Foliões tomaram as ruas de Citrolândia para cobrar justiça ambiental e reparação integral 

Na ala de frente, crianças carregam uma faixa com a pergunta “Quanto vale a vida?”, em referência a crimes socioambientais | Foto: Felipe Cunha – Aedas

No último domingo (15), as ruas de Citrolândia, em Betim, foram tomadas por foliões que celebraram o pré-carnaval ao som do bloco “Cueca do Avesso”. 

Criado em 2019, o bloco teve como proposta resgatar a tradição carnavalesca da região e vem se consolidando como uma importante manifestação de memória, resistência, conscientização e justiça socioambiental. 

Neste ano, o tema “Memórias da Lama, Sonhos do Rio” transformou a festa em um ato de memória coletiva, denúncia e esperança. A proposta do bloco é chamar atenção para a luta por justiça ambiental e pela reparação integral após desastres socioambientais. O desfile prestou homenagem às vítimas do desastre-crime de Brumadinho e fez uma denúncia aos danos socioambientais sofridos pelas comunidades que fazem parte de Citrolândia, reforçando a identidade e a resistência dos moradores. 

A identidade visual do bloco refletiu a dualidade entre dor e esperança. O abadá da bateria, com o tema “Natureza Silenciada”, trazia no design elementos que representavam os danos socioambientais causados pela lama de rejeitos da barragem da Mina Córrego do Feijão. Já o abadá dos foliões, intitulado “Esperança que Renasce”, celebrava a vida, a resiliência e o desejo de transformação, destacando a força coletiva na busca por reparação. 

A bateria do bloco não foi apenas um elemento musical, mas também um protesto visual e sonoro. O desfile reforçou a importância da memória coletiva, conectando o carnaval à resistência e à conscientização ambiental. Mais do que uma festa, o Cueca do Avesso transformou o pré-carnaval de Citrolândia em um momento de reflexão sobre danos causados pela mineração predatória. 

Luara Luz, produtora do Bloco Cueca do Avesso, lembra que, quando o grupo foi fundado em 2019, ninguém imaginava que, em tão pouco tempo, ele teria uma forte relevância social: “Por isso, decidimos que, a cada ano, levaremos para a avenida temas importantes para nossa comunidade”. 

Luara Luz, produtora do Bloco Cueca do Avesso, faz menção ao desastre-crime da Vale S.A. | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Luara também reforça a importância da memória e da luta por justiça: “Seis anos se passaram desde o desastre-crime da Vale em Brumadinho e, até hoje, ninguém foi responsabilizado criminalmente pela morte das 272 vítimas e pelos imensuráveis danos socioambientais causados pela tragédia. Além disso, as comunidades atingidas continuam sofrendo as consequências desse episódio, como as enchentes que atingiram nossa comunidade, na Colônia Santa Isabel”. 

Bateria do Bloco “Cueca do Avesso” | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Os foliões e as foliãs cobram por justiça ambiental

A realidade de Citrolândia reforça ainda mais as mensagens do bloco. Muitas pessoas da comunidade foram atingidas pelas enchentes de 2022, quando rejeitos do fundo do rio Paraopeba invadiram quintais e ruas. Até hoje, os moradores convivem com a incerteza sobre a qualidade da água do rio. Essa insegurança, resultado tanto do rompimento em Brumadinho em 2019 quanto das enchentes de 2022, transformou o cotidiano da comunidade e tornou a luta por justiça socioambiental ainda mais urgente. 

Entre os participantes do cortejo estava Robson Neves, morador da Colônia Santa Isabel, que vive a 100 metros do Rio Paraopeba, atingido pelas enchentes de 2022 e integra a bateria do bloco. 

Robson Neves, morador da Colônia Santa Isabel, que vive a 100 metros do Rio Paraopeba, foi atingido pelas enchentes de 2022 | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Ele compartilhou seu relato sobre os danos das enchentes em sua vida e a importância de não deixar o desastre-crime da Vale S.A. cair no esquecimento. 

“Na enchente de 2022, a lama suja e contaminada invadiu minha casa pelos fundos do quintal. O maior prejuízo foi a estrutura da casa: dois cômodos da parte mais baixa tiveram rachaduras e, após vistoria da Defesa Civil, foram interditados. No final do ano passado, precisei derrubar”. 

