Em Audiência Pública, atingidas de Betim cobram informações sobre destinação da lama das enchentes de 2021/2022
Um dos encaminhamentos da discussão foi um pedido de investigação ao Ministério Público

Audiência contou com a presença de moradores da comunidade (Foto: Jonathan Pires/Diretoria de Comunicação Institucional/Câmara de Betim)
A Câmara Municipal de Betim realizou, na última quinta-feira (04/04), uma Audiência Pública para discutir a situação do Aterro do Citrolândia. Comissões de Atingidos das comunidades São Salvador e Conjunto Habitacional Dicalino Cabral, assessoradas pela Aedas, participaram da audiência e puderam fazer suas colocações e questionamentos para os representantes do legislativo e executivo municipal.
A mesa da Audiência Pública foi composta pelo vereador Professor Wellington, pelo presidente da Ecos Wilton Magno Leite, pela ambientalista Cinthia Melo e pelo gerente da Regional Citrolândia, Rodrigo Trindade.
A população do bairro São Salvador alega consequências à saúde e à infraestrutura dos imóveis provocadas pela atividade do aterro e cobra o encerramento definitivo das operações realizadas no espaço. As atingidas relataram sobre o uso da estrutura para descarte de resíduos das mais variadas formas.
Segundo Adriana Cristina Nunes Gomes, da comunidade São Salvador, há um uso intenso do aterro. “Todas as vezes que acontece alguma coisa, infelizmente vai pra lá. Teve enchente após o rompimento e jogou lá, se limpa as ruas e tem lixo e terra, vai pra lá. Então lá não está fechado, não estão usando apenas a usina para reciclar [resíduo de construção civil]. Lá está entrando lixo clandestino e acaba entrando com vocês [prefeitura] também. Nós estamos sufocados”, disse.

Adriana Cristina cobrou o encerramento das ações no aterro (Imagem: Reprodução/Youtube da Câmara de Betim)
O presidente da Empresa de Construções, Obras, Serviços, Projetos, Transporte e Trânsito de Betim (Ecos), Wilton Magno Leite, confirmou a utilização do Aterro do Citrolândia para descarte de entulhos de construção que são coletados em bota-foras do município.
Na área do Aterro está localizada uma usina de reciclagem de resíduos de construção civil. Segundo Wilton, após o processo de triagem, o material não aproveitado é descartado em uma cava. Nesse processo, ele contou que pode ter a presença de resíduo domiciliar, que teria a origem no descarte primário feito pela população nos espaços de bota-fora.
Além dessa operação oficial do executivo municipal, foi relatado o uso do espaço por munícipes para descarte clandestino de outros tipos de resíduos.
Atingidas denunciaram descarte de lama das enchentes
As comunidades do Citrolândia, especialmente aquelas que fazem limite com o Aterro, como é o caso de São Salvador, sofrem de formas diversas as consequências da estrutura tão próxima da população, seja pela presença de insetos peçonhentos, pela operação no espaço ou pela poluição do ar.
Uma das denúncias é que o espaço recebeu o descarte da lama das enchentes que atingiram comunidades ribeirinhas da região, como a Colônia Santa Isabel, em 2021 e 2022. O pedido de investigação foi oficializado por meio de um ofício das lideranças de São Salvador e Dicalino Cabral enviado para a Prefeitura e Câmara de Betim e Ministério Público.
Em resposta ao pedido das comissões, a Secretaria de Meio Ambiente de Betim informou que a informação é sigilosa e não disponibilizou dados sobre a contratação do serviço e o descarte dos resíduos referentes às ações de limpeza na Colônia Santa Isabel. Um dos encaminhamentos da Audiência Pública foi a elaboração de um pedido de investigação da denúncia ao Ministério Público e a quebra de sigilo dessas informações.
A situação já havia sido relatada pelas lideranças atingidas ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em visita da instituição à região, em novembro do ano passado. No início de março, em reunião de devolutiva com lideranças atingidas da Região 2, a promotora Shirley Machado, da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos/MPMG), informou que a Promotoria de Justiça de Betim abriu um inquérito para apurar a questão relatada pelas comissões.
Aterro traz consequências para Citrolândia e Charneca
São três décadas de atividade. O aterro foi inaugurado em 1996, com previsão de encerramento no final de 2011. Em 2012, a então gestão municipal sancionou uma lei para a criação do Eco Parque São Francisco de Assis, que não se realizou. Para a ambientalista Cinthia Melo, que reside na comunidade Charneca, “esse espaço tinha um prazo de validade, porque a atividade tinha um tempo de uso”.
“Após sua utilização, necessariamente deveria se transformar em um parque, no sentido de preservação ambiental, para respiro e recuperação da área”, afirmou Cinthia durante sua fala na audiência pública. Já são mais de onze anos desde a promulgação da lei que previa o parque. Nesse tempo, o aterro continua sendo utilizado, aumentando os efeitos negativos já vivenciados pela população desde sua inauguração.
“Quando a gente fala em fazer um parque, o que a gente precisa aqui é de uma reparação para aquela comunidade como um todo. Porque, em função de todos os danos causados depois de muitos anos que já tinha sido encerrado e esse acúmulo incorreto que continua sendo depositado sem critérios, a construção de um parque naquele lugar se torna pouco diante da infração que o próprio município está provocando”, disse Cinthia.

