Audiência Pública denuncia Decreto que viola direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais em Minas Gerais
Durante audiência, lideranças debateram norma do Executivo estadual que altera regras de Consulta Livre, Prévia e Informada

Reprodução: ALMG
No dia 13 de novembro, uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais em Belo Horizonte, reuniu representantes de povos e comunidades tradicionais quilombolas, geraizeiros, pescadores, povos de tradição religiosa ancestral de matriz africana, povos originários de MG, PA e da Amazônia Peruana, acadêmicos, defensores públicos e autoridades para debater o Decreto estadual nº 48.893/2024 que tenta regulamentar a Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) prevista pela Convenção nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Na ocasião, a medida foi amplamente denunciada, sendo descrita como inconstitucional, ilegal e um retrocesso para os direitos das comunidades tradicionais em Minas Gerais.
O Decreto nº 48.893/2024 dispõe sobre a obrigatoriedade de consulta livre, prévia e informada como requisito para a concessão de licenciamento ambiental estadual que afete povos indígenas, comunidades quilombolas ou povos e comunidades tradicionais, assim, os debates giraram entorno das violações de direitos humanos para Povos e Comunidades Tradicionais.
Falas de Resistência e Denúncia

Baba Marcílio, representante dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana da Região 2 da Bacia do Paraopeba, realiza fala durante a audiência | Foto: Arquivo Aedas
A abertura ficou a cargo da autora do requerimento para a audiência, Deputada Andréia de Jesus, que destacou a gravidade do decreto, chamando-o de “objeto jurídico fantasioso” e um ataque à soberania dos povos tradicionais. Segundo ela, “as terras tradicionais são o pulmão de Minas Gerais”, mas estão sendo entregues ao mercado internacional, em benefício de mineradoras e fazendeiros.
Outros mandatos presentes foram os das Deputadas Bella Gonçalves, Beatriz Cerqueira, Leninha e Célia Xakriabá. Já na abertura da mesa, a Dep. Bella Gonçalves relembra que há dois anos mais ou menos estava acontecendo um processo de resistência que revogou a resolução conjunta 001/2022 da SEDESE/SEMAD, que também feria o direito a CLPI.
O Cacique do povo originário Borum Kren, também reforçou a resistência, afirmando que o decreto “fere direitos históricos e a Convenção 169”. Ele entregou uma moção de repúdio assinada por mais de 50 coletivos, construída durante o IV Encontro do observatório de protocolos comunitários de consulta e consentimento livre, prévio e informado. Destacou a perpetuação de práticas coloniais: “Sofremos há séculos com a mineração. Nossa luta é a mesma de 500 anos atrás.”
Edna Correia, da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, destaca o cenário no quilombo do Baú em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, que foi alvo de disparos no último dia 11, logo após a divulgação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Denunciou o impacto psicológico e físico sobre os quilombolas: “Esse decreto veio para nos exterminar. Quando não mata pela bala, mata pelo psicológico.”
Irregularidades Jurídicas
Drº Edmundo Antônio Dias Netto Junior, procurador da República, destacou a inconstitucionalidade do decreto, que viola o princípio federativo e compromete obrigações internacionais. Ele apontou casos similares no Equador e Colômbia, reforçando que medidas como essa desrespeitam o direito à autodeterminação e aos protocolos próprios de consulta.
Carlos Frederico Mares, jurista, descreveu o decreto como “uma premiação à omissão do Estado” e acusou o governo de agir com dolo contra os povos tradicionais. Outros especialistas reforçaram que o decreto subverte o conceito de consulta prévia, ao permitir que empreendedores interessados realizem as consultas em vez dos órgãos competentes.
Impactos sobre os Povos e o Meio Ambiente
Representantes de diversas comunidades relataram os danos causados por décadas de negligência e exploração. Adair Pereira (Nenzão), geraizeiro, denunciou o impacto de empreendimentos no norte de Minas: “Estão destruindo nossas terras e enterrando nossa cultura medicinal em nome de empresas. Esse decreto é uma afronta à nossa memória e modo de vida.”
Makota Cássia Cristina, do Quilombo Manzo, alertou para a necessidade de acelerar processos de reconhecimento de territórios quilombolas e indígenas. “Esse decreto não é apenas uma violação de direitos; é um desvio de conduta do governo”, afirmou.
Posicionamento da SEDESE
Joana Moraes Ribeiro Horta Lopes, chefe de gabinete da SEDESE, representando Cleber Alves Machado, destacou que a CLPI é um instrumento democrático essencial para garantir o direito de consulta dos povos tradicionais. Segundo ela, o decreto foi elaborado para operacionalizar as orientações da OIT 169, que define como “mais abstratas” transformando-as em medidas práticas para conseguirem operacionalizar. Afirma ter sido uma construção extremamente técnica. Informa que a diretoria manifestou interesse em dialogar com as comunidades para aprimorar o decreto, e reforça que o governo tem compromisso com a abertura ao diálogo.
Caminhos de Resistência
A coordenadora do observatório de protocolos comunitários de consulta, Liana Amin Lima, falou dos riscos de uma medida como esse Decreto ser replicada em outros estados, trouxe dados sobre os protocolos autônomos de consulta desenvolvidos pelas comunidades. Segundo ela, existem cerca de 140 protocolos em curso no Brasil, evidenciando o potencial de autogestão dessas populações.
A defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre afirmou que o decreto fere convenções internacionais e reforçou a necessidade de revogação imediata. “É uma vergonha internacional”, concluiu.
Encaminhamentos
Dentre os requerimentos, foi solicitado o envio da ata de elaboração do Decreto nº 48.893/2024 e uma reunião técnica na SEDESE (Secretaria de Desenvolvimento Social) para obter esclarecimentos. Lideranças como Bella Gonçalves defenderam a união de esforços para pressionar o governo a revogar a medida.
A audiência encerrou com palavras de resistência, Beatriz Cerqueira, deputada presente, resumiu o espírito da audiência: “Não podemos desistir da luta. Denunciar, resistir e lutar é o que nos mantém de pé.” As lideranças tradicionais presentes afirmaram durante suas falas sobre a resistência e proteção ancestral “Nós somos povos tradicionais. Esse governo está de passagem; nós, não”.
Assista a Audiência
Texto: Equipe dos Povos e Comunidades Tradicionais da Aedas Paraopeba