Audiência no TJMG iniciou o debate sobre o trabalho da perícia para a Liquidação Coletiva
Instituições de Justiça, UFMG e mineradora Vale apresentaram suas considerações sobre a metodologia; pessoas atingidas e ATIs participaram como ouvintes

Concentração das pessoas atingidas ocorreu no período da tarde | Fotos: Felipe Cunha/Aedas
Atingidas e atingidos das cinco regiões da Bacia do Rio Paraopeba e Represa de Três Marias vitimadas pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, ocorrido em 2019, em Brumadinho, organizaram uma mobilização na luta pelo direito às indenizações individuais, na quinta-feira (02/05), em frente ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), no Bairro Luxemburgo, em Belo Horizonte.
O ato, articulado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), lideranças e grupos das regiões atingidas, ocorreu no período da tarde durante a realização de uma audiência convocada pelo juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias do TJMG, Murilo Silvio de Abreu, para dialogar com as partes da Ação Civil Pública – Instituições de Justiça e mineradora Vale – e o Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC/UFMG) sobre a metodologia de trabalho da perícia para a fase de Liquidação Coletiva dos Direitos Individuais.
Representantes da população atingida das cinco regiões e as Assessorias Técnicas Independentes do Paraopeba puderam acompanhar a audiência apenas como ouvintes. Na ocasião, as Instituições de Justiça apresentaram uma proposta de metodologia dividida em três fases. A gerente geral do Eixo Institucional da Aedas, Flávia Gondim, contou sobre a manifestação das partes que representam a população atingida.
“As IJs se manifestaram pela defesa dessa liquidação, manifestaram pela importância da categorização dos danos, da forma de comprovação e da valoração e a Vale recuou fazendo apenas uma defesa sobre o Termo de Compromisso que foi firmado três meses após o rompimento”, disse.
A gravação da audiência pode ser acessada aqui. Para assistir, informe seu CPF e um e-mail.

As três etapas da proposta de metodologia apresentada pelas Instituições de Justiça
As IJs, que em agosto de 2022 publicaram uma petição que deu início ao trâmite da Liquidação Coletiva, apresentaram na audiência dessa quinta-feira uma proposta metodológica a ser realizada em três etapas. As Instituições, que representam a população atingida na Ação Civil Pública, justificaram a proposta com base nas legislações que instituíram a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab) e a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).
Na primeira etapa seriam definidas as categorias de danos individuais causados a cada um dos grupos de pessoas que devem ser reconhecidas enquanto atingidas. Nessa fase, a proposta é que sejam elaboradas listas com a relação dos danos individuais identificados nos territórios atingidos e a caracterização dos grupos de pessoas elegíveis à reparação individual.


Ao longo da tarde, atingidas e atingidos discursaram sobre a situação vivenciada no território afetado
Na segunda etapa seria feita a definição de parâmetros de valoração dos danos em sua extensão e intensidade. Nessa fase seria produzido um relatório com os parâmetros de valoração dos danos por grupos elegíveis, contendo os fatores agravadores e a forma de medir a extensão do dano individual. Os fatores agravadores levariam em conta a presença dos danos em populações vulnerabilizadas, como mulheres, idosos, pessoas com deficiência e outros. Essa é a etapa que vai definir quanto é que será pago para cada dano sofrido.
Já a terceira etapa seria destinada para a definição de formas mínimas de comprovação de pertencimento aos grupos definidos na primeira etapa. Ou seja, é o momento que vai indicar como as pessoas atingidas vão acessar a indenização individual.
O atingido Marcus Rezende, da comunidade Salgado Filho, de Brumadinho, participou como ouvinte da audiência e reforçou a importância do acompanhamento da Ação Civil Pública. “É uma ferramenta importantíssima para a garantia de direitos das indenizações individuais das pessoas atingidas por esse crime que a Vale cometeu em nossos territórios. É muito importante o acompanhamento e a participação das nossas comunidades nesse processo de Reparação”, afirmou.


