Audiência Pública debate impactos socioambientais da possível construção de um rodoanel na RMBH
Na última quinta-feira (15), uma audiência pública realizada pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados, que acompanha as negociações entre a Vale e o governo de Minas Gerais em relação ao desastre causado pela mineradora em Brumadinho, debateu a ampliação de impactos socioambientais nos territórios por conta das possíveis obras de um rodoanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). As intervenções estão previstas no acordo assinado entre o governo estadual e a mineradora acerca da reparação de danos decorrentes do rompimento da barragem do Córrego do Feijão.
Participaram da audiência representantes de atingidos e atingidas, dos movimentos populares, parlamentares, assessorias técnicas, membros do Ministério Público e Defensoria Pública. Na ocasião, foi apresentado um manifesto das pessoas atingidas questionando a obra e propondo que seja cancelada, abrindo debate, depois da pandemia, sobre outras alternativas para mobilidade da região metropolitana, como a recuperação das ferrovias e aumento do metrô.
A maioria dos relatos apresentados no encontro virtual apontam preocupação com a possibilidade da realização de obras que vão afetar a vida na capital e municípios como Brumadinho, Mário Campos, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia, Vespasiano, Sarzedo, Betim, São José da Lapa, Pedro Leopoldo, Belo Horizonte, Confins, Ibirité e Contagem. Já na abertura, o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), coordenador dos trabalhos, destacou a complexidade da proposta e a necessidade de que se amplie o debate sobre o tema e que as comunidades atingidas opinem sobre a finalidade, a conveniência e os impactos desta obra de grandes proporções.
Para o deputado federal Padre João (PT-MG), a situação de vulnerabilidade desencadeada pela atividade mineradora na região pode se agravar a partir do rodoanel, denominado por parte dos participantes como “rodominério”. “A gente se sente pequeno diante da força do capital financeiro, que não tem alma nem coração. Pior ainda é ver que quem foi escolhido pelo povo age sistematicamente contra os interesses e necessidades do povo. Não é possível que a gente possa conviver com essa situação passivamente. É um absurdo que uma negociação dessas, sobre o Rodoanel por exemplo, esteja sendo feita em detrimento do povo e por interesses nada coletivos”, afirmou o parlamentar.

O representante do Movimento Serra Sempre Viva, Henrique Lazarotti, questionou a “insensibilidade” dos envolvidos no projeto ao não informar e ouvir as comunidades sobre o plano. “Obra do rodoanel é ecocida, eleitoreira, destinada para atender grandes empresas do minério. É um projeto ecocida porque também vai impactar e muito o meio ambiente. Vai impactar em sítios culturais, comunidades tradicionais. É absolutamente questionável que essa obra vai trazer desenvolvimento social e econômico para as áreas atingidas”, enfatizou Lazarotti, que também apontou o debate sobre transporte público, alternativas e qualidade de vida como urgente.
Ainda de acordo com Henrique Lazarotti, os Planos Diretores municipais são desconsiderados pelo projeto do rodoanel e haveria uma intenção objetiva de se fortalecer a “agressividade da mineração” e “passar a boiada”, isso pelo fato de que os encaminhamentos sobre o rodoanel não se dão de forma transparente, com poucas audiências, pouco diálogo e espaços que não contemplam a ampla participação popular garantida pela Constituição Federal, Constituição Estadual e tratados internacionais. O projeto que afeta 13 municípios foi discutido até aqui em somente quatro audiências públicas, estas por parte do Estado.
Patrimônio Histórico
A historiadora e arqueóloga Alenice Baeta , do Movimento Serra Sempre Viva, apontou os riscos de impactos sobre os inúmeros sítios arqueológicos do século 18. De acordo com Alenice, áreas como a Serra da Calçada, Serra do Rola Moça, Serra da Moeda, ruínas tombadas, caminhos de pedras, canais, relíquias da Mata Atlântica e elementos pré-coloniais. “Temos dois sítios pré-coloniais e os dois estão na Alça Sul. Ele fica nos arredores da Cachoeira Ostra e Pedra Furada, cheia de mananciais. Nos anos 1990, pesquisamos essa região por meio da UFMG, e fizemos também um inventário. A Serra da Moeda, por exemplo, possui cavernas datadas de 1500 anos atrás, que são depositários naturais de aquíferos”.
