Solenidade de assinatura da repactuação do Acordo de Mariana em Brasília Foto: Ricardo Stuckert/PR

Às vésperas de completar nove anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), um novo acordo para reparar os danos causados pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton foi firmado na manhã desta sexta-feira (25), em Brasília, entre as mineradoras responsáveis pelo desastre-crime de Mariana e o poder público. O valor total do acordo celebrado é de R$ 132 bilhões. O rompimento, ocorrido em 5 de novembro de 2015, é considerado o maior desastre-crime socioambiental da história do Brasil, com danos devastadores que ainda persistem ao longo da Bacia do Rio Doce e litoral capixaba. 

O novo acordo foi assinado em cerimônia no Palácio do Planalto, com a presença do Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, e representantes de diferentes esferas do Governo Federal, Supremo Tribunal Federal, Tribunais Regionais, Governos Estaduais e Instituições de Justiça. 

Em seu discurso, o presidente Lula apontou para a responsabilidade das mineradoras que ocasionaram o desastre e cobrou envolvimento de seus ministérios na execução de projetos. “Eu espero que as empresas mineradoras tenham aprendido uma lição, ficaria mais barato evitar o que aconteceu.[…] Agora é que começa o desafio maior. Primeiro porque esse projeto é para 20 anos, não é para 20 dias. Cada Ministério que está envolvido em cada área tem que apresentar projetos porque não é o discurso que faz acontecer, é a qualidade do projeto”, afirmou. 

Para o estabelecimento do acordo, segundo apontado pelo advogado Geral da União, Jorge Messias, 13 ministérios e 6 autarquias se envolveram nas negociações atuais, além de quatro outras pastas e da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). Essa mobilização contou ainda com a atuação do Ministério Público Federal, a Defensoria Pública, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e as prefeituras dos 49 municípios atingidos.  

Presente na cerimônia, o ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Barroso, recordou que o rompimento da barragem de Fundão resultou na morte de 19 pessoas, atingiu mais de 40 municípios e três reservas indígenas, além de causar uma grande degradação ambiental na bacia do Rio Doce, com danos que se estenderam de Minas Gerais até o Espírito Santo.  

“Não faz bem a causa da humanidade a monetização da desgraça e, portanto, nós estávamos aqui preocupados com as pessoas [atingidas] e com a reparação ambiental. Essa não é uma ocasião festiva, mas acho que é um momento de esperança para as pessoas que sofreram muito as consequências desse acidente. E, agora, o acordo é um marco inicial. Há uma longa tarefa pela frente e precisamos fazer a vida acontecer”, destacou Barroso. 

Valores totais envolvidos

O acordo prevê o pagamento de R$ 132 bilhões, dos quais R$ 100 bilhões representam novos recursos que devem ser pagos em até 20 anos pelas empresas envolvidas na tragédia ao poder público para serem aplicados em diversas destinações. As mineradoras também destinarão outros R$ 32 bilhões para custeio de indenizações a pessoas atingidas e de ações reparatórias que permanecerão sob sua responsabilidade, além dos R$ 38 bilhões que eles alegam já terem desembolsado. 

  • 100 + 32 (R$132 bilhões) 

Dinheiro Novo:  empresas pagarão ao poder público o valor de R$ 100 bilhões em 20 anos, distribuídos conforme as principais destinações. 

Obrigações de fazer que permanecem com as empresas (exceções à regra geral):

  • Implantação de Sistema indenizatório final e definitivo – PID para alcançar os atingidos que não conseguiram comprovar documentalmente os danos sofridos; 
  • Pagamento de R$ 35 mil aos atingidos em geral e R$ 95 mil aos pescadores e agricultores; 
  • Público estimado de 300 mil pessoas que terão direito a receber esses valores; 
  • R$ 11,5 bilhões previstos para realização dos pagamentos, a serem operacionalizados pelas empresas; 
  • Pagamento de R$ 13 mil pelo dano água (Público estimado de 20 mil pessoas).

Provisionamento 

  • Empresas estimam gastar R$ 32 bilhões com indenizações individuais e com as obrigações de fazer que continuam responsáveis. 
  • Valores já gastos – Empresas afirmam já ter desembolsado R$ 38 bilhões na reparação socioambiental, por meio da Fundação Renova.