O que diz a Vale, causadora do desastre-crime
A mineradora manteve sua posição contrária com a proposta de Liquidação Coletiva para os Danos Individuais. Durante a audiência ela repetiu argumentos utilizados ao longo do processo. Um deles é que o Acordo Judicial de Reparação, assinado em 2021, seria suficiente para promover a reparação individual. Entretanto é uma informação enganosa, uma vez que esse acordo prevê somente a reparação dos danos coletivos e difusos, tendo sido excluído dele os danos individuais homogêneos.
Outra alegação da Vale é da existência de um Termo de Compromisso com a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, assinado em 2019, poucos meses após o desastre-crime. Segundo ela, o termo seria suficiente para promover a reparação individual, entretanto ele foi realizado em um momento anterior a qualquer levantamento de danos ao longo da Bacia do Rio Paraopeba, sendo insuficiente e não atendendo às categorias de atingidos e atingidas. Além de que a própria empresa já disse publicamente que não realiza mais novas negociações com base no instrumento desde 2022.
Foi utilizado também o argumento de que a perícia da UFMG ainda está em curso e que, portanto, o juiz não poderia discutir a Liquidação Coletiva. Esse foi mais um argumento rebatido e a própria UFMG informou que o trabalho que está sendo realizado atualmente não visa a quantificação dos danos ou sua valoração. Dessa forma, não impediria o início da discussão.
O atingido Walter Matias, da comunidade Satélite, de Juatuba, discursou no ato realizado em frente ao TJMG e destacou o assédio moral cometido pela mineradora contra os atingidos. “Hoje, 2 de maio, é o Dia do Combate ao Assédio Moral. E o que nós temos sabido e visto é o assédio moral promovido pela Vale, tanto contra os atingidos, quanto contra os seus funcionários, tanto é assim que ela construiu um refeitório debaixo de uma represa, sem nenhuma consideração pelos trabalhadores”, lembrou da situação da Mina Córrego do Feijão.
“Lá em Juatuba nós estamos tendo um problema seríssimo. O rio está contaminado, o meio ambiente todo está contaminado. Morreu a biodiversidade, morreu os peixes, morreu tudo. E nós estamos aqui lutando é por uma coisa que é de direito nosso, é garantido. Nós não estamos aqui inventando nada não. É tudo direito que é devido e tem que ser pago”, completou o atingido relatando sobre a situação vivenciada em sua comunidade.

Walter Matias, de Juatuba
Encaminhamentos prevê novas audiências
O juiz Murilo Silvio de Abreu definiu que as Instituições de Justiça devem se manifestar informando quais categorias de danos devem ser consideradas na Liquidação Coletiva. O prazo para essa manifestação é o dia 16/05. Após isso, a Vale terá 10 dias úteis, até 03/06, para se manifestar.
Após as manifestações, o juiz vai marcar uma nova audiência para seguir o debate e o processo de construção da metodologia de trabalho da perícia. O juiz reforçou que tem a intenção de ouvir as partes e fazer um processo coletivo, pois acredita que assim será feito da melhor forma.
Confira a ata da audiência:

Equipe da Aedas promoveu atividade de Ciranda com as crianças atingidas
Atingidas e atingidos destacaram a luta pela Indenização Individual
A atingida Joelísia Feitosa, da comunidade Satélite, de Juatuba, participou da audiência e avaliou como positivo o embasamento da proposta nas legislações com foco nos atingidos por barragens. “Tivemos um grande avanço com o reconhecimento da PEAB e da PNAB, que visam proteger e garantir o protagonismo das pessoas atingidas. Estarmos presentes nessa audiência é com certeza uma das principais conquistas e o doutor Murilo fez questão de ressaltar que ele vai dar importância e focar na transparência, que é isso que nós precisamos”, disse.
Michelle Rocha, atingida da comunidade Monte Calvário, de Betim, espera que o diálogo seja melhorado entre as partes. “Muito se ouviu do que a gente quer enquanto Indenização Individual justa e agora é esperar que o juiz receba os relatórios da UFMG, junto com as IJs e as ATIs, para que a gente consiga definir os danos pra gente dar o passo pra uma indenização justa para os atingidos da Bacia do Paraopeba”, afirmou.
Édipo Ramon, atingido e líder religioso da comunidade Nzo Mona Jindanji, integrante dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA), destacou a importância de manter a luta pela Liquidação Coletiva. “Foi um avanço, o juiz quer resolver essa situação. Hoje foi a primeira vez que a Vale vem depois de um certo tempo. A gente não pode perder o foco. As IJs e todos vão se reorganizar e a gente vai continuar nesse passo aí. A gente sai dessa audiência com esperanças, nós vamos continuar na luta”, destacou.
Veja mais fotos da atividade:




Texto: Diego Cota e Felipe Cunha | Fotos: Felipe Cunha/Aedas