REVITIMIZAÇÃO. A falta de informações sobre os riscos e os mecanismos de proteção aprofunda os danos psicológicos e sociais da população

Barragem B1-A, da Emicon Mineração e Terraplenagem, em Brumadinho | Reprodução

A Agência Nacional de Mineração (ANM) elevou, nesta quarta-feira (23), o nível de emergência da barragem B1-A, pertencente à empresa Emicon Mineração e Terraplenagem Ltda., em Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte. O alerta subiu de nível 1 para nível 2, em uma escala de 1 a 3, indicando maior risco de rompimento. A medida foi tomada como prevenção para garantir a segurança da população residente na Zona de Autossalvamento (ZAS)

Localização e importância ambiental 

A barragem está localizada na Fazenda do Quéias, na encosta sul do Conjunto Serra da Farofa (Serra de Itatiaiuçu), divisa com a Serra da Conquista, na cabeceira do Córrego Quéias. A sua Zona de Autossalvamento (ZAS) abrange uma área extensa, atingindo residências, hortas, plantações, além da BR-381 — rodovia que liga Belo Horizonte a São Paulo —, o Rio Veloso e o reservatório do Rio Manso, um dos principais mananciais de abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Por estar inserida em uma região de grande relevância hídrica e ambiental, o risco de rompimento preocupa ainda mais, sobretudo as famílias que vivem dentro da ZAS.

Situação de abandono e motivos do alerta 

Segundo a ANM, os estados das barragens da Emicon Mineração e Terraplenagem em Brumadinho são de total abandono, não havendo sequer a presença de funcionários da empresa no local. Devido à falta de fiscalização e de estudos atualizados que comprovem a integridade das estruturas da barragem, a ANM decidiu por alterar o nível de emergência, como medida preventiva e de segurança das pessoas que ocupam a Zona de Autossalvamento (ZAS).  

A ANM aponta a ausência de sistemas automatizados de alerta, videomonitoramento e a não apresentação da Declaração de Conformidade e Operacionalidade (DCO) do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM). Apesar do alerta, a Agência informou que não há risco iminente de rompimento. 

Em nota, o Governo Federal afirma que “os estudos conduzidos por auditores e projetistas indicam que os resultados obtidos não podem ser considerados conclusivos, em virtude de insuficiências nas investigações geotécnicas”. A negligência da empresa responsável pelas barragens em oferecer laudos técnicos atualizados justifica a preocupação dos órgãos públicos e as ações tomadas. 

Evacuação das famílias 

Como consequência direta, cerca de 40 pessoas, distribuídas em seis famílias e 29 residências, foram notificadas pela Defesa Civil para evacuar a ZAS. A Prefeitura de Brumadinho montou um Centro Estratégico Municipal para dar suporte logístico, com cadastramento e remoção preventiva a partir do dia 25 de julho. As famílias serão transferidas para imóveis alugados em áreas seguras. 

Fonte: Elaboração Aedas com dados da ANM – julho de 2025 
Fonte: Elaboração Aedas com dados da ANM – julho de 2025 
Fonte: Elaboração Aedas com dados da ANM – julho de 2025 

Revitimização 

A nova ameaça reacende temores e revitimiza a população atingida de Brumadinho, que ainda luta pela reparação dos danos do rompimento da barragem de responsabilidade da empresa Vale S.A., em 2019, desastre sociotecnológico que vitimou 272 joias. A falta de informações sobre os riscos e os mecanismos de proteção aprofunda os danos psicológicos e sociais da população.  

Violações de direitos e ações judiciais 

Organizações como a Avabrum (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão) denunciam a falta de informações claras, de transparência e implementação de uma política efetiva de prevenção a rompimento de barragens, que vá além de medidas paliativas e garanta a proteção real da sociedade. 

Além disso, a Emicon é alvo de ações judiciais desde 2024 por descumprir cláusulas do Termo de Compromisso firmado em 2022 com o Ministério Público de Minas Gerais, dentre as quais, prazo de descaracterização da estrutura, não realização do monitoramento contínuo, deixar o local sem funcionários e abandono do cumprimento de planos obrigatórios de segurança. Além de outras obrigações, havia a previsão no Termo de manutenção de auxílios às famílias evacuadas da área de risco das barragens. 

A juíza da 2ª Vara Cível de Brumadinho chegou a determinar prazo para a mineradora adotar medidas emergenciais para garantir a segurança e aplicou sanções rigorosas em caso de descumprimento. Apesar do prazo estabelecido para cumprimento das obrigações e multa de até R$500.000,00 reais para cada sócio da empresa, nenhuma providência foi tomada até o momento. Tal descumprimento das obrigações do Termo de Compromisso leva à alteração do nível de emergência e provoca violações de direitos das pessoas nas áreas ao redor da barragem. 