Além dos danos à moradia, Robson também perdeu parte do quintal, que antes abrigava plantações, galinhas e árvores frutíferas. “Tenho um pé de jabuticaba e dois pés de manga, mas não comemos mais os frutos com medo de contaminação”, conta. 

O atingido busca reparação na justiça desde 2022. “Tenho um processo na Defensoria Pública e aguardamos o desfecho. Tivemos uma audiência em junho do ano passado, mas seguimos esperando”, explica. 

Ao comentar sobre o bloco, Robson destacou a relevância da manifestação carnavalesca como forma de luta e memória. “Achei lindo, marcante e forte. Não podemos deixar esse crime da Vale cair no esquecimento e ficar impune”. 

Carnaval e o papel político e social

Na foto, Geisa Tomé e Michelle Rocha celebram o Bloco de Carnaval de sua região | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Michelle Rocha, atingida da comunidade Monte Calvário, em Betim e liderança da comissão de atingidos, falou sobre o papel político e social dos blocos de carnaval. Segundo ela, “são décadas de histórias sendo levadas para a rua, servindo também como espaço para denunciar as dificuldades do povo brasileiro em diversos cenários de luta pelo país”. 

Michelle afirma que essa dimensão se manifesta no carnaval “como uma forma de denúncia e informação, mas com diversão, alcançando um público que, muitas vezes, não acompanha o mundo político e social”. 

Ela destaca ainda a importância de materiais como faixas, cartazes e camisetas para reforçar essas mensagens. “A faixa que o bloco Cueca do Avesso trouxe, ‘Quanto vale uma vida?’, por exemplo, é fundamental para manter a memória coletiva viva.” 

Por fim, Michelle ressalta a necessidade de ocupar esses espaços: “É essencial estar presente, levando a mensagem para que nunca caia no esquecimento, para que nunca mais aconteça um crime bárbaro como o de Brumadinho. Que nenhuma família sofra como as que perderam seus entes queridos, suas rendas, seu lazer, e que continuam vivendo as consequências desse crime continuado”. 

Para Geisa Tomé, também da comissão de atingidos e moradora da Regional Citrolândia, em Betim, mesmo sendo um momento festivo, o Carnaval é uma oportunidade importante para trazer à tona a questão do rompimento: “Todas as mídias estão voltadas para essa festa, e hoje, seis anos após o desastre-crime da Vale em Brumadinho, quase não se fala mais sobre ele. Essa impunidade está sendo esquecida por muitos, e essa é mais uma forma de denunciar um crime que ceifou 272 vidas, sem que ninguém tenha sido punido até hoje”, destaca. 

Participação de alas que reforçaram pautas sociais e trabalhistas

A ala do SindUTE traz em seu abadá a imagem de Paulo Freire | Foto: Felipe Cunha – Aedas

O bloco Cueca do Avesso também contou com a participação de alas que reforçaram pautas sociais e trabalhistas, como o SindUTE, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais. 

Segundo Ana Paula Ribeiro, da Regional Imbiruçu, da comunidade do Jardim Perla e diretora do SindUTE, “É a terceira vez que acompanhamos o Bloco. É um bloco que se aproxima muito do povo, da classe trabalhadora. Nós, do SindUTE, fomos convidados a participar com uma ala da Educação. Nossa ala se chama ‘Quem Luta Educa’, porque defendemos a luta por uma educação pública de qualidade. Nosso patrono é Paulo Freire. O tema deste ano é a nossa pauta de luta para 2025: ‘Defender e conquistar direitos’.” 

O dia oficial

Foto: Felipe Cunha | Aedas

Com arte e protesto, o bloco Cueca do Avesso reafirma seu papel como um importante agente de memória e transformação social e política em Betim. 

O grande dia do bloco será no próximo domingo, em 23 de fevereiro, com concentração às 13h e desfile marcado para 15h, na Rua do Rosário, em Betim

Criança carrega estandarte em homenagem às 272 joias do rompimento de Brumadinho | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Texto e fotos: Felipe Cunha – Aedas