Dúvidas
Euler Cruz, representante do Fórum Permanente São Francisco, questionou a viabilidade do rodoanel sem que problemas antigos sejam colocados em pauta. “Hoje temos um anel com 23 km e já apresenta problemas, o Rodoanel terá 100 km de extensão. O Estado já fez esse estudo, para que os problemas não persistam?”, indagou. Para ele, “Brumadinho, para o rodoanel, é apenas uma rota de passagem. Ligar o rodoanel à cidade é mudar ainda mais sua configuração, superlotando a cidade, mudar o que já foi já foi prejudicado”, registrou.
Outros pontos foram recorrentes na audiência pública, como questionamentos sobre a ausência de previsão ideal de análises diversas para a possibilidade de obras, como a construção de túneis, por exemplo. No projeto, não há rubrica para a compensação de possíveis danos, especialmente socioambientais. Além disso, a prioridade para a consolidação dessa obra em detrimento de outras necessidades da Região Metropolitana foi constantemente questionada pelos presentes, havendo inclusive a sinalização para a situação socioeconômica e de saúde durante e pós-pandemia do novo coronavírus.
O representante da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), Luiz Ribas, pontuou a atuação da assessoria técnica na identificação de danos. Disse ainda que, assim como todo o processo, o momento demanda atenção para que direitos sejam resguardados e que a reparação não seja sinônimo de mais danos às pessoas e comunidades atingidas. Ribas reafirmou a defesa da reparação socioeconômica e socioambiental da população atingida, dos direitos, da participação, da água, da moradia e do meio ambiente equilibrado.
A Aedas fez a escuta de algumas pessoas do distrito de Casa Branca, em Brumadinho, que poderá ser impactada pelo traçado atual da alça sul do Rodoanel. A pedido do Conselho Consultivo do Parque do Rola Moça, a Aedas participou de reunião onde foi apresentado o estudo de rota alternativa para o rodoanel, feito pela Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA). Tanto nesta oportunidade, quanto na audiência pública, este projeto foi bastante criticado pelas pessoas presentes.
Representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Frei Gilvander Moreira, classificou o assunto como algo “gravíssimo”. “No meio da mais letal pandemia dos últimos 100 anos, para atender os interesses comerciais da Vale, o governo de Minas nesse acordo ignora a realidade. Se for construído, o rodoanel será rodominério, para os interesses da Vale e outras mineradoras. Poderemos ter um colapso, uma exaustão dos recursos hídricos. É o acordão que ignora a dor e os direitos dos atingidos de Brumadinho. Serão milhares de desapropriações e é importante lembrar que estas estão previstas para serem iniciadas em 2023, ou seja, após as eleições do ano que vem”, afirmou Moreira.
Frei Gilvander questionou o motivo de não se adiar essa discussão para depois do fim da pandemia. “Dizem que são estradas modernas e que diminuirão a emissão de CO2, mas como isso se o trânsito vai aumentar? O projeto do rodoanel ignora os mananciais da RMBH, afetará a agricultura familiar, patrimônio histórico, cavernas com pinturas rupestres, cavernas, cemitérios etc. Milhares de famílias terão as casas demolidas. A especulação imobiliária, o aluguel vai subir muito. Todo e qualquer traçado será devastador em todos aspectos. Não pode ser nem iniciado. Respeito ao povo e suas tradições”, concluiu.
Leonardo Péricles, do Movimento de Luta nos Bairros (MLB), e presidente nacional do partido Unidade Popular (UP), pautou a percepção dos movimentos populares sobre a obra. “Nós, movimentos, tratamos com o nome certo: é rodominério. Estou na luta pela moradia, pela reforma urbana. São impactos muito violentos. Os interesses das mineradoras não são os interesses da maioria da população. As milhares das famílias que moram na rota do rodoanel ainda nem tem noção do que vai acontecer. Do ponto de vista concreto, o rodominério não precisa ser feito. Precisa de investimento nos trens e metrô, no transporte público de qualidade. Um dos pontos nevrálgicos para o surgimento de pandemias é a devastação ambiental, é a alteração das condições ambientais. Nós não podemos admitir um crime desse ser cometido contra o povo. Esse projeto precisa ir para a lata de lixo da história”, expôs.
Os apontamentos, sugestões e questionamentos apresentados na Audiência Pública desta semana passam a fazer parte do acervo de materiais produzidos na Comissão Externa e de subsídio para as próximas etapas, inclusive por parte das instituições de justiça.