Informações técnicas da barragem 

Segundo os dados obtidos através da Agência Nacional de Mineração (ANM), em 24/07/2025 a barragem de rejeitos de minério de ferro B1A, da Emicon, iniciou sua operação em 01/12/1996 e foi desativada em 02/01/2014, ou seja, não recebia mais rejeitos desde esta data. Nota-se que mesmo paralisada há mais de 10 anos, a estrutura não está em processo de descaracterização, nem mesmo foi apresentado um plano ou cronograma de projeto. O volume de projeto licenciado do reservatório era de 729 mil m³, mas o volume atual armazenado informado é de 914,5 mil m³ (25% a mais do que foi licenciado), o que reforça a necessidade de esclarecimentos técnicos e de controle rigoroso sobre a estabilidade da estrutura. A barragem adota alteamento por linha de centro, contínuo — método que, embora não seja proibido como a montante, exige monitoramento e comprovação constantes de estabilidade, sobretudo quando a estrutura está desativada há anos. Ela encontra-se embargada, está classificada com Categoria de Risco (CRI) Alta — isto é, apresenta características técnicas, de projeto, estado de conservação, operação e gestão que elevam a probabilidade de ocorrência de falhas — e com Dano Potencial Associado (DPA) Alto, o que significa que, caso haja ruptura, os danos esperados sobre vidas humanas, infraestrutura, atividades econômicas e o meio ambiente seriam severos. Por isso, a ANM exige o PAEBMPlano de Ação Emergencial para Barragens de Mineração, sendo obrigatório e deve conter mapeamento da ZAS (Zona de Autossalvamento) e ZSS (Zona de Segurança Secundária), rotas de fuga, sistemas de alerta e procedimentos de evacuação para a população potencialmente atingida. A estrutura está atualmente em Nível de Emergência 2, estágio que indica anomalias relevantes ou ausência de garantias suficientes de estabilidade, demandando medidas imediatas de resposta e evacuação preventiva da ZAS, ainda que não se conclua pela iminência de ruptura. O Status do DCO (Declaração de Condição de Operacionalidade) consta como “Não enviado em 2025”, ou seja, a empresa não remeteu à ANM, no ano corrente, o documento que atesta formalmente as condições de segurança/operacionalidade da barragem, o que configura descumprimento de obrigação essencial de transparência e gestão de risco, elevando de nível 01 de emergência, para nível 02. Em síntese: trata-se de uma barragem desativada, embargada, com CRI e DPA altos, em Nível de Emergência 2, sem DCO enviado em 2025, o que reforça a necessidade de ações urgentes de segurança, informação nítida à população atingida e fiscalização intensa pelos órgãos competentes. 

Resolução nº 95/2022: obrigações ignoradas 

A Resolução nº 95/2022 da ANM determina que barragens em nível 2 sejam automaticamente classificadas como CRI alto, impondo suspensão de lançamentos e reforço nas medidas de segurança. Também exige atualização de dados no SIGBM, elaboração de PAEBM com mapas georreferenciados e identificação de população em risco. 

A Emicon não apresentou estudos atualizados de estabilidade, sendo obrigada a contratar auditoria independente, mas segue em descumprimento, violando o direito à segurança das comunidades vizinhas. 

Levantamento de não conformidades 

Conforme o Relatório Sintético da Campanha de Entrega da Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) de março de 2025, divulgado pela ANM: 

  • Das 457 barragens na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), 26 declararam instabilidade e 16 não enviaram o documento, totalizando 42 estruturas sem atestado positivo de estabilidade
  • Dessas 42, 41 foram automaticamente embargadas por não cumprirem os requisitos legais — o que representa cerca de 9% de todas as barragens com obrigação de DCE
  • Aproximadamente 36% das barragens sem DCE positiva estão localizadas em Minas Gerais

Em março de 2025, havia 83 barragens em nível de emergência, das quais: 

  • 42 (51%) não entregaram DCE atestando estabilidade e foram embargadas. 
  • Destas todas estão sob prioridade de fiscalização, justamente por serem consideradas de maior risco. 

Importante destacar que, embora o relatório não identifique individualmente as barragens embargadas, a história da B1A da Emicon se alinha ao perfil dessas estruturas, pois acumula histórico de descumprimento de DCE/DCO e permanece embargada, reforçando o padrão de negligência apontado pela ANM. 

Confira também: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) divulga Relatório de Segurança de Barragens 2024-2025 – Aedas  

Leia também: Nota da Aedas sobre segurança de Barragens


Fontes ANM: 

ANM – Agência Nacional de Mineração 

Dashboard Barragens de Mineração 

Barragem B1-A tem nível de emergência elevado por precaução em MG — Agência Nacional de Mineração 

Relatório DCE