Ambientalista Cinthia Melo compôs a mesa da audiência (Imagem: Reprodução/Youtube da Câmara de Betim)
Problemas estruturais nas residências, como trincas, presença constante de escorpiões, poluição sonora e do ar e mal cheiro causado pela decomposição do lixo são alguns dos problemas mais citados pelas moradoras do entorno.
“Nós aguentamos esse tempo todo, não teve contrapartida nenhuma para os moradores, nós não temos nada no bairro. Só tivemos escorpiões, mal cheiro, urubus e, há pouco tempo, despejaram um caminhão de carne podre lá. Eu quero aquilo lá encerrado, é um direito da comunidade”, disse Adriana Cristina. Além disso, a atingida contou que tem um gasto mensal para limpeza do seu terreiro, como uma forma de minimizar o aparecimento de insetos peçonhentos.
A ambientalista Cinthia pediu atenção especial aos danos ambientais vividos pelas comunidades. “Eu peço cuidadosamente aos senhores que estejam sensíveis a tudo que a gente está vivendo. Falo isso como moradora do Charneca, porque eu sofro isso ambientalmente, porque eu sei que aquilo ali é um problema grave, porque da forma que está sendo feito os solos estão sendo atingidos, a água está sendo contaminada. Com o encerramento do aterro e construção do parque, a água deveria ser monitorada por quase 20 anos e ao invés disso o que a gente está vendo é mais depósito de lixo lá”, afirmou.
Ecos indicou projeto para criação de parque
O presidente da Ecos Wilton Magno Leite indicou que o executivo pretende finalizar a fase de estudos ainda neste ano para o encerramento do Aterro do Citrolândia. “Nossa função hoje é de encerrar. Estamos desenvolvendo os projetos que vão nos levar ao encerramento total, com todas as questões de análises de gases, de água e do entorno”, disse.
Segundo Wilton, no momento está sendo feito o preenchimento de uma cava e a redefinição de talude. Enquanto isso, negociam o fechamento de um acordo de Cooperação Técnica com um instituto para a elaboração do projeto para encerramento. A proposta é que seja realizado o reflorestamento da área que, por volta de 15 anos, não poderá ser acessada pela população.
“Estamos trabalhando para finalizar essas ações que não são, de fato, inteligentes”, afirmou o presidente da Ecos.
Citrolândia ainda não recebeu ações do Anexo I.3
De acordo com a auditoria realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o município de Betim tem direito a mais de R$ 300 milhões para execução de Projetos de fortalecimento dos serviços públicos para a Bacia do Paraopeba (Anexo I.3), do Acordo Judicial de Reparação. Até o momento, o recurso não foi aplicado na área do município atingida pelo rompimento.
Veja a Audiência na íntegra
Texto: Diego Cota