Seminário teve como objetivo debater a memória e fortalecer a luta por justiça, além de compreender como a memória coletiva é um ato político que impede o esquecimento 

Diretoria da AVABRUM e um minuto de silêncio antes do início do Seminário | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Ontem, dia 23, na semana em que se completam 6 anos do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem de Brumadinho (AVABRUM) realizou, em Brumadinho, o seminário “Memórias do Irreparável”, dividido em dois momentos: 

Pela manhã ocorreu o Painel 1, com o tema “Direito à Verdade e à Memória”, que abordou a busca pela verdade e a preservação da memória como pilares fundamentais para a justiça e a prevenção de novas tragédias. 

À tarde, foi realizado o Painel 2, cujo tema “Memórias de Resistência e Luta por Justiça” refletiu sobre como a memória se transforma em resistência e mobilização coletiva em prol de direitos e reparação. 

Foto: Felipe Cunha – Aedas

As mediadoras do Seminário foram as integrantes da diretoria da AVABRUM, Kenya Lamounier e Edi Aparecida Tavares. 

No Painel 1, os convidados foram: 

  • A comunicóloga Ana Vitória Alkmin, que abordou o discurso e o apagamento da memória coletiva. 
  • A jornalista Daniela Arbex, que falou sobre a busca da verdade nos bastidores do desastre e a importância da memória para as futuras gerações. 
  • Fabíola Moulin, artista visual e que preside o Memorial das Joias. 
  • Lucas Ragazzi e Murilo Rocha, jornalistas que discutiram a narrativa do crime e a responsabilização. 

Kenya Lamounier (AVABRUM), a jornalista Daniela Arbex, os jornalistas Lucas Ragazzi e Murilo Rocha, a artista visual Fabíola Moulin, e a comunicóloga Ana Vitória Alkmin | Foto: Felipe Cunha

Já no Painel 2, a mesa foi composta por:

  • Elisangela Boggione, pedagoga e psicóloga, que destacou o papel das mulheres sobreviventes de Brumadinho como guardiãs da memória e agentes de resistência. 
  • Fernanda Tuna, atingida de Macacos e conselheira tutelar, que tratou da luta das comunidades atingidas por participação efetiva e reparação justa. 
  • Dr. Luciano Pereira, advogado da AVABRUM que falou sobre os desafios jurídicos e os avanços na luta por reparação
  • Flávio Silva, pai de uma vítima da Boate Kiss, que compartilhou sua trajetória de ativismo por justiça e memória. 

A pedagoga e psicóloga Elisângela Boggione, a atingida de Macacos e conselheira tutelar Fernanda Tuna, Edi Aparecida Tavares (AVABRUM), o advogado Dr. Luciano Pereira e Flávio Silva, pai de uma vítima da Boate Kiss | Foto: Felipe Cunha

SEM MEMÓRIA NÃO HÁ JUSTIÇA! 

Kenya Lamounier, da AVABRUM, destacou que: “É importante esse espaço para que possamos refletir sobre tudo o que aconteceu. Também fazemos uma homenagem aos nossos que perderam a vida nesse crime e propomos uma reflexão para que esse crime não passe impune. A AVABRUM está na luta e continuará até que a justiça seja alcançada. Para nós, é muito difícil: seis anos e ninguém foi preso. Não há dúvidas de que foi um crime, mas a justiça, até agora, não chegou. Buscamos, por meio dessas ações, dar visibilidade à nossa luta”.  

Kenya Lamounier (AVABRUM) – “não esquecer não é apenas sobre os nossos, mas também sobre o crime cometido” | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Kenya também ressaltou a relevância de debater sobre a memória: “Hoje vamos falar sobre memória para lembrar, memória para não esquecer. E não esquecer não é apenas sobre os nossos, mas também sobre o crime cometido, e sobre o fato de que a impunidade ainda reina. Ainda assim, acreditamos muito que a justiça será feita”. 

Daniela Arbex, autora dos livros Arrastados e Holocausto Brasileiro, destacou que “o jornalista, muitas vezes, é escolhido pelas histórias que vai contar, e é fundamental o exercício de empatia. Temos o compromisso de narrar essas histórias”.  

Ela também comentou da importância da construção da memória para as futuras gerações: “A gente precisa falar das urgências de recontar as tragedias brasileiras a partir do olhar das pessoas atingidas por elas. Após uma tragedia coletiva dessa dimensão, nessa guerra de narrativas que surge logo após os eventos, as pessoas com mais poder são aquelas que tem mais voz e as vítimas acabam silenciadas”. 

Daniela Arbex – “A gente precisa falar das urgências de recontar as tragedias brasileiras” | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Fabíola Moulin, artista visual e que preside o Memorial das Joias, destacou a importância do memorial: “Esse memorial foi resultado do trabalho de muitas pessoas e de embates constantes com a Vale, que ainda são diários. O memorial aponta para o direito à memória, ao não esquecimento. Aqui, a memória pode ser restauradora de direitos desrespeitados, de resistência, uma construção coletiva, reparação simbólica, consciência social. Enfim, memória como direito (…). Todo o programa busca preencher de sentidos, para que esse memorial cumpra seu papel, missão e função social (…) Sabemos que para morte é irreparável, mas com o memorial, com seus programas e ações, que seja a expressão de lugar da memória do irreparável”. 

A comunicóloga Ana Vitória Alkmin, analisou como o discurso organizacional — exemplificado pela Vale — consegue mascarar a realidade vivida nos territórios atingidos (…) a escuta promovida pela empresa é meramente ilustrativa.  

Ana também mencionou as grandes demonstrações de poder, como a instalação de uma escultura de ferro no meio do Córrego do Feijão, questionando: “O que essa escultura está querendo dizer? A Vale utiliza esses símbolos para se posicionar, gerando medo, revolta e uma sensação de opressão”.

Foto: Felipe Cunha – Aedas

Edi Aparecida Tavares, da diretoria da AVABRUM, disse que “é muito bom quando a gente consegue produzir um evento de qualidade, tivemos debate do que tange a memória. Também para levar a informação da construção de uma memória que não tem que ser só afetiva de cada um, mas que essa memória afetiva alcance a memória coletiva, a memória social”. 

Kenya Lamounier (AVABRUM) disse ao final que, “As memórias são matéria prima para registrar o que ocorreu no passado e fazer parte da história (…) Que as narrativas sejam fiéis aos fatos. Lembrar, reter, registrar, garante que as vidas ceifadas não sejam esquecidas (…) Trazer à tona as histórias de vida das 272 pessoas assassinadas é dizer do crime e sua engenharia sórdida, é possibilitar que no futuro os registros assegurem a veracidade dos fatos (…) O memorial pelo qual tanto lutamos será lugar de referência para assegurar que a história seja fiel aos fatos, lá, a voz será das pessoas que a Vale matou, mas não calou”.  

Guerra de narrativas 

Joias do rompimento | Foto: Felipe Cunha – Aedas

Um dos temas abordados durante o seminário foram as propagandas da Vale, que promovem uma imagem de reparação para o mundo e destacam a importância da mineração. Em contraponto, a Aedas produziu, junto às pessoas atingidas, um vídeo que apresenta outra perspectiva e incluiu as opiniões delas sobre essas propagandas. 

Veja abaixo os vídeos:  

Texto e fotos: Felipe Cunha | Aedas


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