Diálogo foi destinado para o retorno sobre as demandas solicitadas pela população durante visita ao território, realizada em dezembro de 2023

Fotos: Diego Cota/Aedas

Comissões e Lideranças de comunidades atingidas de Brumadinho se reuniram com representantes dos Compromitentes do Acordo Judicial de Reparação na quinta-feira (20/06), na comunidade Córrego do Feijão, na Zona Quente, epicentro do desastre-crime do rompimento da barragem da Vale, ocorrido em 2019. Na ocasião, foi feito o diálogo sobre o andamento do Acordo, especialmente nas questões mais evidenciadas pelas pessoas atingidas. 

A conversa foi conduzida a partir das demandas solicitadas pelas comissões e lideranças durante visita da comitiva do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), realizada em 11 de dezembro de 2023. Questões como saúde e exposição da população aos efeitos da atividade de mineração, reparação socioambiental, Programa de Transferência de Renda (PTR) e andamento dos Anexos do Acordo foram algumas das pautas abordadas.

A reunião foi organizada pela Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos/MPMG) e contou com representantes da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPEMG), da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde do MPMG, do Comitê Gestor Pró-Brumadinho – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) e Secretaria de Estado de Saúde (SES) –, da Fundação Getúlio Vargas (FGV/PTR), AECOM – auditora dos estudos socioambientais –, e representantes do executivo local.

A coordenadora da Cimos, promotora Dra. Shirley Machado, explicou que a agenda tem como objetivo alinhar o diálogo no território com as pessoas atingidas para melhor implementação do Acordo de Reparação. “Os Compromitentes, eu falo aqui pelo Ministério Público, têm uma intenção de sempre se aproximar das comunidades e entender como elas têm vivenciado os danos, como elas têm percebido o Acordo e como a gente já pode aprimorar na sua execução”, disse. 

Acompanhamento do Acordo Judicial de Reparação 

O principal objetivo dos Compromitentes no dia foi dialogar com as demandas comunitárias e acompanhar o desenvolvimento das atividades referentes à execução do Acordo. “Aqui a gente teve um momento de diálogo com várias comunidades. A gente sempre sai com outras demandas. Entrega algumas e sai com outras, isso aprimora o processo. Acho que conseguimos, os Compromitentes vieram com grupo de muitas pessoas e trouxeram muitas informações”, explicou a promotora Dra. Shirley Machado. 

A reunião foi iniciada com um agradecimento, por parte do MPMG e da DPEMG, do empenho das lideranças atingidas no período de construção da Proposta Definitiva do Anexo I.1, encerrada nos dias 8 e 9 de junho, em Belo Horizonte. A promotora aproveitou para informar sobre as perspectivas dos próximos passos junto à Entidade Gestora e repassou as informações contidas no Comunicado 23 das Instituições de Justiça sobre as datas para entrega da proposta definitiva pela Entidade Gestora e o tempo de análise de pertinência, antes de ser destinada para homologação pelo juiz da Ação Civil Pública de reparação.

Pauta de interesse da população, o Programa de Transferência de Renda (PTR) também esteve no diálogo do dia. Pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), gestora do PTR, esteve a coordenadora de relacionamento Marcela Galvani Borges, que explicou as últimas movimentações do programa, como o pagamento do valor passivo aos atingidos que foram negados ou bloqueados de forma indevida pela mineradora Vale no Pagamento Emergencial, no período anterior a novembro de 2021. 

Membros do Comitê Gestor Pró-Brumadinho, do Governo de Minas, estiveram presentes para dialogar com questões relacionadas às obras de reparação do Anexo I.4. 

Foi realizada, também, uma explicação pelo engenheiro e diretor da AECOM, Caio Prado, sobre os estudos e a reparação socioambiental na Bacia do Paraopeba. A empresa é a responsável pela auditoria independente dos estudos socioambientais, a qual divulga mensalmente os resultados das atividades e a atualização quanto ao cumprimento ou não dos cronogramas dos projetos e ações. 

Programa de Transferência de Renda vai manter os atuais critérios, dizem IJs 

O PTR é uma parte do Acordo de Reparação essencial para as comunidades atingidas vitimadas pelo rompimento. Esse aspecto foi destacado nos relatos das comissões e lideranças, que temem o fim do programa, previsto para abril de 2026, como informado pela FGV, no Portal PTR. Além disso, ele possui critérios que define que parte da população do município, situada na Zona Quente, receba o valor integral, enquanto as demais pessoas recebem 50% do salário-mínimo.

Foram objeto do diálogo sobre o PTR os pleitos das comunidades de Ponte das Almorreimas e Rua Amianto, bem como a inclusão de Pessoas com Deficiência (PCDs) nos grupos prioritários para recebimento do valor integral do PTR.  

