidos precisamos nesse contexto do que o desastre-crime da Vale produziu para todos nós na Bacia do Paraopeba. Precisamos estar juntos e juntas, porque só assim a gente vai conseguir que esse processo, que ainda é desigual, não é transparente e nem participativo, que ele seja a partir da nossa força e do nosso trabalho conjunto”, afirmou.

Ciranda

Encontro contou com uma Ciranda, conduzida pela equipe de Pedagogia da Aedas; espaço aborda temática de forma lúdica para crianças e adolescentes.

Texto e fotografias: Diego Cota, mobilizador da Região 2