Pedido por participação

Durante a apresentação do novo acordo, o Advogado Geral da União (AGU), Jorge Messias, informou que o movimento dos atingidos por barragens (MAB) e grupos de atingidos reivindicaram, de forma justa, de acordo com o ministro, acesso e participação à mesa de negociação da repactuação. “Contudo, devido à dinâmica processual, a justiça indeferiu essa possibilidade. Em resposta, o ministro Márcio Macedo, da Secretaria-Geral da Presidência da República, liderou uma caravana que percorreu 11 cidades da bacia do Rio Doce e reuniu mais de 3.000 pessoas. Realizamos várias reuniões com movimentos sociais para ouvir suas demandas”, considera. 

Fruto da mobilização popular e da luta coletiva, a criação do Fundo de Participação Popular da Bacia do Rio Doce, uma reivindicação histórica dos movimentos sociais, terá um aporte no valor de 5 bilhões de reais. Esse valor será destinado a projetos apresentados e construídos pelas próprias comunidades atingidas, por aqueles que enfrentam as dificuldades no dia a dia. “Esses não serão projetos concebidos em gabinetes de Brasília. Mas sim, iniciativas feitas por quem está com ‘a mão no barro’. Isso é fundamental para garantir que a reparação atenda verdadeiramente às necessidades das pessoas atingidas”, finalizou o ministro. 

Atendendo a uma reivindicação importante das mulheres atingidas, com o apoio da Defensoria Pública e do Ministério Público e o trabalho das Assessorias Técnicas Independentes, o novo acordo destina o valor de R$ 1 bilhão de reais para o pagamento do auxílio financeiro das mulheres que sofreram discriminação de gênero ao longo do processo de reparação. As mulheres também terão prioridade na alocação de vários recursos que serão construídos pelos territórios atingidos.

DESTINAÇÃO DOS RECURSOS NOVOS

Para Programa de Transferência de Renda – PTR 

  • Auxílio mensal a pescadores e agricultores atingidos, por até quatro anos, no valor inicial de 1,5 salário-mínimo nos três primeiros anos e 1 salário nos últimos 12 meses; 
  • Pagamento com Cartão do Governo Federal (Caixa) 
    Responsáveis: MDA e MPA  
    R$ 3,75 bilhões 
     

Para investimento em Programas de Retomada Econômica – PRE, em três anos
Valor total: R$ 6,5 bilhões 

  • Eixo Fomento Produtivo: 

Incentivar ações de reforço ao desenvolvimento social e econômico através de ações dirigidas à promoção de negócios geradores de renda e empregos e à melhoria da qualidade de vida das populações afetadas, em especial aquelas em situação de vulnerabilidade social. 

Valor: R$ 2 bilhões. 
Responsável: MDS 
 

  • Eixo Rural: 

Revitalizar, reestruturar e impulsionar as atividades produtivas e ambientalmente sustentáveis dos agricultores familiares, produtores rurais, assentados de reforma agrária, quilombolas, silvicultores, extrativistas, incluindo outros povos e comunidades tradicionais  
Valor: R$ 2,5 bilhões. 
Responsável: MDA e MAPA 

  • Eixo Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação: 
    Fomento de ações de educação, ciência, tecnologia e inovação  
    Valor: R$ 2 bilhões. 
    Responsáveis: MME, МЕС  
     
  • Mulheres atingidas: Ministérios Públicos (MPs) e Defensorias 

Para pagamento auxílio financeiro às mulheres que foram vítimas de discriminação de gênero durante o processo reparatório; 
Valor: R$ 1 bilhão 

Responsáveis: MPs e Defensorias e Ministério das Mulheres.  
 

  • Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais (IPCTs) 

Para realização da recuperação em modelo de autogestão, dos próprios IPCTs, acompanhados pela União; 

 
– Os recursos serão acessados pelos IPCTs após decisão de aceitar o modelo proposto, em consulta livre, prévia e informada; 

– Reconhecimento adicional de povos e comunidades tradicionais como atingidas, assegurando o direito ao recebimento de auxílio financeiro e verbas reparatórias; 

– Estruturação de fundo para implementação de políticas públicas pelo Governo Federal a outros povos e comunidades não reconhecidos. 
Valor: R$ 8 bilhões 

Responsáveis: MPI, MIR, MDA, Funai e Anater, com supervisão do MPF 
 
Saúde 
 
Para aplicação em saúde coletiva na Bacia do Rio Doce 
– R$ 3,6 bilhões para investimento em estudo, infraestrutura e equipamentos  
– R$ 8,4 bilhões para constituição de Fundo Perpétuo, com objetivo de utilização dos rendimentos em custeio adicional ao SUS na Bacia 
Valor total: R$ 12 bilhões 
Responsáveis: 
Gestão compartilhada entre a União (MS) e Estados do ES e MG com repasse de recursos aos municípios. 
 

