“Estamos indo para a Assembleia representando o povo de Pinheiros. Somos muitos atingidos, muitos foram embora e nem receberam a indenização que era de sua necessidade e seu direito” –  atingida Clemilda. 

“Vamos para a Assembleia Legislativa reivindicar nossos direitos” – atingido José Roberto.

Com esta motivação, mais de 50  pessoas atingidas de Itatiaiuçu saíram de suas comunidades e decidiram  reivindicar seus direitos na Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A Audiência foi realizada nesta segunda-feira, 11 de julho de 2022 e promovida pela Comissão de Direitos Humanos da ALMG.

O objetivo da Audiência foi debater as violações de direitos sofridas pela população de Itatiaiuçu devido ao risco iminente de rompimento da barragem da Mina de Serra Azul, da ArcelorMittal, e a ameaça de desabastecimento hídrico na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) caso a Represa Rio Manso seja atingida. Para compor a mesa de debate foram convidados representantes da Comissão de Atingidos(as) de Itatiaiuçu, da Assessoria Técnica Independente da Aedas, do Ministério Público, da Defesa Civil e da ArcelorMittal. A Audiência Pública foi presidida pela Deputada Estadual Beatriz Cerqueira.

Durante a audiência, a atingida Luzia Soares de Souza, lembrou que existem mais 400 pessoas atingidas no território à espera do cadastro e que aguardam em uma lista de espera.  “Hoje em Itatiaiuçu temos uma lista de espera de mais de 455 famílias, a lista de espera vem vindo a quase 2 anos, não somos reconhecidos como atingidos e atingidas. Não está fácil, a cada dia que passa a nossa luta fica um pouco pior, a gente espera ser ouvido, a gente espera ser atendidos, a gente espera que essa negociação se iguale para todos, tanto os que estão cadastrados e que tenham uma reparação justa e os que não estão para entrar nesta lista também”, enfatizou Luzia. 

Os atingidos Marcio Piedade e Ezequiel Matias recordaram a situação dos sitiantes e dos caseiros(as). “Os sitiantes não podem acessar suas casas e os caseiros perderam sua casa e seu emprego. Minha esposa era caseira, podia ser dona de casa e trabalhar ao mesmo tempo. Hoje não tem nada disso”, afirmou Ezequiel.

A população atingida de Itatiaiuçu ainda reivindicou a prorrogação do pagamento da prestação mensal, para aquecer a economia nas comunidades. Segundo os atingidos e atingidas muitas pessoas na comunidade perderam seus empregos, como lembrou a atingida Clemilda Marques: “eu faço salgado, não faço mais, só quando tem encomenda, porque os sitiantes foram embora”. 

O atingido Ezequiel também falou sobre a importância que a Assessoria Técnica teve no processo. “As pessoas se achavam culpadas, elas não sabiam se tinham direitos, elas tinham medo do que ia acontecer e quando a Assessoria chegou isso começou a ficar mais claro pras pessoas, elas começaram a entender quais eram seus direitos. E juntamente a Assessoria e a população montou este processo todo, como o TAC 1 e agora vem o TAC 2”, explicou o atingido. 

Ainda durante a audiência pública, o atingido Marcio Piedade destacou a questão da segurança da barragem, lembrando que a comunidade ficou sabendo da mudança de nível de segurança pelos jornais e não pela ArcelorMittal. “A ArcelorMittal não comunicou a comunidade sobre a alteração no nível de emergência da barragem para nível 3. A comunidade e a Assessoria Técnica souberam da notícia através dos jornais de Minas Gerais e isso causou um caos nas comunidades, que acharam que a barragem estava rompendo”, pontuou Márcio. 

O representante da ArcelorMittal, Wagner Barbosa, afirmou que está sendo construída uma estrutura de contenção à jusante, a ECJ, para conter os rejeitos caso haja um rompimento da barragem. De acordo com Wagner e orientação dos órgãos fiscalizadores, sem a construção da ECJ não é possível iniciar a descaracterização da barragem. Em relação a construção da ECJ, a comunidade atingida solicitou diálogo constante com as comunidades sobre a construção. 

A coordenadora da Aedas, Assessoria Técnica Independente que acompanha o processo de reparação integral em Itatiaiuçu, Jéssica Barbosa Siqueira Simões apresentou, durante a Audiência, os avanços e desafios do trabalho da Aedas no território. A coordenadora trouxe a assinatura do Termo de Acordo Complementar (TAC 1), que garantiu as diretrizes e valores para reparação dos danos individuais homogêneos como um avanço na luta pela reparação. Como desafio, Jéssica destacou as recusas da mineradora, que muitas vezes cria justificativas ou pede provas de difícil acesso aos atingidos para comprovar algum dano, como por exemplo, o dano à saúde. 

