Aedas divulga balanço sobre Programa de Transferência de Renda (PTR) e aponta atrasos nas ações socioambientais em Brumadinho
Instituição relata demora em estudos socioambientais e falta de transparência

Pessoas atingidas da Bacia do Paraopeba em ato em defesa do PTR | Foto: Lucas Jerônimo/Aedas
O Programa de Transferência de Renda (PTR), pagamento mensal realizado para mais de 153 mil pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, será reduzido pela metade em março de 2025 (exceto para familiares de vítimas fatais, crianças e adolescentes) e deve encerrar em abril de 2026. O corte ocorre em cenário com críticas das comunidades pela demora das medidas de reparação socioeconômica e ambiental seis anos após o rompimento da barragem.
O estudo da Aedas, entidade que presta assessoria técnica para as comunidades atingidas em Brumadinho e outros seis municípios próximos, aponta a centralidade do PTR na vida dos atingidos, mostrando que a instituição realizou 1.320 atendimentos e recebeu 189 demandas de pessoas ou comunidades que apresentam algum problema relacionado ao Programa em 2024. “O PTR é fundamental para a sobrevivência de muitas famílias, mas apresenta problemas, como demora na análise dos cadastros e falhas na operacionalização dos pagamentos, fazendo com que pessoas que recebiam o PTR normalmente parassem de receber sem nenhuma explicação. Além disso, é comum ouvir relatos de familiares que moram na mesma casa sendo que uma pessoa recebe o PTR e a outra não”, explica a gerente geral do Eixo da Reparação da Aedas, Ranuzia Netta.
O Programa é fruto do Acordo Judicial de 2021 entre Vale, Instituições de Justiça e Governo de Minas Gerais e já estava prevista a redução gradual dos valores e o encerramento. No entanto, Netta avalia que a redução será abrupta. “Reduzir o valor pela metade trará grande impacto para todos os atingidos”, critica. O estudo divulgado pela Aedas explica que inicialmente havia um auxílio econômico emergencial que, com o acordo, se transformou no PTR. “O intuito era que os atingidos tivessem formas de sobreviver até que fossem de fato reparados e indenizados. Muitos perderam seus empregos, deixaram de pescar, cultivar hortas, adoeceram física e mentalmente, além de diversos outros fatores que mudaram drasticamente o modo de vida e a economia das famílias”, resume a gerente da Aedas.
Ela aponta que outras ações de reparação demoram mais do que o previsto. “A precariedade das infraestruturas locais, a poluição da bacia do Paraopeba e os altos índices de vulnerabilidade social continuam a exigir suporte financeiro contínuo. Como as pessoas vão deixar de receber o PTR se as indenizações individuais não avançam e ainda não são concretas novas opções de renda?”, questiona.
Confira o estudo na íntegra:
Reparação Socioambiental

Rio Paraopeba foi atingido pela lama de rejeitos | Foto: Aicó Culturas
Enquanto o programa caminha para redução e extinção, o Plano de Recuperação Socioambiental ainda não tem versão final e os estudos de avaliação de risco à saúde e risco ecológico que irão dimensionar os riscos da contaminação da água e solo na saúde da população está com o cronograma atrasado em mais de um ano e em fase de contratação de uma nova entidade para execução. A própria dragagem do Rio Paraopeba também não teve a remoção do rejeito dos primeiros dois quilômetros concluída.

Mapas mostram antes e depois do rompimento em Brumadinho com impactos de obras da reparação
“É visível a piora na condição de vida das pessoas atingidas tanto pelas consequências do rompimento que ainda não foram reparadas, quanto pelas próprias ações da reparação que acontecem sem transparência ou diálogo com as comunidades”, afirma Netta. Dentre os danos relatados pelos atingidos está a poeira pela quantidade de caminhões nas obras da reparação e a disposição dos rejeitos.
Outra preocupação que os atingidos relatam é em relação a cava da mina Córrego do Feijão, atualmente usada pela Vale para despejar os rejeitos retirados do Ribeirão Ferro-Carvão e do Rio Paraopeba. A cava está próxima a diversas nascentes e moradores temem a contaminação do aquífero. “A Aecom, empresa responsável pela auditoria dos estudos socioambientais, monitora os poços próximos à cava, mas não divulga os resultados, gerando muita insegurança para as comunidades, como a comunidade quilombola Sanhudo e o Tejuco”, finaliza Netta.
Estudo do PTR destaca grupos vulnerabilizados
Grupos e pessoas em situação vulnerável são abordados no estudo realizado pela Aedas, com a indicação de que devem ser priorizados pelo PTR. “A falta de estratégias para apoiar essas populações durante a execução do PTR tem perpetuado desigualdades que o programa deveria mitigar e a redução do valor, em um momento em que as condições de vida ainda não retornaram ao que eram antes, vai incidir de forma mais intensa esses grupos vulnerabilizados”, avalia.
Outro ponto em destaque no documento é a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), sancionada em 2023, que prevê auxílio emergencial que assegure a manutenção dos níveis de vida até que as pessoas alcancem condições no mínimo equivalentes ou superiores às anteriores ao desastre. “Tais condições evidentemente não aconteceram ainda no caso do Paraopeba”, ressalta Netta. Ela também lembra que a PNAB determina programas específicos e ações prioritárias para mulheres, pessoas idosas, PCDs, populações indígenas, comunidades tradicionais e outras populações vulneráveis.
Sobre a Aedas
Criada em 2000, a Aedas – Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social é uma organização focada na defesa de direitos de comunidades atingidas por barragens. Atua em diferentes localidades como Rio Doce, Itatiaiuçu e Barra Longa. Em 2019 foi escolhida para ser Assessoria Técnica Independente das comunidades atingidas de duas regiões afetadas pelo rompimento da Mina Córrego do Feijão: Brumadinho (Região 1) e municípios de Betim, Mário Campos, Juatuba, São Joaquim de Bicas, Igarapé e Mateus Leme (que compõem a Região 2).

Familiares em ato em Brumadinho em janeiro de 2024 | Foto: Felipe Cunha/Aedas