  • Pesca: MPA, MMA e Estados 
    Para Plano de Reestruturação da Gestão da Pesca e Aquicultura – PROPESCA. Ações a serem desenvolvidas pela União e Estados com o objetivo promover a reestruturação das cadeias produtivas da pesca e da aquicultura. 
     
    Liberação gradual da pesca, hoje suspensa por decisão judicial, na medida em que os entes responsáveis elaboraram planos de ordenamento da atividade pesqueira. Previsão de elaboração em até seis meses na região do rio em território do Estado de Minas Gerais e em até 24meses na região costeira dos estados do Espírito Santos; Investimento em PTR e PRE relacionadas à atividade pesqueira e pescadores, conforme elencado acima; 
    Valores: R$ 2,44 bilhões 
    Responsáveis: Gestão compartilhada entre a União/MPA e Estados dos ES e MG. 
     
  • Meio Ambiente: Atingidos e Recuperação Econômica 

Para Projetos Socioambientais dos Estados – natur mista – social, ambiental e de retomada econômica
Valores: 17,46 bilhões  

  • Saneamento: 

Para investimento em saneamento básico nos municípios da Bacia, com o propósito de assegurar e antecipar as metas de universalização, com redução de tarifas. 
Valores: R$ 11 bilhões 

Responsáveis: Gestão compartilhada entre a União (MCid e CC/PPI) e Estados do ES e MG 

  • Fundo de Enchentes: Estados 

Para constituição de fundo perpétuo, com rendimentos aplicados no enfrentamento às consequências das enchentes – retirada de lama, recuperação de solos e infraestrutura etc.; 
Valores: R$ 2 bilhões 

Responsáveis: Estados do ES e MG 

  • Rodovias 

 
Para investimento na duplicação e melhorias de rodovias federais na Bacia: 

BR-262 e BR- 356; 
Valores: R$ 4,3 bilhões 

Responsáveis: União/MT em relação à BR-262 e Estado de MG em relação à BR-356, por delegação. 

  • Fortalecimento Institucional da ANM: 

Para investimentos no fortalecimento institucional da Agência Nacional de Mineração 
Valor: R$ 1 bilhão 

– ANM, melhorando sua capacidade de fiscalização de barragens; 
Responsável: MME/ANM 

Direito à Assessoria Técnica Independente 

O direito à Assessoria Técnica Independente (ATI) também está previsto no novo acordo e prevê a continuidade da ATI por até 48 meses após a assinatura da repactuação. A gestão desse recurso será responsabilidade da SGPR, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). 

O economista Henrique Lacerda, coordenador institucional geral do programa Médio Rio Doce da Aedas, fala sobre a relevância das Assessorias Técnicas Independentes:  

“As assessorias técnicas independentes são conquistas essenciais do povo atingido na luta por reparação e justiça. As ATIs garantem às pessoas atingidas apoio técnico especializado, sem vínculo com as empresas causadoras dos danos, para avaliar os diversos cenários de interesse da população atingida. A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) também reconhece esse direito, assegurando que as pessoas atingidas não fiquem sem acesso à informação técnica e jurídica para que possam atuar com protagonismo na defesa das suas demandas e na construção coletiva das soluções”, conclui.

Repactuação

A repactuação do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (2015), surgiu após críticas sobre a ineficiência do TTAC original, que foi considerado lento, excludente e inadequado para resolver os danos causados pelas mineradoras, levando à necessidade de maior transparência, participação das pessoas atingidas e a inclusão de novos demandas, como o reconhecimento de novos territórios e dos povos tradicionais e comunidades tradicionais.

Texto: Thiago Matos e Glenda Uchôa – Assessoria de Comunicação do Programa Médio Rio Doce