As Instituições de Justiça reafirmaram a manutenção da estabilidade dos critérios previstos no edital do PTR, fato que não abriria a possibilidade para inclusão da Rua Amianto no recebimento integral, assim como a de PCDs, uma vez que os critérios são fixos. 

Identificação das obras de reparação foi solicitada pelas comissões 

Outra pauta destacada pelas comissões e lideranças é referente ao Anexo I.4 do Programa de Reparação Socioeconômica, do Acordo Judicial de Reparação, que prevê obras para o município de Brumadinho. Há um receio de apropriação política das obras, visto que 2024 é ano de eleições municipais. Esse uso, segundo as pessoas atingidas, se daria pela falta de identificação da fonte dos recursos nas placas das intervenções que estão sendo realizadas no território. 

Eduardo Lana, do Comitê Gestor Pró-Brumadinho, informou que foi iniciado um diálogo com a auditora para verificar a viabilidade de inserir essas placas nas obras relacionadas ao Acordo. Essa demanda ainda está em andamento. Atualmente, a transparência sobre as obras do Anexo I.4, assim como as do I.3 – Projetos para a Bacia do Paraopeba –, está disponível no site Projeto Rio Paraopeba, da FGV, que faz a auditoria

Como encaminhamento, a promotora Shirley vai solicitar para a FGV que sejam feitas visitas nas obras da reparação já informadas como realizadas, para que seja avaliada a qualidade dessas obras. Também será verificado o tipo de divulgação feita para cada uma delas, e se está destacado que são obras com recursos da reparação, executadas pela prefeitura ou Vale. 

Saúde da população: monitoramento da água e exposição à poeira da mineração 

As comissões relataram, durante a realização do encontro no Córrego do Feijão, os problemas enfrentados pelas comunidades, especialmente na Zona Quente, com a excessiva poeira provocada pela atividade de mineração. Sobre essa questão, a promotora Shirley Machado solicitou para a AECOM fazer o acompanhamento da situação da poeira na comunidade do Córrego do Feijão, para analisar as medidas de contenção da poeira pela Vale. 

Em relação ao monitoramento da água, foi informado pela promotora Vanessa Campolina que a Secretaria Estadual de Saúde (SES) e a Vale estão em fase de renegociação do programa de monitoramento da água. Entre as questões em discussão está o pedido para ampliar a distância do buffer em relação à margem do rio, que atualmente é de 100 metros. Essa é a distância adotada pela Vale para fornecimento de demandas emergenciais.

Depósito do rejeito na cava da Mina Córrego do Feijão traz preocupação para atingidas 

A lama de rejeitos do rompimento está sendo retornada para a Mina e depositado na cava onde, por muitos anos, foi feita a extração de minério. A informação foi confirmada por Caio Prado, da AECOM. “A cava do Feijão está recebendo de volta esse material, porque não há previsão de retomada de utilização dessa cava”, disse. 

Com esse cenário, existe o receio das pessoas atingidas de uma eventual contaminação das águas subterrâneas, que teria potencial para resultar em impacto ambiental de grandes proporções. As pessoas atingidas temem pelos problemas que podem ser causados a longo prazo e relataram situações registradas nas comunidades, como é o caso do resultado das análises feitas pela Fiocruz sobre contaminação da população com cinco metais pesados incluindo as crianças de 0 a 6 anos. 

Atingidos relataram incidência cada vez maior da Vale no território 

Uma das denúncias das pessoas atingidas é da influência cada vez maior da mineradora Vale, responsável pelo desastre-crime, no território. Relatos sobre a presença e atuação da mineradora, violando direitos e dominando o território também foram trazidos pelas pessoas atingidas. 

Compromitentes vão sistematizar demandas das pessoas atingidas 

De acordo com a promotora Shirley Machado, as pessoas atingidas terão o retorno das demandas feitas durante o momento de diálogo. “A gente espera organizar os encaminhamentos e devolver, através de uma ata, com uma resposta por escrito, ou através de uma outra reunião. A ideia é que a gente sempre faça essa aproximação, entendendo o desafio que é um território nessa extensão. Enfim, a ideia é dar essa devolutiva da melhor maneira que a gente conseguir”, contou. 

As pessoas atingidas presentes manifestaram a importância da presença e a realização do diálogo com os Compromitentes. “Esse espaço aqui hoje é fundamental. A gente estava esperando por isso já há muito tempo. É muito importante sermos ouvidos pelas Instituições de Justiça. E eu espero que realmente as nossas demandas sejam olhadas de uma maneira mais eficaz”, afirmou a atingida Elizete Amorim, da comunidade Ponte das Almorreimas.

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Texto e fotos: Diego Cota

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