Caso Samarco: Atingidos(as) pelo rompimento de Fundão denunciam falta de participação no acordo de Repactuação em audiência pública

Em audiência pública solicitada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, ocorrido na manhã de quinta-feira (05), na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão – de responsabilidade das empresas Samarco, Vale e BHP Billinton – debateram com membros do executivo, legislativo, representantes das Instituições de Justiça e de movimentos sociais, o processo de Repactuação do caso Rio Doce. Na ocasião, os presentes reafirmaram pautas consideradas importantes na busca por reparação justa e integral e denunciaram a falta de participação e transparência.
Intitulado “Debate sobre os Desafios da Justiça Climática e Socioambiental”, a audiência reuniu mais de 500 pessoas atingidas e contou com a participação de representantes do Governo Federal, do Ministério Público Federal, Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo e das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs). Diversas lideranças sociais também estiveram presentes.
Em sua fala de abertura da audiência pública, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) abriu os trabalhos destacando que a audiência foi um pedido do MAB e proposto por ela na Comissão de Meio Ambiente e prontamente aprovada. A deputada lembrou ainda que a audiência coincidiu com o Dia da Amazônia e que a mobilização teve como foco a justiça climática e a reparação dos danos nas regiões atingidas pelos rompimentos de barragens.
“Minas não parece ter aprendido com as lições. Centenas de pessoas mortas, duas bacias comprometidas e, mesmo assim, continuamos a abrir caminho para mais destruição”, lamentou Beatriz Cerqueira.

Jocéli Andrioli, liderança nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), denunciou a ausência de participação das pessoas atingidas no processo de repactuação do acordo do caso Samarco e destacou que as tratativas têm violado tanto a Política Estadual de Atingidos por Barragens (PEAB) quanto a Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB).
“O MAB não é contra acordos, mas é contra acordos injustos. Este acordo, na nossa avaliação, é injusto, impróprio, ilegal e ilegítimo porque não conta com a participação das vítimas. Como é que fazem um acordo sem ouvir aqueles que perderam tudo?”, questiona a liderança do MAB. Ele enfatizou que as mineradoras estão se beneficiando do sigilo das negociações, o que levanta preocupações sobre a transparência e justiça do processo. Além disso, mencionou que a Advocacia-Geral da União (AGU) já solicitou a quebra da confidencialidade do acordo, mas as empresas responsáveis pelo desastre não aceitaram.
Maria Aparecida Silva Guimarães, atingida quilombola do Quilombo Córrego do 14 (Naque) e representante do território 03 (Vale do Aço) dentro do sistema de Governança, denunciou a falta de reconhecimento de sua comunidade como território tradicional e a situação de extrema vulnerabilidade da comunidade do Naque.
“Estamos em situação de vulnerabilidade muito grande. Estou aqui porque eu sinto que é preciso e necessário estar aqui com vocês nessa luta. O descaso com os pescadores, ribeirinhos e agricultores tem sido muito grande. As pessoas estão lutando com muita dificuldade. O número de doenças aumentou devido à questão da falta de qualidade da água. A nossa água é colhida onde o rio Doce encontra o rio Santo Antônio. A nossa água está um caos. Meu relógio foi desligado essa semana. A maioria de nós, ali em Naque, não temos condições de comprar um filtro bom. A nossa população hoje é uma população doente. Na minha rua faleceu uma criança de seis anos de idade com câncer no cérebro. Pedimos socorro há quase nove anos. Tivemos pedidos do AFE (Auxílio Financeiro Emergencial) negados. Pedidos de indenizações. Nosso pessoal está morrendo com necessidade de alimentos. Com necessidade de tratamentos de saúde. Eu peço socorro e justiça para conosco!”

Ao final de sua fala, Maria Aparecida entregou aos representantes das instituições de justiça e à mesa da audiência pública uma Carta de Protesto dos Territórios Tradicionais Invisíveis. O documento fala sobre as Comissões Locais Territoriais dos Povos e Comunidades Tradicionais que não conseguiram atuar no TACGOV porque não há o reconhecimento das comissões que seguiram todos os trâmites para serem formadas. Sem o reconhecimento da estrutura da Governança, as comissões não conseguem acessar o direito ao Orçamento Atingidos, ficando fora do processo de participação.
A representante da Secretaria-Geral da Presidência da República, Kelli Cristine de Oliveira Mafort, apontou a participação do governo federal nas mesas de negociações, ressaltando a importância da inclusão das pessoas atingidas no processo. “Para nós, é fundamental a participação dos atingidos e atingidas. Lamentamos que não haja uma participação direta, pois não temos pretensão de representá-los, mas sim de promover um espaço em que eles possam se representar”, afirmou.
Kelli também explicou que, embora a coordenação do processo de repactuação não seja do governo federal, a Secretaria-Geral tem se empenhado em garantir o diálogo social. “Apresentamos uma proposta [de participação] que se baseia em três pilares: a manutenção das assessorias técnicas independentes, a criação de um Conselho de Participação Social com representação das comunidades da bacia do Rio Doce e a criação de um fundo popular para subsidiar projetos das comunidades”, explicou.
A representante também fez questão de negritar que o governo federal está comprometido para que o acordo de repactuação seja justo, ressaltando que “os atingidos trazem, com muita força, o desejo por justiça”. A servidora pública finalizou reafirmando o papel da Secretaria-Geral da Presidência como um canal de diálogo direto com o governo federal e o compromisso da gestão do presidente Lula com a regulamentação de políticas para os atingidos por barragens e a criação de espaços institucionais que permitam uma interlocução adequada para tratar dessas pautas urgentes e relevantes.
Acesso a água
Gleiciane Ferreira, atingida de São Lourenço, distrito do município de Bugre (MG), fez um depoimento emocionado sobre os danos que vem sofrendo após o rompimento da barragem de Fundão. Ela destacou as dificuldades enfrentadas por sua comunidade desde o desastre-crime de 2015 e relatou a grave situação com a qualidade da água, que continua comprometida. “Fomos contaminados diretamente. O poço artesiano de nossa comunidade está a menos de 50 metros do Rio Doce, e a água que consumimos é contaminada,” afirmou.

A falta de segurança no consumo da água agrava não apenas os danos à saúde, mas também à produção agrícola e ao lazer. “Nada que plantamos tem dado resultado. A agricultura está extremamente difícil e muitos de nós temos que buscar trabalho em outros lugares para sobreviver. Antes, o Rio Doce nos proporcionava momentos de diversão nas prainhas. Agora, a Vale, Samarco e BHP tiraram isso de nós e mataram nossos sonhos,” disse, com voz embargada.
Para a atingida, a repactuação não pode ser assinada sem que as necessidades dos atingidos sejam devidamente consideradas. Emocionada, Gleyciane também falou sobre os problemas de saúde que sua comunidade enfrenta. “Muitos de nós estamos sofrendo com problemas de pele e câncer, e a situação está se tornando insuportável. Estamos lutando há anos e não temos recebido a atenção necessária,” relatou.
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Texto: Thiago Matos – Assessor de Comunicação do Programa Médio Rio Doce da Aedas