Em relação às recusas e as provas impossíveis exigidas pela mineradora, vários atingidos(as) se posicionaram e reclamaram da postura da Arcelor.  A atingida Clemilda afirmou:“a Arcelor quer que a gente prove, querendo que a gente dê um papel provando que a gente vendia aquilo, uma nota fiscal. Da onde eu faço um tabuleiro de torta eu vou ter que dar nota fiscal”.

Para finalizar a Audiência Pública a Deputada Estadual, Beatriz Cerqueira, leu os requerimentos protocolados já como resultado da audiência e que serão votados em uma reunião posterior. Os requerimentos serão encaminhados pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais solicitando respostas em relação aos seguintes pontos: 

Requerimentos: 

Para a Copasa:  

  • Pedido de informações acerca das ações e iniciativas que vêm sendo concebidas e  programadas para um eventual rompimento da barragem da Mina Serra Azul de propriedade da ArcelorMittal Mineração localizada em Itatiaiuçu que impactaria o Rio Manso, integrante do sistema Paraopeba.

Para a Defesa Civil do Estado: 

  • Que seja encaminhado a coordenadoria da Defesa Civil do estado pedido de providência para que no âmbito de sua competência e em relação a Mina Serra Azul, localizada no município de Itatiaiuçu, seja feita a consulta e mantido o diálogo permanente com as comunidades do entorno sobre as obras de construção da estrutura de contenção à jusante na barragem.  
  • Sejam apuradas as causas das rachaduras nas casas das pessoas atingidas no bairro Retiro Colonial e verificada a sua relação com atividade minerária no entorno.

Para a ArcelorMittal:

  • Que seja continuado por pelo menos mais 36 meses ou até o reestabelecimento da estabilidade socioeconômica da comunidade o pagamento do auxílio emergencial às pessoas atingidas pelo risco iminente de rompimento da barragem;
  • Que seja mantida a Assessoria Técnica da Aedas até que todas as pessoas atingidas pelo risco iminente de rompimento da referida barragem sejam reparadas individualmente, 
  • Que seja concluída a reparação coletiva;
  • Que seja garantido o cadastro de todas as pessoas ainda em situação de espera para sua inclusão na lista de reparação como atingidas pelo risco iminente do rompimento da barragem, considerando-se para tal a lista da Assessoria Técnica da Aedas, 
  • Que sejam reconhecidos e incorporados as reparações individuais os danos à renda das pessoas atingidas pelo acionamento do Plano de ação de emergência para barragem relativa à barragem da referida mina, inclusive aqueles cuja comprovação seja unicamente por prova testemunhal não sendo exigidas provas que tornem impossível ou excessivamente difícil a comprovação desse dano haja vista a existência de diversas atividades econômicas  reconhecidamente informais;
  • Que seja respeitado o critério do uso preponderante do imóvel para definir sua classificação como urbano ou rural;
  • Que sejam reconhecidos os vários danos à saúde física e psíquica sofrida pelas pessoas atingidas pelo risco iminente do rompimento da barragem da referida mina, considerando-se para tal depoimentos conforme previsto no TAC 1;
  • Que o cadastro da Assessoria Técnica da Aedas e a avaliação médica seja formada por profissionais que não integram o quadro de funcionário da ArcelorMittal, preferencialmente integrante do Sistema Único de Saúde (SUS);
  • Que sejam apresentados nos processos de negociação para a reparação individual os relatórios de junta médica quanto aos pleitos de reconhecimento dos danos a saúde dos atingidos;
  • Que sejam reconhecidos e reparados na fase de reparação coletiva os danos decorrentes da reclassificação do risco da barragem da referida Mina para o nível 3,  sem a devida comunicação com a comunidade a este respeito;
  • Que seja feita a consulta e mantido o diálogo permanente com as comunidades do entorno sobre as obras de construção da Estrutura de Contenção à Jusante (ECJ) da barragem da referida Mina, bem como todas as demais ações relacionadas ao seu processo de descomissionamento, inclusive com a participação da Comissão de Atingidos e Assessoria Técnica Independente da Aedas.

Para a procuradoria do Ministério Público Federal (MPF) e promotoria de Justiça da Comarca de Itaúna e a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social serão enviadas as  mesmas solicitações. 


Confira a Audiência Pública na íntegra: https://www.youtube.com/watch?v=co2bu9Hu3AM